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Godard e sua investigação do fazer cinema

por Mariana Rudzinski marianarudzinski71@gmail.com “A fotografia é a verdade. O cinema é a verdade 24 vezes por segundo.” O comentário, pertencente ao longa-metragem O pequeno soldado (Le petit soldat, 1960), define, de maneira poética, a opinião de Godard sobre a natureza do cinema. O diretor francês – cujos filmes são tão poéticos, filosóficos e vagos …

Godard e sua investigação do fazer cinema Leia mais »

por Mariana Rudzinski
marianarudzinski71@gmail.com

“A fotografia é a verdade. O cinema é a verdade 24 vezes por segundo.”

Godard 01 (1)O comentário, pertencente ao longa-metragem O pequeno soldado (Le petit soldat, 1960), define, de maneira poética, a opinião de Godard sobre a natureza do cinema. O diretor francês – cujos filmes são tão poéticos, filosóficos e vagos quanto sua frase – é conhecido pelos brasileiros como diretor dos filmes assistidos por Mônica, da música de autoria da banda Legião Urbana, porém é considerado um cineasta pouco acessível ao público.

Nascido em 1930, em Paris, e em uma família rica e culta, Jean-Luc Godard teve uma infância que ele mesmo descreve como “um tipo de paraíso”. Aos 16 anos, o jovem, que era um ávido leitor, conheceu os clubes de cinema e passou a assistir a tantos filmes quanto possível. Começou, então, a estudar por conta própria, assistindo clássicos da sétima arte e frequentando grupos de discussão. Neste meio, conheceu os amigos com quem futuramente faria parte da Nouvelle Vague.

Uma onda de inovação

Um grupo de jovens cinéfilos parisienses percebeu que o cinema já não representava a realidade da juventude francesa e era pouco autoral. Decidiram, então, quebrar as regras estabelecidas pelos grandes estúdios e fazer seus próprios filmes. Surgiu, assim, a Nouvelle Vague, a nova onda francesa que agrupou diretores com poucos recursos financeiros, mas com muita disposição para se aventurar na criação de um cinema inteiramente novo.

Alguns dos cineastas da Nouvelle Vague. Godard é o terceiro, da esquerda para a direita, da fileira de trás.

A marca mais importante do movimento, que viria a influenciar vários cineastas e mudaria a perspectiva do público a respeito das obras a que assistem é a visão do diretor como autor. Surgiu daí o cinema de autoria, em que os filmes são a expressão artística pessoal de seu idealizador. Pense em alguns diretores atuais: Tim Burton, Quentin Tarantino, Wes Anderson. O que eles têm em comum? São responsáveis por produções nas quais seu estilo pessoal é muito evidente. E isso não seria possível sem que os diretores da Nouvelle Vague tivessem ousado quebrar regras.

Investigação extensiva de como fazer cinema

Na década de 1950, Godard passou a se dedicar à crítica de cinema, escrevendo na revista Cahiers Du Cinéma, na qual defendia que, ao assistir a um filme, o público passava a fazer parte dele, além de tecer críticas ao tipo de cinema produzido por Hollywood. No entanto, assistir e escrever sobre cinema eventualmente deixou de bastar para Godard e seu grupo de amigos, que queriam produzir suas próprias obras.

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Em um primeiro momento, Godard limitou-se a dirigir curtas-metragens. Foi só em 1960 que lançou seu primeiro filme, Acossado (À bout de souffle, 1960), que, apesar do orçamento mínimo, foi um grande sucesso de público e crítica, além de chamar atenção principalmente para a persona de Godard e seu modo não ortodoxo de direção.

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Nos anos 60, Godard atingiu um pico de criatividade, lançando diversos longas-metragens. Vários deles foram estrelados por Anna Karina, que se tornaria musa e esposa do cineasta. Outras personalidades também participaram desta fase de filmes de Godard, como Brigitte Bardot, a maior estrela do cinema francês da época.

Godard, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir em 1970, na distribuição da revista maoísta La Cause du People, que havia sido banida pelo governo francês.

O ano de 1968 na França e no mundo foi permeado por lutas e protestos de estudantes e trabalhadores contra o capitalismo e por maior liberdade e representação. A turbulência política e social tomou conta de Paris, o que inevitavelmente afetou a produção cinematográfica de Godard, iniciando a fase mais política de seu trabalho. Nesta época, ele e o jornalista Jean-Pierre Gorin fundaram o grupo Dziga Vertog, que abarcou diretores politizados. A partir daí, os filmes de Godard começaram a se tornar mais ideológicos. Este provavelmente foi o momento em que começou a ser formada a imagem que persiste até hoje dos filmes do diretor como confusos e sem sentido.

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Godard, hoje com 85 anos, continua trabalhando ativamente, lançando produções que são aclamadas pela crítica, ainda que não sejam sucessos de público. O diretor, ao longo de sua carreira, amadureceu seu estilo e as técnicas propostas pela Nouvelle Vague, que divergem grandemente das características dos filmes blockbusters. Seus trabalhos mais recentes, que podem parecer incompreensíveis, propõem uma fragmentação extrema, não só da continuidade das cenas, mas também das imagens, da narrativa e dos sons.

Por onde começar?

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A vida não é um filme de Godard.

Questões existenciais, relacionamentos humanos, crimes, arte, morte. Tudo é tema para Godard. Embora a filmografia do diretor seja extensa e complexa, para conhecer mais sobre ele vale a pena começar por alguns de seus filmes:

Acossado (À bout de souffle, 1960)

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O célebre questionamento de Jean Seberg, “eu não sei se sou infeliz porque não sou livre, ou se não sou livre porque sou infeliz”, que pode ser encontrado em todo blog cult que se preze, é de Acossado, primeiro filme de Godard. Misturando um enredo inspirado por filmes B norte-americanos (aqueles em que o orçamento é pequeno e o elenco é desconhecido e geralmente tem pouquíssimo talento), dúvidas existenciais e citações literárias, o filme mostra a trajetória de Michel (Jean-Paul Belmondo), que rouba um carro e na fuga mata um policial e precisa se esconder. Para isso, ele conta com a ajuda de Patricia (Jean Seberg), uma aspirante a jornalista americana com quem tem um relacionamento conturbado. Um clássico do cinema e talvez o mais icônico trabalho de Godard e da Nouvelle Vague.

 

O Desprezo (Le Mépris, 1963)Godard 09

Um filme sobre a produção de um filme em meio à falência de um casamento, tendo como cenário a Ilha de Capri. O Desprezo teve o maior orçamento da carreira de Godard até então, mas quase não foi terminado devido à péssima relação do cineasta com alguns dos atores. Nele, Paul (Michel Piccoli) é um roteirista com a missão de reescrever o roteiro do novo filme de A Odisseia – livro de Homero sobre a volta de Odisseu a sua cidade após a Guerra de Tróia -, enquanto sua relação com sua esposa Camille (Brigitte Bardot) entra em colapso. O relacionamento do casal, que se torna o centro da narrativa, foi inspirado em Godard e Anna Karina.


O Bando à Parte
(Bande à Part, 1964)Godard 10

Esse é considerado um dos filmes mais fáceise acessíveis do diretor. Um narrador apresenta a história de Franz (Sami Frey) e Arthur (Claude Brasseur), que conhecem a ingênua Odile (Anna Karina), apadrinhada por uma família rica e convencem a moça a auxiliá-los em um roubo a sua casa. A famosa cena dos três amigos correndo pelo museu do Louvre é reproduzida em Os Sonhadores (The Dreamers, 2003) de Bertolucci, no qual os personagens quebram o recorde do trio original de visita mais rápida ao museu. O Bando à Parte conta com outras cenas memoráveis, como um divertido número de dança e o minuto de silêncio das personagens, no qual, por 36 segundos, não se ouve nenhum som.

Adeus à Linguagem (Adieu Au Langage, 2014)

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Um casal que não consegue mais se comunicar, um cachorro que rouba a cena e várias citações de autores, políticos e artistas, tudo isso em 3D. Adeus à linguagem é o filme mais recente de Godard e reflete perfeitamente a busca do diretor por novos meios de contar uma história, levando o espectador a se questionar se aquilo que assiste é realmente um filme. Talvez um dos trabalhos mais desafiadores de Godard, o filme, apesar de curto, não é nem um pouco fácil de ser assistido, mas vale encarar a obra como crítica à sociedade atual – obcecada por tecnologia e em que mesmo pessoas próximas parecem não falar a mesma língua.

Influência para diretores ao redor do mundo

Se Jean-Luc Godard fosse um escritor e seus filmes fossem livros, estes seriam narrados em discurso indireto livre, repletos de trechos em fluxos de consciência. Godard faz um cinema difícil, talvez pretensioso e muito experimental. Com toda sua inovação técnica e estética, assisti-lo pode ser uma tarefa árdua, principalmente se a audiência buscar um sentido tradicional para suas narrativas.

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O diretor, que está sempre testando os limites do que é cinema, não faz questão alguma de levar o público pela mão através da história. Seu trabalho faz pensar, leva a reflexões que transcendem o espaço do filme. É provavelmente por esse motivo que a importância de Godard é tão reconhecida e por que o diretor influencie diretamente o trabalho de grandes nomes como Martin Scorsese, Emmanuel Lubezki e Bernardo Bertolucci, encorajando gerações a buscar novas formas de fazer cinema.

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