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Já pensou se a humanidade se extinguisse?

Por: Daniel Miyazato (danielmiyazato@gmail.com) O céu estava tingido de tons de laranja quando Augusto errava por uma rua charmosa, de paralelepípedos polidos, naquele pedaço da metrópole que insistia em manter um ar interiorano. O jovem, que acabara de sair do trabalho, abriu um sorriso de surpresa ao avistar a placa dum bar, com faixada envidraçada, …

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Por: Daniel Miyazato (danielmiyazato@gmail.com)

Daniel Miyazato/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior
Daniel Miyazato/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior

O céu estava tingido de tons de laranja quando Augusto errava por uma rua charmosa, de paralelepípedos polidos, naquele pedaço da metrópole que insistia em manter um ar interiorano. O jovem, que acabara de sair do trabalho, abriu um sorriso de surpresa ao avistar a placa dum bar, com faixada envidraçada, pintada de um verde musgo, que anunciava uma tentadora promoção naquele horário. Tomou o caminho para a entrada.

A luz baixa, a escassa clientela e os móveis de uma madeira bem escura conferiam um clima melancólico ao ambiente. Um homem de cabelos e barbas grisalhas, vendo a hesitação do rapaz à porta, franziu a fronte e logo deu-lhe boas-vindas. “Por favor, sinta-se à vontade!”. Um tanto desconsertado, Augusto concordou com um aceno de cabeça e escolheu uma mesa, do canto mais próximo da rua. Pediu uma dose duma bebida da região e permaneceu observando as outras mesas. Fazia um silêncio bastante incômodo, alto até para os ouvidos do jovem, ninguém parecia querer conversar naquele lugar. Até que, de súbito, um homem de uns 30 anos, isolado no balcão, começou a lamentar a própria vida. O barman, olhou-o e começou a rir do choro. “Se recomponha, infeliz! Quer espantar meus clientes?!”.

“Acho que alguém está com o coração partido”, pensou Augusto. Aquela triste figura lhe causou uma forte impressão, quis saber sua história. De um gole terminou a bebida, se levantou e foi em direção ao balcão pedir mais uma dose. Olhou de revés para o homem, que agora tentava em vão conter seus soluços. “Ei, colega, qual o teu nome?”. Nenhuma resposta. Perguntou novamente, o moço respirou fundo, ergueu a cabeça e respondeu, “Miguel. Perdão pela choradeira. Ei, gente, desculpem aí meu descontrole!”. Todos do bar o ignoraram, menos Augusto, que continuou, “então, Miguel, quer conversar sobre o que aconteceu?”. O homem o olhou desconfiado, tentando decifrar o motivo daquele interesse, “eu… Te conheço?”, “chamam-me Augusto, prazer. Desculpe a intromissão, mas estou só matando o tempo aqui e às vezes se abrir ajuda a diminuir a dor, sabe?”. Miguel alongou os lábios num sorriso sutil, “‘matamos o tempo, o tempo nos enterra’. Já ouviu isso? É de um velho escritor”. O sobrolho arqueado de Augusto denunciou certa dúvida. “Escritor? Ah, acho que lembro disso dos tempos de colégio. Humano, não é?”. “Exato. Sou professor de história humana, não pude evitar”. “História humana!? Que interessante, mas receio que sempre fui mais fã dos dinossauros”. Os dois riram, o que quebrou mais uma vez o silêncio ambiente.

“Mas então, professor, por que chorava tanto?”. Miguel tomou mais um trago e respondeu, “É a minha noiva. Descobri que ela está grávida”. Augusto abriu os braços surpreso,“isso não deve ser motivo de tristeza, rapaz! Anime-se”. O professor respirou fundo, “eu não sou o pai”. A animação do jovem instantaneamente se transformou num embaraçoso torcer de mãos, esperando que o interlocutor prosseguisse o diálogo. “Pois é, fiquei uns três meses viajando para minha pesquisa e… As datas disseram tudo, depois ela confessou”. “E ela não quer mais casar contigo?”. “Não, acho que ela sempre amou mais o outro cara do que a mim. Não sei, talvez tenha sido para melhor. Nosso relacionamento já não estava lá essas coisas”, “como assim?”, “a rotina parecia nos afogar, entende? Só precisa de empurrãozinho para tudo desmoronar”.

Augusto balançava a cabeça desolado, quando voltou a olhar para Miguel, que emendou, “é irônico. Minha pesquisa é sobre o que extinguiu a humanidade, e você sabia que foi justamente a rotina, o tédio que os matou? Sim, soa bizarro, mas é o que tudo indica. Eram uma espécie fascinante, atingiram níveis tecnológicos respeitáveis, até que um vírus se alastrou. O efeito desta praga era a total inanição. Trágico, não acha? Em poucas semanas ninguém mais sentia algo diferente de uma profunda desmotivação. Sem pessoas para controlar as usinas elétricas, a energia acabou. As noites voltaram ser iluminados apenas pelas estrelas e pelo luar, mas nem tanta beleza os tirava daquela inércia. Não se produziu mais alimentos e as pratilheiras dos supermercados foram lentamente esvaziadas. Muitos passavam o dia inteiro vendo as nuvens desfilando pela janela, depois voltavam a dormir. Não havia mais ódio ou amor, nenhum sentimento. A população foi declinando, declinando e acabou, sem gritos, sem lágrimas, sem nada”.

Augusto apoiava o queixo sobre as mãos, olhando fixamente para um risco no balcão de madeira. “Como vocês descobriram tudo isso?”. Miguel sorveu mais um trago, “os poucos sobreviventes mantiveram diários. Registros apontam que eles possuíam uma rede de dados, chamada ‘internet’, alguns especulam que contivesse trilhões de gigabytes de informação, mas todos os centros de servidores foram corroídos. Por sorte, encontramos bibliotecas enormes, os sistemas de preservação que os humanos aplicavam eram bem sofisticados, isso garantiu uma sobrevida para milhares de obras”. “Mas e os tais diários, como duraram tanto?”. “Estão entalhados em peças de um tipo de polímero artificial, chamavam de polietileno. Não é biodegradável, por isso durou tanto. Agora quem parece triste é você. Está com pena dos humanos?”. Augusto voltou a cabeças para lado e para outro em tom de decepção, “acho que um meteoro teria sido mais piedoso”.

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