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Japão animado: o desenvolvimento de animes

No início do século 20, os mangás saíram das páginas e ganharam novos jeitos e objetivos para contar histórias

Demônios e confrontos são elementos chave para entender o que Koyoharu Gotōge pretendia ao escrever e ilustrar o mangá Demon Slayer (Editora Shueisha, 2016). Os quadrinhos, que ultrapassaram 10 milhões de cópias vendidas em 2019, tiveram sua história adaptada para anime, primeiro como série e, posteriormente, filme. O longa homônimo também teve êxito financeiro e inclusive se tornou a maior bilheteria japonesa da história, com 32,47 bilhões de ienes.

A transição de suportes e o sucesso em todos eles dizem respeito à ebulição da cultura pop do Japão, especialmente das animações, na atualidade e ao apego e receptividade da população local para com ela. A história do desenvolvimento dos filmes animados é antiga e envolve não apenas os japoneses, mas sim o mundo todo, afinal as produções extrapolam o local de sua produção e impactam tanto o Ocidente como o Oriente. 

Um homem com cabeça de javali sem camisa e um menino com cabelo castanho e roupa verde e preta cortam as mãos de em um movimento circular marcado em azul.
Tanjiro e Inosuke cortando as mãos de um demônio. [Imagem: Reprodução/Toho]

A história dos animes

Com o fim do isolamento nipônico no final do século 19, o Japão teve contato com diversas culturas importadas, uma delas o cinema, que, em 1910, apresentou os desenhos animados. Em um país em que o mangá já era uma cultura milenar, mesmo que não nos estilos atuais, não demorou muito para que os desenhistas japoneses explorassem o ramo.

O primeiro foi Seitaro Kitayama, que, com desenhos em papel e nanquim, fez os primeiros curta-metragens animados, Saru Kani Gassen (1917) e Momotaro (1918). No entanto, com carência de recursos, poucos se aventuravam nas animações. A partir da década de 1920, o governo japonês atrelou as produções cinematográficas ao Ministério da Educação, assim os produtores teriam incentivo financeiro, mas apenas para animações com viés educativo para crianças. 

Os temas giravam em torno de contos populares e lendas e passavam por censura governamental; no entanto, nesse período, devido ao financiamento das produções, a arte do anime foi capaz de se desenvolver e sair do papel e nanquim. A partir de 1933, as animações ganham temática militar, imperialista e pró-guerra.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as produções praticamente cessaram, já que os materiais utilizados eram importados e de alto custo. Apenas em 1958, os animes renasceram, com o lançamento de A Lenda da Serpente Branca (Hakujaden, 1958), o primeiro longa-metragem sonoro e em cores japonês, da produtora Toei Animation.

 

Um homem com kimono azul e verde e um chapéu azul escuro, e uma mulher com kimono branco e azul escuro e cabelos pretos, se olham.
Cena de Hakujaden, primeiro longa japonês. [Imagem: Reprodução/YouTube]
Com a repercussão e o sucesso do primeiro longa, diversas companhias independentes de produção de anime começaram a surgir, como a Toei Animations (1948), Tatsunoko Productions (1962), Shin-Ei Animation (1965), Sunrise (1972) e o Studio Ghibli (1985), tornando o anime em uma indústria cultural.

Na transição do anime patrocinado pelo governo para o anime independente, o cartunista Osamu Tezuka teve grande importância. O trabalho desse mangaká contribuiu para a construção das estéticas, temáticas e técnicas características de mangás e animações. 

Inspirado pela Ópera Takarazuka, estilo teatral japonês centrado no feminino, Tezuka criou personagens com olhos grandes, expressivos e brilhantes, corpos esguios, cabelos espetados e personalidades marcantes. Nas animações, experimentou a linguagem como estética, cenas de ângulos inusitados e jogos de planos, nos animes do estúdio Mushi Productions. A primeira produção de Tezuka foi Tales of a Street Corner (1962), seguida pelo seriado de sucesso Astro Boy (Tetsuwan Atomu, 1963) e a trilogia de filmes eróticos animerama (1969, 1970 e 1973). 

 

Primeiro anime exportado do Japão, em preto e branco, AstroBoy é um menino com uma sunga e cabelo espetado.
Astro Boy, primeiro anime exportado do Japão, criado por Osamu Tezuka. [Imagem: Reprodução/Mushi Productions]
Apesar de cada artista e produtora terem seus próprios estilos, Tezuka ajudou a consolidar a indústria das animações no Japão e a popularizá-la pelo mundo todo.

 

Os temas dos animes

As temáticas dos animes giram em torno do mundo contemporâneo, lendas e crenças japonesas, temas históricos, dilemas filosóficos e éticos e questões de existência esses últimos são os casos de filmes de sucesso como Your Name (Kimi no na wa, 2016) e A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kamikakushi, 2001), que impactam os espectadores com a arte e as questões refletidas no enredo. No entanto, as produções podem ser muito distintas dependendo do sexo e da idade do público, por isso existem diversos gêneros de animações, com destaque para o Kodomo, o Shoujo e Shounen e o Josei e Seinen.

 

Uma menina com cabelos castanhos e roupa listrada verde aparece acariciando um dragão esverdeado com chifres e pelos verde-escuros.
A Viagem de Chihiro, filme de Hayao Miyazaki, ganhador de um Oscar de melhor filme de animação em 2003. [Imagem: Divulgação/Studio Ghibli]
Kodomo são as animações japonesas direcionadas ao público infantil, sem distinção de genêro. Nele, as histórias não têm grande complexidade e são focadas na alfabetização, educação, respeito aos mais velhos e amizades. Grande parte dos animes produzidos para esse gênero são seriados, como os famosos Doraemon (1969) e Pokémon (1997). 

Shoujo e Shounen são animações para meninas e meninos adolescentes, respectivamente. Enquanto o Shoujo trata de temas como romance e beleza, protagonizando personagens femininas, o Shounen fala sobre drama, coragem e companheirismo, com cenas de violência, humor e ação, mas podem variar. Alguns exemplos são Eu Posso Ouvir o Oceano (Umi ga Kikoeru, 1993) e Akira (1988).

Para os adultos, Josei e Seinen falam sobre temas mais complexos nos mundos feminino e masculino, sendo mais satíricos e violentos que o Shoujo e o Shounen, como Memórias de Ontem (Omohide Poro Poro, 1993) e Knights of Sidonia: The Movie (2015).

 

Do lado de cá 

O mercado nipônico de entretenimento não tem como público apenas os japoneses, regiões não orientais também consomem — e muito — essas produções há mais de 50 anos. No Brasil, por exemplo, em 1966, a Editora de Livros e Revistas (EDREL) foi a primeira a publicar quadrinhos brasileiros no estilo dos mangás, bem como outros livros relacionados à cultura japonesa. Porém, o anime se tornou um sucesso generalizado no Ocidente apenas na década de 1990.

No artigo “O Ocidente Redescobre o Japão: O Boom de Mangás e animes”, Selma Martins Meireles, doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, justifica que esses formatos se popularizaram por serem diferentes dos oferecidos com estilo ocidental. Os fãs de animações japonesas não possuem apenas uma faixa etária, afinal os animes possuem públicos-alvo de diversas idades e gêneros, diferentemente do que ocorre no Ocidente, que privilegia audiências infantis. Para aquele público, também há a possibilidade de escolha de um gênero dentre a enorme gama de temas.

A influência é tanta que a fórmula japonesa é reproduzida, majoritariamente em séries, sob o nome de pseudo-anime ou murikanime, além de algumas animações inspirarem enredos e cenas de filmes estrangeiros. Um exemplo é a relação entre o anime Azul Perfeito (Pāfekuto Burū, 1997) e o longa estadunidense Cisne Negro (Black Swan, 2010). Ambos são dramas psicológicos, nos quais as personagens principais confundem fantasia com realidade, sofrem com pressão profissional, são corrompidas sexualmente, perdem a sanidade mental e questionam suas identidades. Porém as similaridades não param por aí e pode-se perceber que algumas cenas de Cisne Negro são recriações fiéis do que foi visto originalmente em Azul Perfeito.

 

Ilustrando a inspiração nos animes, quadros com comparações de cenas semelhantes entre o filme Cisne Negro e o anime Azul Perfeito.
Algumas cenas semelhantes em Cisne Negro e Azul Perfeito. [Imagens: Reprodução/Fox Searchlight Pictures/Rex Entertainment]

Entretenimento e poder

As animações nipônicas influenciaram o mundo culturalmente e transformaram as relações políticas japonesas e o modo como o país é retratado na opinião pública. Os animes conseguiram substituir a imagem de um país expansionista, agressivo e com tradição militarizada pela de uma potência cultural referência nas artes, tecnologia e criatividade. 

O passado japonês difere da imagem que ele tenta veicular de si hoje. Durante os séculos 19 e 20, no decorrer da Restauração Meiji, o país foi uma potência imperialista no Oriente e se envolveu em conflitos militares na Ásia para a conquista de territórios. Na Coreia, por exemplo, a população foi subjugada e violentada pela invasão japonesa por 35 anos: o idioma coreano foi proibido, os civis foram alistados compulsoriamente ao exército, escravizados para realizarem serviços sexuais ou para auxiliarem a concretizar os ideais expansionistas em outras regiões da Ásia.

Até então, a diplomacia do Japão era baseada apenas no hard power, ou seja, o país mantinha relações coercitivas com as outras pátrias e as tentava influenciar por meios financeiros e militares. Apenas após sua rendição ao final da Segunda Guerra Mundial, a política externa mudou: o país passou por um período de rápida reconstrução e crescimento econômico aliado ao investimento em tecnologia, indústria e, mais recentemente, cultura pop.

 

Fotografia em preto e branco de vários soldados japoneses, com uniformes e capacetes. Alguns puxando e outros sentados em um carro de madeira.
Retirada das tropas japonesas da Coreia. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
Hoje, o país domina a estratégia contrária; o soft power, através do qual o Estado consegue ter influência internacional a partir da cultura ou ideologia. De acordo com um ranking produzido pela Brand Finance, consultoria britânica de avaliação de marcas, o Japão é o segundo país do mundo que mais pratica soft power, pode-se até dizer que ele, como a terceira maior economia do mundo, tem tanto poder cultural quanto econômico.

De acordo com Lais Santos Belini, mestra em Letras (Língua, Literatura e Cultura Japonesa) pela USP, na dissertação “A diplomacia pop-cultural japonesa de 2004 a 2014: motivações e antagonismos”, essa estratégia de diplomacia cultural almeja ganhar confiança do público estrangeiro, principalmente dos que possuem ressentimentos em relação ao passado imperialista e melhorar a percepção do Japão, instigando um senso de afinidade no exterior.

Especificamente no Japão, o uso do soft power recebe o nome de Cool Japan. Os animes têm uma participação central nessa tática, especialmente pela possibilidade de personagens kawaii — fofos — se tornarem ícones da nação, o que mascara as atuais intenções militares do Japão e transmite a imagem de um Estado inofensivo e amistoso. O simbolismo dessa representação almeja influenciar positivamente o comércio, turismo, empreendedorismo e negociações.

O Cool Japan utiliza a cultura pop como um todo para promover o país e atitudes positivas em relação a ele, porém as animações se destacam por serem mais populares. Os animes conseguem criar novos interesses no país. O desejo de visitar o Japão, aprender sua língua, experimentar sua culinária, ouvir sua música, comprar seus produtos, usar seu vestuário e fazer cosplay de seus personagens favoritos após assistir a uma animação são resultados esperados da política. 

 

O primeiro-ministro Shinzo Abe, com terno azul marinho, segura uma bola vermelha e coloca um chapéu vermelho com um logo com a inicial M em branco, referência ao personagem Mário e uma estratégia do soft power, que inclui os animes.
Shinzo Abe, primeiro-ministro japonês, fantasiado de Mario no encerramento das Olimpíadas de 2016 como parte da política Cool Japan. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
Porém, segundo Belini, a diplomacia cultural é uma forma de divulgar uma agenda de propaganda e marketing que beneficia o Japão para dinamizar apenas sua própria economia, ou seja, possui somente objetivos próprios e unilaterais. A estratégia não tem pretensão de resolver de fato as questões históricas ou reparar o passado colonial, mas sim fomentar a empatia dos países vizinhos para favorecer os interesses econômicos japoneses.

O Japão acertou em condicionar grande parte de sua diplomacia no poder dos animes. Como ferramenta política ou produto de entretenimento, eles seguem conquistando fãs ao redor do mundo com seus traços facilmente reconhecíveis e sua extensa e elogiosa variedade de temas, garantindo que o interesse estrangeiro pela cultura do país não se esgote.

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