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Memórias do cinema das crianças brasileiras

O cinema nacional infantil marcou gerações. Desde a década de 70, época do auge, foram mais de 40 anos influenciando as crianças do país, seja com os trambiques dos Trapalhões ou com as aventuras do Carrossel. Aqui, o desafio é contar tantos anos de história em apenas cinco filmes, um para cada década, ouvindo não …

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O cinema nacional infantil marcou gerações. Desde a década de 70, época do auge, foram mais de 40 anos influenciando as crianças do país, seja com os trambiques dos Trapalhões ou com as aventuras do Carrossel. Aqui, o desafio é contar tantos anos de história em apenas cinco filmes, um para cada década, ouvindo não apenas os estudiosos da área, mas também as memórias das crianças envolvidas. 


Anos 70:
“ô da poltrona”

Renato Aragão e Dedé Santana são dois pobres aventureiros que ganham a vida em brigas simuladas. Mussum é o encarregado do “recolhimento” do dinheiro das apostas e sua posterior distribuição.

Glória, em busca de três homens corajosos e valentes, ao assistir uma de suas lutas, onde toda uma feira oriental vai pelos ares, contrata o trio com a finalidade de empreenderem uma perigosa expedição às Minas do Rei Salomão, com o objetivo de encontrar seu pai, arqueólogo há muito desaparecido.

É o início de loucuras nunca antes vistas no cinema, com brigas, confusões e explosões de gargalhadas.

 

Pôster de O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão (1977), filme infantil [Divulgação]
Pôster de O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão (1977). [Imagem: Divulgação]
E foram essas “loucuras nunca antes vistas”, descritas na sinopse da fita cassete, que tornaram O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão (1977) o oitavo filme brasileiro mais visto na história. Encantados pelo que viam na TV e no cinema desde 1966, mais de 5 milhões e 700 mil pessoas prestigiaram os humoristas Trapalhões nas telonas. Para falar sobre o contexto por trás dos filmes, o especialista é Arthur Felipe Fiel, Mestre em Cinema e Audiovisual pela UFF e pesquisador de conteúdo infantil no cinema e na televisão brasileira.

Como um fator importante para o sucesso do grupo entre as crianças, ele lembra da estratégia de  lançar os filmes durante o período de férias, algo novo no país. “Isso já era bastante comum em relação aos lançamentos da Disney em solo americano e funcionou tão bem aqui que é assim que ocorre até hoje.”

Ainda sem Zacarias, o trio parodiava o filme As minas do rei Salomão (1950) e as clássicas histórias das Mil e Uma Noites, trazendo bruxas, vassouras mágicas e gigantes para a trama. Segundo Arthur, esses elementos faziam parte de um movimento para se afastar do que era feito por eles na TV, voltado à família toda, e atingir o almejado público infantil. Tendência essa que originou filmes como Trapalhões e o Mágico de Oroz, O Cinderelo Trapalhão, Os três mosqueteiros Trapalhões, entre muitos outros.

Os Trapalhões estabeleceram um padrão de muito sucesso dentro do cinema nacional infantil, sendo os primeiros a produzir grandes obras especificamente para as crianças. “Tendo cerca de mais 4 filmes acima dos 5 milhões de espectadores e diversos outros acima dos mais de 2 milhões de espectadores, um feito e tanto para o cinema brasileiro”, enfatiza Fiel.


Anos 80:
“só para baixinhos”

Foi no dia 30 de junho de 1988, mais de 30 anos atrás, que veio aos cinemas Super Xuxa Contra o Baixo Astral, filme de fantasia que reuniu mais de 2,8 milhões de espectadores.  Ainda que não fosse a estreia da loira nas telonas, tendo participado até de filmes dos próprios Trapalhões, foi essa a obra que consolidou sua carreira no cinema. A apresentadora estrelava há quase dois anos seu popular programa de auditório, o “Xou da Xuxa”, focado nas crianças que apelidava de “baixinhos”. 

 

Pôster de Super Xuxa Contra o Baixo Astral (1988) [Imagem: Divulgação]
Pôster de Super Xuxa Contra o Baixo Astral (1988). [Imagem: Divulgação]

“Foi inesquecível a sensação de liberdade ao ir sozinha pro cinema [aos dez anos]”, lembra Renata Martins, que hoje, aos 41, lembra de ver o filme sozinha, com as amigas, pela primeira vez. 

“Ver a Xuxa que parecia, e parece, algo inacessível foi mágico”, diz ela entre risos.

Idealizado pela então estreante Anna Penido, que estudou cinema em Los Angeles, o filme foi orçado em mais de 1 milhão e 200 mil dólares, investidos em cenografia, bonecos e figurino a nível internacional. Inspirada pelo mercado estadunidense, a obra refletia os sucessos infantis da época, como O Cristal Encantado (The Dark Crystal, 1982) e Labirinto (Labyrinth, 1986). Para bancar tudo isso foram necessários mais de dez anunciantes durante o longa.

 

Cenas de O Cristal Encantado e Labirinto, respectivamente [Imagem: Reprodução]
Cenas de O Cristal Encantado e Labirinto, respectivamente. [Imagens: Reprodução]

Naquele mesmo ano, o filme passou das telas de cinema para as fitas VHS. Nelas, a sinopse da capa ilustrava uma história lúdica em que o bem enfrentrava o mal:

O Baixo Astral declara guerra à Xuxa e bola um plano para derrotá-la, mandando seus capangas Titica e Morcegão sequestrarem o cãozinho Xuxo. Com a ajuda da lagarta Cigana Xixa e da Vó Cascadura, Xuxa enfrenta as armadilhas criadas pelo seu inimigo até que, ao encontrar o verdadeiro Baixo Astral sem disfarces, trava com ele um duelo. Quem vencerá? A força do bem ou do mal?

 

“Eu tinha um cachorro que o bombeiro levou por ser bravo, eu me imaginava resgatando ele, igual a Xuxa”, diz Renata, não contendo a risada.

“Eu amava a Xuxa, [ver o filme] foi um jeito de ficar perto! boba eu, né?” Para ela, a obra foi um marco não só na infância. Encantada pelas paquitas, assistentes de palco da apresentadora, e como lidavam com as crianças, a fã se tornou professora.

A loira é uma figura-chave do cinema nacional como um todo, não apenas em Super Xuxa, é o que afirma Arthur: “Para além desse filme, Xuxa ostenta números mega importantes para pensarmos na questão do cinema infantil”. Mesmo quando Fernando Collor, em 1990, colocou fim à Embrafilme, grande responsável pelo aquecido mercado cinematográfico do país, a Rainha dos Baixinhos emplacou o maior sucesso da década: Lua de Cristal (1990). A medida do presidente varreu das salas de cinema a maior parte das produções nacionais. “Mesmo diante do desmonte do cinema nacional, a Xuxa conseguiu levar mais de 4 milhões de pessoas ao cinema. É algo fenomenal! Ela e os Trapalhões são os grandes responsáveis por boa parte da bilheteria do cinema nacional até hoje”. 


Anos 90:
“três séculos em forma de menino”

Já no finalzinho dos anos 90, o diretor Cao Hamburger levou aos cinemas a adaptação de seu maior sucesso: Castelo Rá Tim Bum. O infantil que, entre 94 e 97, trazia cerca de 500 mil espectadores diários ao horário nobre da TV Cultura, um recorde da emissora.

Nino, um menino de 300 anos, vive no Castelo com seus tios Victor, um grande inventor, e Morgana, uma feiticeira de 5999 anos. Junto aos seus novos amigos, Biba, Pedro e Zequinha, ele vive grandes aventuras.

 

A série de Castelo Rá Tim Bum foi exibida originalmente entre 1994 e 1997 [Divulgação/TV Cultura]
A série de Castelo Rá Tim Bum foi exibida originalmente entre 1994 e 1997. [Imagem: Divulgação/TV Cultura]

O seriado, repleto de bonecos e figurinos coloridos, não apenas acompanhava o aprendiz de feiticeiro, mas era recheado de diversos quadros educativos. Dentre eles, o de Marcelo Tas, que encorajava a curiosidade das crianças como Zequinha: “‘Porque sim’ não é resposta!”.

“Quando eu era menor, fui muito estimulado pelo Zequinha a deixar de lado o meu medo de perguntar ‘por quê?’ quando eu não sabia de algo, seja entre os amigos ou professores na escola! Para uma criança retraída de 8 anos, destravar o receio de questionar é uma vitória marcante e importante”, conta Samuel Galdino, hoje aos 25.

Para a mudança de mídia, Cao não poupou adaptações: alguns personagens excluídos, menos cores e o principal: Nino tornou-se um menino. Enquanto na série o protagonista era Cassio Scapin, de 30 anos na época, no cinema Diegho Kozievitch assumiu o papel aos 13 anos. A decisão tornaria-se precursora dentre os longas do gênero: as crianças passariam a protagonizar.

“Foi uma mudança e tanto do paradigma porque, finalmente, os cineastas e produtores perceberam que a criança estava ávida por se ver na tela, se reconhecer nela. As questões da criança, inerentes à sua experiência e vivência no mundo, se tornaram pauta prioritária”, descreve Arthur.

 

O filme Castelo Rá Tim Bum foi adaptado para uma versão menos colorida que a série [Divulgação]
O filme Castelo Rá Tim Bum foi adaptado para uma versão menos colorida que a série. [Imagem: Divulgação]
Já Samuel opina como fã das duas obras: “Sinceramente? eu mergulhei na proposta que foi apresentada. Claro, há personagens diferentes, outros que infelizmente não apareceram. Mas, no fim, o que realmente importava era a essência do Castelo-Rá-Tim-Bum!”

Ainda que muita coisa tivesse mudado, graças também ao generoso orçamento de R$ 7 milhões, os atores mais experientes reprisaram seus papéis: Pascoal da Conceição, Sérgio Mamberti e Rosi Campos voltaram como Dr. Abobrinha, Dr. Victor e Morgana, respectivamente. Além disso, a proposta educativa permanecia, com uma mensagem forte de tomar responsabilidade e de aceitar o diferente, mesmo que este seja uma família de bruxos centenários.

Apesar da obra não ter sido lucrativa, gerando apenas R$ 3 milhões, mais de 700 mil pessoas foram aos cinemas prestigiar o que seria uma marco para o gênero no país.

Para Arthur, uma outra característica importante, tanto do Castelo Rá-Tim-Bum como de outros filmes infantis na virada do século, é a questão da narrativa: “Nessas novas histórias, o valor do roteiro e da própria história a ser contada passou a pesar bem mais do que, exclusivamente, as cifras comerciais que os filmes poderiam gerar. Com isso eu quero dizer que, é claro que gerar renda e levar o público às salas de cinema continuava sendo importante, mas não mais que a história a ser contada.”

Ao final, o filme não se esquece de onde vem, fazendo uma referência sutil ao seriado:

“O momento que mais me emocionou no filme foi o final, em que o Nino responde a despedida do livro de feitiços: “Tchau, não. Até amanhã!”, que é uma frase emblemática do Nino no primeiro episódio da série!”, relembra Samuel. 


Anos 2000: “uma aventura na Amazônia”

Muito próximo ao filme do Castelo, em janeiro de 2001, surgia Tainá – Uma Aventura na Amazônia, que levaria a indiazinha ao seu primeiro contato com o homem branco em uma jornada pela preservação da natureza.

Pelo forte tema ecológico, ainda atual, os vilões do filme são traficantes de animais, que buscam levar aos EUA o macaquinho Catu, amigo inseparável de Tainá.

 

Pôster de Tainá - Uma Aventura na Amazônia (2001) [Divulgação]
Pôster de Tainá – Uma Aventura na Amazônia (2001). [Imagem: Divulgação]

“A aventura de combater os bandidos e o contrabando de árvores e animais me marcou! Está agora na minha mente uma serra numa árvore, e Tainá e seu amigo aprontando com o vilão”, lembra entre risos Herich Barbosa, de 24 anos.

Para o UOL, o crítico Rubens Ewald Filho escreveu na época: “É bem capaz de ser melhor aceito no exterior, onde estão mais preocupados com o tema e a sobrevivência da nossa Amazônia do que por aqui”. Desde então, a situação da floresta não melhorou, acumulando, por exemplo, 240 mil quilômetros quadrados em desmatamento entre 2000 e 2010.

Levando mais de 850 mil espectadores ao cinema, o filme deu origem a uma trilogia: Tainá 2 – A Aventura Continua (2004) e Tainá – A Origem (2011). Nos dois primeiros, a protagonista foi Eunice Baía, descendente da tribo Baré, de apenas 8 anos na época das gravações em 1998.

A obra ainda foi um marco por quebrar uma lógica antiga do gênero no país: a ligação direta com o conteúdo da TV. Até esse momento, os grandes sucessos estavam conectados a adaptações de obras bem sucedidas nas telinhas. Sobre isso, Arthur opina: “Tainá chegou a levar quase um milhão de espectadores aos cinemas e, mesmo que diante de Xuxa e dos Trapalhões isso não pareça muito, devo dizer que sim, é”.

Ainda sobre a importância do filme, ele ressalta: “E, por exemplo, mesmo tendo vínculo direto com a televisão, o Castelo Rá-Tim-Bum, ao chegar nos cinemas, não chega nem perto dos números da Xuxa nem dos Trapalhões porque, até ali, havia se estabelecido um poderosíssimo star system (a prática de escalar um ou dois atores famosos em um filme ou peça, de forma que sua popularidade garanta o sucesso da obra – Collins Dicio) conteúdo infantil nos cinemas e na TV do Brasil e abalar esse sistema era algo que beirava o impossível.”


Anos 2010:
“embarque nesse Carrossel”

“Eu estava muito ansiosa para ver o filme, porque acompanhei a novela toda e ver no cinema parecia uma coisa de outro mundo. Fui ao cinema alguns dias antes do meu aniversário e isso me marcou”, conta Mariana Lobo, de 11 anos. 

A menina não foi a única a esperar ansiosa por uma adaptação de Carrossel aos cinemas. Na época da novela, entre maio de 2012 e julho de 2013, a produção tornou-se um fenômeno, alcançando média de 600 mil espectadores e chegando a picos de 1 milhão. 

Ainda que não batesse a audiência do original mexicano, exibido em 91, a versão brasileira ganhou o público e rendeu ao SBT mais quatro reprises.

 

Elenco da novela Carrossel em 2012 [Divulgação/SBT] 
Elenco da novela Carrossel em 2012. [Imagem: Divulgação/SBT]
A Turma de “Carrossel” está de férias da Escola Mundial e os amigos se reúnem no acampamento Panapaná, onde embarcam em novas aventuras. Juntos, eles viverão dias incríveis, participando de brincadeiras organizadas pelo senhor Campos, um velhinho muito simpático, que faz de tudo para que as crianças se divirtam ao máximo. Enquanto as crianças se divertem, Gonzáles, funcionário de uma incorporadora, aparece no acampamento com a missão de comprar o terreno para transformá-lo em uma fábrica poluidora. O vilão procura sabotar o Panapaná para obrigar o senhor Campos a fechá-lo, mas a esperta turma da Escola Mundial se une para atrapalhar seus planos e manter o acampamento em funcionamento.

Dois anos após o término do programa, em 2015, estreava nos cinemas uma adaptação com o mesmo elenco, agora mais velho e mais próximo da adolescência. Maísa, por exemplo, que tinha apenas 10 anos ao gravar a novela, já chegara aos 13. Uma das tramas do filme é justamente o amor adolescente que ela vive com o namorado. 

 

Pôster de Carrossel — O filme (2015) [Divulgação]
Pôster de Carrossel — O filme (2015). [Imagem: Divulgação]

Além disso, o longa, que aposta muito no humor, ainda conta com canções de amizade à beira da fogueira numa noite estrelada. Para uma obra estrelada por 16 crianças, foi essa a mensagem deixada pelos idealizadores.

 

 

Quanto ao mercado, Carrossel foi um dos que assumiu a lacuna deixada em definitivo pelos veteranos do cinema infantil:  “Agora, com um novo leque de estrelas e num momento bem posterior à figura da Xuxa, especialmente, o star system infantil se renovou, as narrativas ganharam, novamente, um outro contorno, e foram se aproximando mais da realidade, das vivências e dos desejos das crianças do Brasil”, diz Arthur, que frisa que cada um dos dois filmes de Carrossel lançados pelo SBT levou 2,5 milhões de espectadores ao cinema. Algo que ocorreu com raríssimos filmes após os anos 2000. 

E então, assim como os tantos outros dessa lista, Carrossel marcou uma geração e será lembrado por isso daqui a vinte, trinta ou quarenta anos. Isso não tem preço. São essas memórias que tornam importante o incentivo às produções nacionais, principalmente as com o olhar voltado às crianças brasileiras.

“Foi importante [assistir Carrossel] porque foi a primeira vez que acompanhei algo tão de perto, me lembro até hoje da sensação de assistir lá”, lembra Mariana.


Brasil: um berço de memórias

O papo da “Síndrome de vira-lata” já é bastante batido, muitas vezes o brasileiro não valoriza o que vem do berço por puro desconhecimento. Existe bom cinema no Brasil e ele vem marcando muitas gerações dentro das suas particularidades.

O filme na infância tem um forte papel de moldar personalidade, gostos, visões de mundo… juntar diferentes pessoas, impactadas positivamente por essa arte nacional, é manter essas memórias vivas, conservar a história, e ajudar o brasileiro a  conhecer o impactante serviço que faz o cinema das crianças brasileiras. 

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