Nona: Se Me Molham, Eu os Queimo (Nona – Si me mojan yo los quemo, 2019), longa dirigido por Camila José Danoso, possui um início de tirar o fôlego: uma toalha florida estendida na grama e mãos com unhas pintadas de vermelho manuseiam objetos enquanto uma voz calma dá instruções sobre quais ingredientes devem ser usados e como. Bolo? Sanduíche? Brownie? Não. A receita que a senhora tranquilamente ensina em seu quintal ensolarado é de Coquetel Molotov.
Em 1 hora e 26 minutos, o filme conta a história de uma senhora idosa que, ao explodir deliberadamente uma caminhonete, se vê obrigada a deixar Santiago em companhia da filha, para viver na pequena e tranquila cidade costeira de Pichilemu. Coincidentemente ou não, a paz na cidadezinha não dura muito, pois logo começa uma série de incêndios urbanos que reduz a cinzas dezenas de casas em sua região.
Realizado por meio de uma coprodução internacional envolvendo Brasil, Chile, Coréia do Sul e França, o filme Nona: Se Me Molham, Eu os Queimo é protagonizado por Josefina Ramirez, que interpreta nada mais, nada menos, do que a si mesma em uma obra capaz de deixar o telespectador sem chão. Isso porque o longa, que tem como protagonista a avó de Camila José Danoso, traz consigo questionamentos antigos, embora sempre atuais, sobre a arte da atuação e do cinema: quanto do enredo foi inspirado em história real? O quanto da interpretação de Nona é verdade? É possível ser verdadeiro enquanto se atua? É possível fingir interpretar a si mesmo?
Já nas primeiras cenas fica evidente que conhecer Nona é um processo visualmente interessante. O uso das cores chamam uma atenção particular: enquanto nos ambientes as cores frias, como azul, branco e preto, predominam, ela aparece quase sempre de vermelho, que englobam unhas, vestido, bolsa e até os sapatos. Isso, junto ao cigarro sempre aceso e sua postura altiva, geram a impressão que Nona está sempre pronta para pôr fogo em alguma coisa.
Ao mesmo tempo, tons menos vibrantes acompanham a senhora em seus momentos mais íntimos, em especial os que compartilha com a neta, única pessoa pela qual parece nutrir um afeto genuíno. É através das imagens de baixa resolução que se chega mais próximo à Josefina.
É essa também uma das características mais ambíguas de Nona: Se Me Molham, Eu os Queimo. A escolha por uma fotografia que mistura diferentes tipos de imagem em variados níveis de qualidade cumpre o papel de emular espontaneidade, como se acessássemos filmagens caseiras. Por outro lado, há cenas cuja qualidade é tão baixa que é difícil entender o que está acontecendo e somos deixados, literalmente, no escuro. Os cortes por vezes são bruscos e nem sempre bem costurados, fazendo com que parte da cronologia se perca.
O conflito de narrativas deixa o espectador com a pulga sempre atrás da orelha: será mesmo que essa senhora é a responsável pelos incêndios na cidade? O fato dela sempre parecer saber sobre eles em minuciosos detalhes e admitir achar divertido ver o fogo consumir objetos definitivamente não depõe ao seu favor.
O final é capaz de apagar de uma só vez todo o fogo cuidadosamente alimentado até ali, uma vez que Nona: Se Me Molham, Eu os Queimo nos deixa com quase todos os mesmos questionamentos do início. A curiosidade persiste, afinal: quem é Nona?
Nona: Se Me Molham, Eu os Queimo tem data de estreia prevista para 18 de fevereiro no Brasil. Confira o trailer legendado:
* Imagem de capa: Cena do filme ‘Nona: Se Me Molham, Eu os Queimo’ segundos antes de Josefina incendiar uma caminhonete [Imagem: Reprodução / Mimbre Producciones, Jeonju Cinema Project, Bubbles Project e Altamar Films]