Imagem: Maria Laura López / Comunicação Visual – Jornalismo Júnior
Certa vez, Aristóteles escreveu que as ações devem ser orientadas pela razão para que o ser humano atinja um bem. E de certa forma ele tinha – a tão importante – razão. Foi sendo conduzido por ela que Tim Maia viveu uma excepcional e icônica fase de sua carreira, dentre tantas outras. E mais tarde, isso serviria de inspiração para alguns filhos ilustres da música negra: Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay.
De certo, Seu Sebastião Rodrigues Maia nunca foi tão racional assim. Aprontou, e muito, mas revolucionou a música no Brasil. Quando foi para a terra do Tio Sam, entrou em contato com a soul music e, depois que foi deportado, trouxe na bagagem as influências sonoras. A partir daí introduziu, junto à sua voz potente, os arranjos de soul nas batidas de suas músicas que passaram a ter um caráter frenético e dançante, resultando em sucessos, grandes parcerias e muitas polêmicas. Mas o Síndico riscou esse último substantivo ao entrar na religião Cultura Racional, em meados de 1974 e que durou até 1975. Ao fazer parte da seita, acabou se afastando dos vícios e, consequentemente, melhorando a qualidade da sua voz. Foi um curto momento, logo Tim ficou desacreditado e saiu fora dessa doutrina. Porém, tal passagem colaborou – e muito – para um futuro cenário musical.
Em 1988 nasce um grupo que entra para a história da música nacional. Seu nome é justamente inspirado no disco Tim Maia Racional Vol.1. O Racionais Mc’s tem ele como vertente também devido à contribuição para o fortalecimento da cultura negra. E não só o nome é pela inspiração, o grupo também utiliza a música Ela Partiu (1976) como a batida de um de seus sucessos: o Um Homem Na Estrada (1993).
Para isso, é realizada a técnica do sample, que basicamente é um recorte musical onde um determinado trecho é reutilizado em outra produção. Essa obra de Tim Maia trata sobre a partida da amada e como o protagonista da letra está agoniado para reencontrá-la. O Racionais, por sua vez, denuncia de forma escancarada o cotidiano periférico no seu flow, onde a narrativa de um homem que tenta reescrever sua vida é mesclada aos fatos que acontecem naquela realidade. A própria voz do Tim é utilizada no trecho do rap, em que se canta que o IBGE visitou a favela e “nunca mais voltou”.
O curioso é que da mesma maneira que o Síndico é inquestionavelmente uma referência para o Racionais, o grupo se tornou uma também, igualmente inquestionável, realizando um elo entre gerações através da música. É o caso de Eduardo Nery, jovem de 16 anos que busca ser, em breve, um beatmaker – produtor de beat, que é a parte instrumental da música e também conhecida como a famosa “batida”. Ele conta como e porquê o grupo é tão marcante para si:
“Mano, a música tem um papel muito importante na minha vida, tá ligado. Desde pequeno eu fui muito de ouvir música e tudo que faz barulho me chamou atenção. O Racionais eu lembro que… em 2007, 2008… a lembrança mais antiga que eu tenho assim: foi em Minas [Gerais] ouvindo Vida Loka Parte 2 e até hoje eu não me esqueço, tá ligado. E eu acho que, querendo ou não, é uma influência pelo fato da história, da motivação. Pelo fato do Racionais ser um grupo, um manual de sobrevivência”.
Além disso, o futuro produtor fala de como ele, que nasceu em 2002, fez a ligação entre a música e a imagem de um dos maiores cantores brasileiros atuante em décadas passadas nas obras do grupo: “Eu sabia [da ligação] mais pelo fato dos samples que eram usados nas músicas do Racionais recortados das músicas do Tim Maia”.
E se foi proposital? Nery afirma categoricamente e complementa: “Sim. Porque samples são as referências que a gente busca que influenciam a gente. É tipo uma geração que se inspirou em outras pessoas; vai passando. Isso faz bastante sentido. Então a gente querendo ou não têm bastante influência de música antiga, de coisas do passado”.
E aproveitando a deixa, nesse 2018 completam-se 20 anos da partida de Tim Maia e 30 anos de criação do Racionais Mc’s. A certeza que temos é que não há um anacronismo, um desalinhamento entre esses dois mitos da música. E nem com quem veio depois. E nem com quem ainda virá, como o garoto Nery. E eles, para a alegria de Aristóteles e aos bons amantes da música negra, atingiram um bem sumo: tornaram-se um marco, dois na verdade, na estrada musical brasileira. E quem disser isso, está com toda a razão.
Por Pedro Ezequiel
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