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O funk do início aos palcos

Imagem: Samantha Prado / Comunicação Visual / Jornalismo Júnior Escrever o livro, escrever a letra, produzir a música, fortalecer o funk no cenário nacional. São caminhos que querem ser seguidos, mas que estão longe de ser uma estrada de tijolos amarelos que levam para além do arco-íris . São caminhos como os de Drummond, com …

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Imagem: Samantha Prado / Comunicação Visual / Jornalismo Júnior

Escrever o livro, escrever a letra, produzir a música, fortalecer o funk no cenário nacional. São caminhos que querem ser seguidos, mas que estão longe de ser uma estrada de tijolos amarelos que levam para além do arco-íris . São caminhos como os de Drummond, com pedras. Pedras que estavam no meio do caminho.  Podem ser mais de cem que até tentam atrapalhar. Mas nada impediu que o funk se tornasse algo incrível. Em quase meio século de presença do ritmo, possibilidades de conhecê-lo mais à fundo e de se mergulhar como um profissional do ramo foram criadas e aproveitadas, fortificando ainda mais o movimento cultural.

Indiscutivelmente,  um objetivo traçado para quem se torna MC é ter uma música e se possível, outras — sendo cantada por todo o território nacional. É o caso de MC Tafinha, funkeiro do interior paulista que, com seus 25 anos, já consegue driblar as pedras do caminho que se colocam como preconceitos com o gênero musical. “O movimento funk ainda sofre muito preconceito referentes à algumas letras de apologia… Daí a pessoa escuta e generaliza! ‘Ah, mas o funk é isso, o funk é aquilo’. Não vamos generalizar, vamos começar a prestar mais atenção na letra, ao artista que faz. Porque tem muito artista bom [por] aí que vem com outra ideia do funk, tendeu? Isso aí acaba prejudicando geral, porque num fala ‘o artista tal faz a letra assim’. Não. Fala ‘o funk, o movimento funk é assim’. Não. Não é assim as coisas”.

Mas antes da barreiras, Tafinha teve inspirações para iniciar sua trilha no cenário: “Eu comecei a me interessar pelo movimento funk já desde criança, porque eu escuto funk da época… da geração Menor do Chapa, MC Cidinho & Doca que cantam aquela que todo mundo conhece que é ‘eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente…’”. Carregado com os incentivos e sentimentos nas letras, é nos palcos que o jovem se realiza.

Foto: André Cardoso Fotógrafo / Reprodução

E antes mesmo de Tafinha pensar em cantar ou da dupla Cidinho & Doca se projetar no cenário nacional, o funk surgia de uma maneira parecida: um menino ainda, que via outras inspirações e que, mais tarde, estaria em cima dos palcos e em todo Brasil.

“Um prelúdio da história do funk é que ele chega ao Brasil na virada dos anos 60 para os anos 70 e, na verdade, os americanos estavam naquela discussão toda pelos direitos civis e quem estava vivendo aquela cena lá era Tim Maia, que é classificado como pai da  soul music brasileira, ao lado de Tony Tornado e Gerson King Combo”, diz Marcelo Gularte, escritor carioca que tem o maior livro da literatura brasileira: o romance “A Lenda do Funk Carioca”. São 1.500 páginas dividas em cinco volumes. Além disso, o escritor está na produção de seis volumes que farão a “Enciclopédia do Funk”, sendo cada livro uma década (com exceção dos Anos 90, que serão dois livros).

Marcelo ainda complementa: “ Tem uma constelação de pessoas que participaram dessa cena nos anos 60 e, principalmente, nos anos 70 que a gente, inclusive, tem um grande booom da indústria fonográfica voltada para o segmento da black music, que era um produto novo”.

O primeiro volume da “Enciclopédia”, segundo o autor, busca a pré-história do funk carioca, tendo todo um trabalho arqueológico sobre os responsáveis pela chegada do gênero no país. Tendo toda a fundamentação possível, Marcelo afirma: “Só o Brasil — e eu defendo isso no meu livro —, só o Brasil dos países da América latina desenvolveu essa linguagem da cultura black. E o Brasil foi um país que levou isso à risca nos ensinamentos do grande mestre James Brown, que é o cara que faz realmente uma grande revolução comportamental . E mais do que isso, o Brasil extrapolou essa produção musical, cultural, estética. Ele levou isso às últimas consequências, que é no caso, o funk carioca”.

James Brown, citado por Marcelo gularte, é o cantor, compositor e o pacote todo da música norte-americana, tendo uma grande importância para a música. Seus sucessos o levaram a transcender o R&B, levando a criação do funk.

O escritor tem em seus livros um dos maiores acervos iconográficos dos bailes blacks do mundo, senão o maior. Tanto que, com total facilidade, ele nos explicou as nascentes do funk: “Antes de ser alcunhado como movimento black rio — que foi em 1976 pela repórter Lena Frias e o repórter cinematográfico Almir Veiga que registrou a cena  soul power dos bailes  — o movimento já estava em ação, já tinha noites, no início dos anos 70, no Renascença Clube. Se a gente for considerar o 1° baile black da história, no Brasil, foi produzido pelo Mister Funk Santos lá no morro da Mineira.Se a gente pensar no Mister Funk Santos que dizia que desceu o morro da Mineira em 69 pra promover o baile, então a gente tá caminhando pra meio século desse movimento”.

(Foto: Enciclopédia do Funk vol. 1 – Movimento Black. Equipe Soul Grand Pix, que produziram muitos eventos no Renascença Clube / Reprodução)

Mas cabe uma ressalva: “A história do funk tem como marco-zero o Baile da Pesada que aconteceu em 1970 no Canecão, nas domingueiras que aconteciam lá, organizadas por Ademir Lemos, um grande discotecário, e o Big Boy, que era radialista que revolucionou a história do rádio no Brasil. Esses dois organizaram o Baile da Pesada que, de lá, começa o processo de fundação das equipes. Vinha gente de tudo quanto é lugar do Rio e lá, como o funk só acontecia em 10/15 minutinhos porque era um baile eclético, era um lugar de multilinguagens e, então, o pessoal sentiu necessidade de formar seus próprios grupos. Quem curtia rock fez seus grupos de ‘cocota’ e quem curtia o soul, fez seus bailes  blacks.”

Foto: Enciclopédia do Funk vol.1 – Movimento Black / Reprodução

O segundo volume da Enciclopédia do Funk aborda a  época dos anos 80, período em que o autor fala que houve uma naturalização do funk, onde as pessoas cantavam as letras de melôs. “A gente entra numa caminhada de nacionalização Rio-São Paulo a partir dos anos 80 — que é o livro que eu tô escrevendo agora — que é um processo onde a gente vai ter o Melô da Mão Branca do Gerson King Combo, a gente vai ter o Melô do Tagarela do Miele e Arnold Rodrigues”.

Melô do Tagarela é uma versão  da música Rapper’s Delight, do grupo Sugarhill Gang. Os melôs foram grandemente divulgados pelo radialista Big Boy, que trabalhava na rádio Mundial AM. Os ouvintes ligavam pra rádio pedindo músicas estrangeiras, já que Big Boy foi um dos grandes responsáveis por divulgar as músicas de fora. Como a maioria dos ouvintes não sabiam falar inglês e ficavam até constrangidos por isso, Big Boy começou a apelidar as músicas e estimulou as pessoas fazerem isto também.

Foto: Enciclopédia do Funk vol.2 – Era dos Melôs. Luis Carlos Nascimento, pioneiro em programação funk no rádio FM / Reprodução
Foto: Enciclopédia do Funk vol.2 – Era dos Melôs. Equipe Cash Box / Reprodução

Já adentrando no cenário dos anos 90 e 2000, Marcelo discorre sobre alterações no ritmo e dificuldades encontradas por parte de quem acompanhava o funk carioca. “Foram as equipes de som que propagaram esse repertório. Porque as pessoas iam para o baile pra poder ouvir, porque não era comum uma pessoa da camada popular frequentar um dispositivo tão elitizado como era um clube. Só na virada dos anos 80 pra 90 que começa esse processo onde aparece os MC’s propriamente. E no final da década de 90 começa um processo que é o seguinte: os bailes do Rio naquele momento viviam a ‘CPI dos Bailes funks’, onde eles eram interditados por questões de associação ao crime. Já teve uma primeira CPI que proibia bailes nos morros. Em 2000, houve uma reunião entre as equipes de som pra mudar essa cena do baile funk”.

Foto: Enciclopédia do Funk vol.3. O famoso banho de espuma que era uma moda e virou música também / Reprodução

E já se aproximando das raízes do Mc Tafinha, Marcelo aborda a questão da representação das letras dos MC’s e mais mudanças que aconteceram no funk. “A música do Cidinho & Doca, assim como do Duda do Borel, é uma momento do funk que surge o MC. Então ali, a gente tem uma característica musical. Mesmo quem surgiu nos anos 2000 e não fez apologia a nada – e essa era a proposta da virada do funk, dissociar da criminalidade, porque já estava marginalizado, o baile já estava interditado – a última coisa que eles queriam era fazer letra que associasse. No entanto, tiveram letras. Mas tiveram também um ‘ Tapinha não dói’, tiveram o ‘Bonde do Tigrão’… a partir dos anos 2000, depois do Festival do Coroado na Cidade de Deus, começou uma nova geração de funkeiros. É uma questão de década. A música mudou. Até 1997, quando entrou o tamborzão, nós tínhamos  uma estrutura rítmica eletrônica que era o volt mix. Antes, nos anos 80, a gente tem o Miami Bass, a gente tem o freestyle, conhecido como melody, que vemos nas produções do início dos anos 90. Quando Cidinho & Doca cantam aquilo, correspondia a aquele momento. Não que hoje o quê eles cantam não aconteça ainda. Mas a sociedade estava de uma maneira, ela respondia de uma maneira, ela se comportava de uma maneira e assim a coisa foi se desdobrando. É um contexto social. O funkeiro vive aquela cena cultural, ali ele produz reflexão sobre aquilo. A música dele é um retrato real daquela sociedade daquele momento”.

Mesmo tendo convicção e propriedade para abordar as questões sobre o funk e a black music no geral, Marcelo Gularte enfrenta algumas barreiras também. Seu romance “A Lenda do Funk Carioca” virou projeto de lei e foi tombado como Patrimônio Imaterial do Rio de Janeiro e também Patrimônio Histórico e Cultural da Cidade do Rio de Janeiro. Todavia, os volumes da “Enciclopédia do Funk” aguardam editoras para fazer a divulgação e distribuição deste importante conteúdo do processo cultural brasileiro. Mas nem por isso ele fica no meio do caminho. Continuar pesquisas, artigos e livros é a sua rotina.

Por curiosidade ou destino, nosso objeto de informação e nossas fontes compartilham de características. Compartilham caminhos, mesmo que distintos. E as pedras – sempre elas – também. Mas isso é  inspiração pra música. E livros também. O funk se supera a cada dia, mostrando que é um eixo musical de qualidade, tradição e meio transformador de realidade. O “menino” se tornou grande.

Foto: André Cardoso Fotógrafo / Reprodução

Por Pedro Ezequiel
pedroezequiel36@gmail.com

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