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Vírus da corrupção

ENTENDA A PROPAGAÇÃO E AS FORMAS DE COMBATE NO BRASIL

Na eleição passada

Através do morro ele se elegeu

Nada fez pelo pobre favelado

E num Boeing de luxo desapareceu

Foi comemorar a vitória em sua mansão

No Distrito Federal

Eu só fui saber que ele estava vivo

Porque saiu como corrupto no jornal

 

De norte a sul

De leste a oeste, meu irmão

Como tem político contaminado

Com o vírus da corrupção!

O trecho do samba Vírus da corrupção, de Bezerra da Silva, mostra um parasita que se hospeda nos cofres públicos e altera o funcionamento da gestão pública com desvios: a corrupção.

 

Corrupção versus “Jeitinho Brasileiro”

O vírus da corrupção é uma doença antiga. Na Carta de Pero Vaz de Caminha (1500), é relatado um ato corrupto, “cujo final ele solicita favores para o genro – Jorge de Osório – ao Rei D. Manuel, de Portugal”. Esse seria o primeiro documento histórico nacional com registro de corrupção, mas não o último.

Há várias teorias sobre a causa da corrupção no Brasil. A doutora em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), Suylan de Almeida Midlej e Silva, explica uma delas, a tese de Frederico Lustosa, no livro Brasil: 200 anos de Estado, 200 anos de administração pública (2010). Quando Dom João VI chegou no Brasil com a Corte, eles tiveram que se hospedar em palacetes de ricos comerciantes. Isso acentuou o patrimonialismo, uma concepção de poder em que o público mistura com o privado. Ao juntar o domicílio com o local de trabalho, há a deturpação do que é individual e o que é coletivo. Assim, elevou a corrupção, já que muitos cargos e honrarias foram criados para beneficiar as pessoas que ajudaram a Corte.

Aclamação de D. João VI no Palácio dos Vice-Reis [Imagem: Câmara dos Deputados]
Segundo a professora de Ciências Políticas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Rosemary Segurado, além da questão financeira, a ascensão na carreira, como um cargo elevado, é um incentivo à prática da corrupção, a fim de conseguir influência nas “altas rodas do poder”.

Diante da contaminação de corruptos criou-se até o ditado popular: “Quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão. Quem furta mais e esconde passa de barão a visconde”. Ao passar do tempo, outras frases ficaram em nossas memórias, como “Varrer a corrupção”, do ex-presidente Jânio Quadros e “Rouba, mas faz”, do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (PP). Desde piadas a campanhas eleitorais, esse ato ilícito propaga na boca do povo e aumenta a transmissão da desesperança na política brasileira.

Muitas pessoas defendem a ideia de que a corrupção está na essência do brasileiro, como se fosse algo genético. Alguns chamam o fenômeno de “jeitinho brasileiro”. Suylan esclarece a confusão:  “jeitinho brasileiro é você tirar vantagem da situação, mas não significa que é ilícito. A corrupção está associada a um ato que está fora da lei”. 

Essa prática de levar vantagem, como colar na prova ou guardar lugar na fila para alguém, não é incomum. Segundo a pesquisa realizada pela consultoria Ipsos, 74% dos entrevistados afirmam que já “deram um jeitinho” em algum momento da vida. Já na questão da corrupção, observa-se também essa concordância. Por exemplo, 95% foi a taxa de rejeição de um projeto de lei que criminaliza o “gato” em sinais de TV por assinatura.

Essas pesquisas revelam que a maior parte da sociedade não está imune à cultura da corrupção, embora a maioria associe diretamente a prática com a classe política. Conforme o levantamento realizado pela ONG Transparência Internacional, 81% e 72% dos brasileiros consideram os partidos políticos e o Congresso Nacional “corruptos ou muito corruptos”, respectivamente. Em contrapartida, apenas 35% do setor privado estão nessa categoria, segundo os entrevistados. Para a doutora em sociologia, esses dados confirmam que a população fica mais abalada pela corrupção do Estado e não das empresas, porque o primeiro serve à sociedade. “Já com as empresas há mais a relação de consumidor”. 

 

Estrutura da corrupção: tipos e mecanismos

Como um vírus, a corrupção também possui várias espécies e formas de reprodução. Matheus Cunha, mestre em Direito e CEO da consultoria T4 Complice, discorre sobre os diferentes tipos de corrompimentos, privado e público, e como elas se relacionam.

Corrupção [Imagem: Flickr]
O CEO explica que há a corrupção pública, que tem atuação no dia a dia. Um exemplo seria os agentes públicos, como, fiscais corruptos. A outra ramificação é a corrupção política, por exemplo, quando o agente político possui dívidas devido à sua campanha eleitoral. Após a vitória, beneficia o seu credor, por meio de contratos ou fraudes para as empresas que oferecem propina, a qual o político vai usar para pagar a dívida. “É um ciclo”, aponta Matheus, pois há a repetição conforme o político é reeleito.

Alguns mecanismos de corrupção política são velhos conhecidos, outros sofrem mutações, se aprimoram. Uma prática antiga que permanece até hoje é o clientelismo, quando políticos oferecem serviços ou “presentes” em troca de voto à população. Há também a lavagem de dinheiro, o processo que encobre a origem da grana, obtida de forma ilegal. Esse método consiste em “esconder” dentro de atividades econômicas legítimas, como em estabelecimentos, a fim de parecer dinheiro “limpo”. Geralmente, utiliza-se “laranjas”, pessoas que “emprestam” os nomes para ocultar a fonte do dinheiro. Lula (PT), Eduardo Cunha (MDB) e Michel Temer (MDB) são exemplos de figuras que já foram acusadas desse crime.

Outra violação muito conhecida é o “caixa dois”, que compreende em receber doações de campanha sem declarar valores à Justiça Eleitoral. José Serra (PSDB), Alexandre Frota (PSL) e Rodrigo Maia (DEM) são exemplos de políticos que já foram acusados dessa prática.

Um exemplo de mecanismo que foi aprimorado é o nepotismo, favorecimento dos vínculos de parentesco nas relações de trabalho ou emprego. Para “disfarçar” esse crime, muitos políticos utilizam “nepotismo cruzado”, ou seja, um agente público nomeia parente de outro agente público e vice-versa.

Ainda há atos que não existem consenso se é enquadrado como crime de corrupção, por exemplo a “rachadinha”. Essa prática é conhecida como “desvio de salário de assessor”, ou seja, trata-se do repasse de parte ou de todo salário do servidor ao político para quem trabalha. Esses funcionários são popularmente conhecidos como “funcionários fantasmas”. Alguns especialistas consideram a prática como corrupção, já outros, como improbidade administrativa. Flávio Bolsonaro (PSL), Janira Rocha (PSOL) e Davi Miranda (PSOL) foram acusados dessa prática.

Escândalos de Corrupção [Imagem: Polícia Federal]
A questão da corrupção privada é tão lesiva quanto a pública. Embora para  a sociedade brasileira não seja tão evidente, conforme os dados da ONG Transparência Brasil, há várias estratégias ilegais e não morais praticadas por elas. “Kick-back”, por exemplo, quando no acordo a empresa paga um valor a mais para a pessoa física, isto é, uma espécie de fraude. Há também os favores pessoais, como, no famoso caso da “Máfia das Próteses” (2016), em que médicos lucraram com prescrições de cirurgias sem necessidade ou com uso de equipamentos de qualidade inferior.

Matheus explica que corrupção pública é crime, pode responder a uma ação penal e civil e um processo administrativo, além da possibilidade da perda do cargo. As pessoas físicas e jurídicas respondem por corrupção pública, mas não são punidas por corrupção privada, pois não existe lei específica, apesar da alta frequência. Existe o projeto de lei PL 11171/2018, que tipifica a corrupção privada, mas ainda permanece em discussão.

 

Vacina ou remédio: Combate a corrupção 

Não há uma solução milagrosa ou cura para a corrupção. Porém, há tratamentos e medidas preventivas. Conforme Suylan, a corrupção gera descrédito e desesperança da sociedade na classe política. “Ela detona mais a nossa esperança do que o nosso bolso. A má gestão é um terreno fértil para a corrupção.  Temos que profissionalizar e capacitar a gestão pública, os servidores públicos”, conclui a professora.

O Brasil busca combater a corrupção com algumas atitudes, como a adesão ao Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) contra corrupção e as ações afirmativas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). 

Há também algumas leis para auxiliar no combate. Cristina Fortini, diretora do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA), explica as duas mais conhecidas: a “Lei da Improbidade Administrativa (nº 8.429∕92), que visa resguardar a probidade na Administração Pública, penalizando, para isso, agentes públicos e terceiros que de alguma forma, e nos termos da lei, estão envolvidos com as condutas a que se referem os artigos nove a onze da mesma lei”. Esses artigos referem-se às condutas de enriquecimento ilícito e que geram prejuízo aos cofres públicos ou que atentem contra os princípios da Administração Pública. “O foco está no agente público”, a advogada informa.

Outra muito conhecida é a “Lei Anticorrupção”, criada em 2013. Cristina explica que a lei (nº 12.846∕13) mira nas pessoas jurídicas, prevendo a responsabilidade objetiva destas diante da prática de atos que a mesma lei enumera como corruptos. Ela foi criada para combater atos lesivos praticados por empresas aos entes públicos, como fraudes, prejudicar investigação e oferecer vantagem indevida.  As penas podem chegar até 20% do faturamento da empresa, suspensão ou interdição parcial das atividades e proibição de receber incentivos, subsídios, doações ou empréstimos.

Na área administrativa, há também o “Acordo de Leniência”, uma forma de cooperar com a investigação a fim de que o poder público consiga coletar mais provas. Os benefícios do acordo às empresas são a diminuição da multa (até dois terços) e a não suspensão das atividades. Mas, mesmo com o acordo, a empresa deve arcar com os prejuízos causados ao poder público. A diferença da “Delação Premiada” está em quem cometeu o crime: enquanto na Delação foi a pessoa física (indivíduo), no Acordo de Leniência quem cometeu foi a pessoa jurídica (empresa).

Suylan afirma que a Controladoria Geral da União (CGU) faz um “trabalho brilhante” em relação a localizar a corrupção, mas esbarra na lentidão da Justiça. O Judiciário precisa lidar com esses casos com mais seriedade, de fato prender e vigiar o retorno do dinheiro desviado aos cofres públicos. “Combater a corrupção não é só localizar, é impedir o desvio”, conforme diz a professora.

Prédio da Controladoria – Geral da União (CGU), órgão que regulamenta a transparência governamental [Divulgação: CGU]
Uma das vacinas para a prevenção da corrupção é o Complice. Significa “de acordo com uma ordem” e está ligada à integridade corporativa. Matheus explica as vantagens de contratar um programa de Complice: para evitar prejuízos financeiros, questões reputacionais, restrições de Direito — porque a empresa pode ser impedida de celebrar contratos com a administração pública por até 2 anos — e evitar a responsabilização da pessoa física, inclusive, criminalmente.

O CEO da T4 Complice afirma que é um diferencial competitivo e agrega valor, como o respeito ao meio ambiente, a ética, um local de trabalho melhor aos funcionários, a diversidade e a inclusão. “É bem vista no mercado”, ele informa. Complice atua principalmente na prevenção, por meio de código de conduta, treinamentos e comunicação para difundir no ecossistema corporativo, do público interno e externo da empresa. Matheus analisa que, com empresas éticas, esses valores são transmitidos aos poucos à sociedade.

 

“Não tem corrupção no meu governo” – Jair Bolsonaro

“Não tem corrupção no meu governo […] O meu governo são os ministros, estatais e bancos oficiais”. Essas frases foram ditas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, em outubro de 2020. Entretanto, essas declarações geram desconfiança, já que alguns membros do seu governo são suspeitos de “infecção” pela doença da corrupção e outros até foram condenados.

Jair Bolsonaro afirma que não há corrupção no seu governo. [Imagem: Flickr]
Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente, atualmente é investigado por possível enriquecimento ilícito na época em que foi secretário do governo Geraldo Alckmin (PSDB). Segundo o Ministério Público, as declarações de Imposto de Renda de Salles durante o período não correspondem ao rendimento verificado nas transações bancárias que movimentou de seu escritório de advocacia para sua conta pessoal. Já em 2018, Salles foi condenado por improbidade administrativa por beneficiar empresas, principalmente, mineradoras. Ele modificou os mapas de zoneamento da Área de Proteção Ambiental Várzea do Tietê e alterou a minuta do decreto do plano de manejo da unidade de conservação.

Paulo Guedes, Ministro da Economia, é investigado pela Procuradoria da República no Distrito Federal. O órgão apura se fundos de pensão e a gestora de recursos da qual o economista é sócio “cometeram crimes de gestão fraudulenta ou temerária” e “emissão e negociação de títulos sem lastros ou garantias”.

Onyx Lorenzoni (DEM), Ministro da Cidadania, admitiu caixa dois, recebimento irregular nas campanhas eleitorais entre 2012 e 2014, e fez acordo com a Procuradoria-Geral da República para pagar R$ 189 mil e encerrar investigação.

Marcelo  Álvaro Antônio (PSL), ex-ministro do Turismo, foi denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais, sob acusação de envolvimento no esquema de laranjas do PSL. A investigação concluiu que o ministro comandou um esquema de desvio de recursos públicos por meio de candidaturas femininas de fachada nas eleições 2018.

Fábio Farias (PSD), Ministro das Comunicações, foi alvo de quatro inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de recebimento de caixa dois eleitoral e crimes eleitorais, como o uso de uma aeronave do governo do Rio Grande do Norte para fazer campanha.

 

Saúde pública: Corrupção na Pandemia

A Polícia Federal e o Ministério Público já identificaram fraudes em 19 estados e no Distrito Federal. Já em sete unidades da federação, há investigações perante as denúncias de desvios de recursos da pandemia. 

Operações da Polícia Federal [Imagem: Agência Brasil]
O prejuízo para a saúde é alto. Segundo o grupo de jornalismo de dados do Metrópoles, as fraudes estimadas com recursos contra a Covid-19 chegaram a R$ 1,1 bilhão aos cofres da União. Uma média de R$ 6 milhões por dia desde o primeiro caso da doença no Brasil, registrado em 26 de fevereiro. 

Há várias denúncias, como a aquisição de respiradores de forma inadequada, superfaturamento dos preços e a compra de equipamentos de até três vezes mais caro que o valor de mercado. Assim, várias operações da Polícia Federal deram sequência neste ano e alcançaram até governadores.

Consequência da operação Placebo, Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro, foi afastado por 180 dias. O escritório da esposa foi utilizado para escamotear pagamento de vantagens indevidas (cerca de R$ 37 milhões) ao governador por meio de contratos firmados com pelo menos quatro entidades da saúde ligadas a membros da organização criminosa.

Já a operação Pleumon, que mira fraudes na compra de respiradores para enfrentamento à pandemia em Santa Catarina, gerou o afastamento por até 120 dias do governador Carlos Moisés (PSL). O contrato sob suspeita movimentou R$ 33 milhões.

A operação S. O. S. investiga supostos desvios de dinheiro público em contratos na área da saúde, que somam R$ 1,2 bilhão. Um dos alvos é Helder Barbalho (MDB), governador do Pará.

Desvio de verba na saúde pública [Imagem: Agência Brasil]
Algumas medidas auxiliam no combate desses casos de corrupção, por exemplo, a lei 1.485/2020 aprovada pelos senadores, a qual dobra as penas em crime de desvios públicos durante a pandemia. Há também o “Corruptovírus”, uma nova ferramenta de denúncias criada pelo INAC (Instituto Não Aceito Corrupção) com o apoio da APMP (Associação Paulista do Ministério Público). A plataforma, que está disponível no site do INAC, recebe queixas dos cidadãos brasileiros relativas à corrupção na pandemia de Covid-19.

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