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Ombudsman: Abaixo o achismo

“Ou a gente tem os dados ou a gente está falando achismo”. Em maio, a advogada e apresentadora da CNN Brasil Gabriela Prioli cobrou de Monark, apresentador do podcast que a entrevistava, responsabilidade com a informação que ele propagava ao seu público. Na ocasião, Monark insistiu em debater com ela sobre a situação da educação …

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“Ou a gente tem os dados ou a gente está falando achismo”. Em maio, a advogada e apresentadora da CNN Brasil Gabriela Prioli cobrou de Monark, apresentador do podcast que a entrevistava, responsabilidade com a informação que ele propagava ao seu público. Na ocasião, Monark insistiu em debater com ela sobre a situação da educação pública sob os governos do PT — a que ele se referiu como “uma merda”. Prioli então o questionou de qual base ele partia para chegar àquela afirmação. “Isso é muito chato”, queixou-se o podcaster. “Eu só posso conversar se eu tiver munido de dados e estatísticas?”

Embora a internet tenha constituído nas últimas duas décadas um espaço privilegiado para formadores de opinião — que antigamente não teriam alternativa senão passar pelo crivo institucional da mídia ou da política —, o debate foi posto: influenciadores precisam ter responsabilidade com o uso da informação, tal como os antigos comunicadores? Há respostas razoáveis para os diferentes lados da discussão. Entre jornalistas, porém, a margem para dúvidas é menor. Sim, precisamos.

Alguns textos da Jornalismo Júnior sobrevivem do lide ao ponto final alicerçados sobretudo em impressões de seus autores, e isso é ruim. Excessos de adjetivos e advérbios, quase sempre dispensáveis, prejudicam a informação. Matérias como “O fim do jejum: Quase nove anos depois, o são paulino grita ‘é campeão’”, publicada no Arquibancada em 25 de maio, e “Draco Malfoy: o menino que não teve escolha?”, do Cinéfilos de 5 de junho, extrapolam da visão de mundo dos autores. Sem fundamentos como fontes, entrevistas e dados, os materiais se circunscrevem a um tipo pouco jornalístico.

Não há mal em escrever colunas opinativas, mas jornalistas precisam ter apego a dados e fontes até para emitir suposições. A opinião, quando íntima dos textos que deveriam ser técnicos, deixa os autores mal acostumados com cacoetes e jargões.

O conteúdo sobre a vitória do São Paulo Futebol Clube no Campeonato Paulista, por exemplo, traz passagens pouco necessárias à informação, que deixam de contribuir por serem óbvias: “Todos os times passam por bons e maus momentos ao longo de sua história”, “nos últimos anos, diversos atletas vêm surgindo e sendo inseridos no elenco profissional”, e “alguns (jogadores) demonstraram oscilações, o que é natural no processo de transição de todo jovem”.

O autor, além do mais, reduz a importância da própria avaliação ao afirmar que “ainda é cedo para fazer uma análise concreta (sobre a conquista da taça)”. Deveria ele ter publicado então uma análise que julga ser abstrata, incompleta?

Já o texto sobre Draco Malfoy tropeça no raciocínio ao dizer que “é possível concluir que ele (Draco) muito provavelmente não sofria abuso físico de seu pai” — o que, na prática, é o mesmo que afirmar não ser possível concluir nada. Dois parágrafos abaixo, continua: “apesar de podermos especular sobre as intenções de Lúcio, é impossível ter 100% de certeza se ele abusava física e emocionalmente do filho”.

A autora de “Crônica: Moda, muito mais do que uma roupa”, publicada no Sala 33 em 2 de junho, acerta ao aproveitar uma bela efeméride — o centenário de Zuzu Angel —, mas se limita a relatar uma relação nostálgica com a história da estilista. Efemérides (intervalos de tempo de grande importância para o jornalismo pelo fato de criarem ganchos de noticiabilidade) são poderosas oportunidades para recontar histórias, às vezes incluindo elementos novos ou reflexões mais atuais. O centenário, bem repercutido na imprensa, incentivou exposições virtuais e outros tipos de recordações, e talvez a reportagem pudesse ter se incumbido de discuti-los. Ao contrário do que se intitula, o texto não se encaixa no gênero da crônica.

Em que pese o erro de concordância no título e o lide no segundo parágrafo, a matéria “Microplásticos em praia não urbanizada aponta a onipresença do poluente”, publicada no Laboratório em 26 de maio, faz bem ao repercutir um tema direto de uma fonte primária, e não por meio de reportagens divulgadas na imprensa. A série de afirmações sem citação de fonte no parágrafo inicial é razoavelmente solucionada com as informações trazidas após o primeiro intertítulo. A pesquisa demonstrando a “onipresença” de poluentes em praias não urbanizadas (faltou explicar de maneira técnica do que o termo se trata) é interessante.

“Observatório | Vida, Pão, Vacina e Educação”, publicado na J.Press em 6 de junho, trabalha com dados importantes, embora não inéditos, sobre a inegável contribuição das universidades públicas para a produção científica nacional. Objeto de desmonte em razão da redução orçamentária, um corte de 37% em 11 anos, as instituições de ensino superior merecem a exposição que a reportagem procurou dar. E ainda recorreu a uma fonte de máxima autoridade, Ubaldo Balthazar, reitor da UFSC, para falar das agruras pelas quais passa o ensino superior público. Ponto para as autoras.

Encerro com um apelo: menos opinião, adjetivos e advérbios; mais fontes, dados e entrevistas. O jornalismo agradece.

Achismo: imagem de rosto de Guilherme Caetano — autor desta coluna — em rua urbana

*Guilherme Caetano é repórter de política do jornal O Globo e da revista Época. Também passou pela Folha de S.Paulo, onde foi trainee e redator. Presidiu a Jornalismo Júnior em 2015.

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