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Ombudsman: Textos que brigam com títulos

A matéria “‘Tive que reconhecer meu filho pelo tênis’, diz mãe de garoto morto por PM”, publicada na Folha de S.Paulo em 2017, conta a história de Luan Nogueira, 14 anos, que saiu de casa para comprar bolacha e foi assassinado pela Polícia Militar de São Paulo. O relato da mãe é de cortar o …

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A matéria “‘Tive que reconhecer meu filho pelo tênis’, diz mãe de garoto morto por PM”, publicada na Folha de S.Paulo em 2017, conta a história de Luan Nogueira, 14 anos, que saiu de casa para comprar bolacha e foi assassinado pela Polícia Militar de São Paulo. O relato da mãe é de cortar o coração. Ao ouvir o som dos tiros, ela pressentiu que o alvo pudesse ter sido seu filho e correu para uma viela vizinha, mas foi impedida pelos policiais de se aproximar do corpo do menino. “De cima da laje de uma vizinha, ela conseguiu ver o tênis que o filho usava quando o plástico que cobria o corpo levantou com o vento”, diz o texto.

A repórter não precisou explicar ao leitor que ele estava diante de um “relato forte”. O relato diz por si só. Algumas matérias da Jornalismo Júnior fariam bem se deixassem de constar a opinião do repórter sobre o que viram e ouviram de seus entrevistados — e permitissem às declarações informarem por si mesmas. O texto “#StopAsianHate: a luta contra a pandemia do preconceito”, publicado em 30 de abril, informa no lide que “o desabafo da psicóloga Karina Tiemi Kikuti é forte, carregado de simbolismo”, mas não compartilha em nenhum momento o relato que tanto impressionou o autor do texto.

O leitor passa o restante do texto à espera de um relato de preconceito ou discriminação sofridos por algum dos entrevistados, mas não o encontra. O tema é importante e sensível, afinal envolve sofrimento humano, e poderia ter sido ilustrado com episódios mais próximos de nós. O Brasil tem uma enorme comunidade japonesa, por exemplo, e exemplos não devem faltar.

Publicada no Sala 33 em 26 de abril, a matéria “Blogosfera: a fênix da era digital”, causa algumas estranhezas. A primeira é que o título dá a entender um suposto renascimento dos blogs — ideia que consta, inclusive, na chamada da matéria —, mas não há nada no texto comprovando o fortalecimento recente desse tipo de plataformas. Pelo contrário, a matéria informa que “ao final da década (de 2010), a indústria dos blogs já estava saturada e o número de acessos em queda”.

A matéria dá enfoque excessivo à blogueira Anna Vitória Rocha, que aparece como única personagem. A falta de outros blogueiros relega Anna Vitória à tarefa de opinar sobre tudo que concerne à blogosfera, inclusive sobre o futuro desse setor, assunto do qual ela não parece ter propriedade. Personagens de reportagem devem servir à finalidade do texto, e Anna Vitória representa o oposto: num texto sobre a suposta volta dos blogs, ela é retratada como alguém que abandonou seu blog para criar uma newsletter. Na contramão.

Quando não são testemunhas de um episódio ou foco central de uma reportagem, personagens precisam ser representativas. Se a matéria aborda famílias que perderam suas crianças para a Covid-19, por exemplo, a personagem central da matéria não pode ser alguém cujo filho se salvou da doença. Se o assunto é sobre pessoas que enriqueceram acertando na loteria, a personagem central não pode ser uma perdedora. Existe alguém mais perfeito para essa pauta do que alguém que ganhou duas vezes na loteria?

As melhores personagens são aquelas que sintetizam o lide em si mesmas. São difíceis de achar, e encontrá-las é uma grande recompensa para repórteres esforçados.

Cheerleading: um esporte em ascendência no Brasil”, publicado em 27 de abril no Arquibancada, peca pela mesma incongruência. O texto não prova a tese do título e, sem dados, não há como saber se o cheerleading realmente tem crescido no Brasil. Há menções genéricas de que “os torneios de cheerleading vêm recebendo cada vez mais equipes” e que “o cheerleading vem ganhando corações e também mais espaço entre os brasileiros”. Se afirmações desse tipo não são respaldadas por números, elas se rebaixam a palpites, ainda que especializados.

O teor extremamente técnico da matéria “Fio a fio: a química capilar”, publicada no Laboratório em 28 de abril, entendia o leitor. Não há problemas com a escrita ou com as informações (muito bem apuradas, por sinal), mas o texto caberia melhor num veículo de viés enciclopédico. A primeira citação a uma fonte está debaixo de 7 mil caracteres de conceituação química. Poucas matérias de jornais têm mais espaço do que isso.

Por fim, “Além do arco-íris: o terror como fuga da heteronormatividade”, publicado em 1º de maio no Cinéfilos, não se trata de uma matéria jornalística, e sim de uma análise crítica — tudo bem, gênero que cabe na editoria. A publicação prima pelo belo texto e pelo enredamento bem embasado e surpreende pelo refino. Vem para somar ao rico material sobre cultura e sociedade que a Jornalismo Júnior tem publicado. Que continue assim.

 

*Guilherme Caetano é repórter de política do jornal O Globo e da revista Época. Também passou pela Folha de S.Paulo, onde foi trainee e redator. Presidiu a Jornalismo Júnior em 2015.

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