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Som, arte e memória: a consolidação dos vinis na era digital

Lembro-me como se fosse hoje. Era domingo e, para comemorar o nascimento de minha irmã, a família toda se reuniu naquele dia. Na cozinha, o som das panelas simbolizavam o almoço. Na sala, “Amar e mudar as coisas/ Me interessa mais” era o que saía do toca discos. Em mim, a felicidade derivada daquele som …

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Lembro-me como se fosse hoje. Era domingo e, para comemorar o nascimento de minha irmã, a família toda se reuniu naquele dia. Na cozinha, o som das panelas simbolizavam o almoço. Na sala, “Amar e mudar as coisas/ Me interessa mais” era o que saía do toca discos. Em mim, a felicidade derivada daquele som que ecoava pelo cômodo e do momento afetivo da família. A voz de Belchior se sobressaia entre as conversas, que não eram poucas, dos que estavam presentes. “Vamos almoçar!” era a ordem que vinha da cozinha. Enquanto todos migravam para o outro cômodo da casa, eu observava meu pai retirar o vinil do toca discos e, com cuidado, colocá-lo naquela capa grande, que tinha a imagem de um homem com um grande bigode e o título de “Alucinação”. Uma das minhas poucas memórias da infância eternizadas na capa de um vinil. Retirem os vinis das caixas e da memória e entrem no ritmo do som do mundo dos vinis! 

 

Revolução sonora 

Os vinis, também conhecido como LP ou bolachão, surge na história no final da década de 1940. Os discos vieram para substituir os goma-laca, objeto mais utilizado para ouvir música até a chegada dos LP’s. Os discos de vinil são mais leves, resistentes, maleáveis, com maior capacidade de reprodução de músicas e melhor qualidade sonora em comparação aos goma-laca. Além disso, o bolachão também revolucionou na questão estética, já que para além do som havia também as artes presentes nas capas dos discos. 

 

Revolução individual 

“Hoje eu tenho aproximadamente 8 mil vinis”, comenta Kl Jay, DJ do grupo de rap Racionais MC’s, e admite ser um colecionador fiel dos LP’s.  O DJ se considera seletivo ao efetuar novas compras de discos. “Prefiro comprar um disco que tenha pelo menos 50% de músicas boas que um disco que tenha apenas uma música boa, pois é mais fácil ter ela na forma digital.” Kl Jay iniciou o contato com o bolachão na adolescência. Seu primeiro disco foi Rock Me Tonight, de Freddy Jackson. Através de um amigo que o apresentou a uma loja de discos, o DJ se viu imerso no universo dos vinis. “Me identifiquei com isso e pensei ‘é aqui que eu vou ficar.’”

Kl Jay com seu aparelho de DJ [imagem: PROCD Brasil]
Alexandre Veloso, comerciante de discos de vinil, CD’s e DVD’s, teve o primeiro contato com os vinis na infância através dos discos de sua mãe. “Os vinis que mais me recordo da infância são os da minha mãe. Eram discos da música popular daquele contexto, como Roberto Carlos, Paulo Sérgio e Odair José.” O comerciante trabalha, há 24 anos, com a venda de discos em sua loja. O gosto pela música e pelos vinis, assim como para Kl Jay, fez com que eles transformassem o prazer dos discos em forma de trabalho. Como afirma Alexandre, trabalhar com vinis “tem uma grande importância na minha vida porque sempre gostei de ouvir músicas e ter discos.” 

Alexandre em sua loja de discos. [Imagem: Leo Fontes]
Ambos possuem um pensamento semelhante no que diz respeito à permanência dos vinis no ideário do século XXI. Para Kl Jay, há um prazer em tirar o disco da capa e colocá-lo para tocar. “Isso não é abstrato. O processo manual para apreciar um vinil nunca vai acabar.” O DJ compara a continuação dos LP’s na sociedade com o conflito que existe nos métodos de leitura contemporâneo. “É como ler um livro. É diferente ler um livro na internet e ler o livro físico”, assim como é diferente ouvir músicas onlines e ouvir na forma de vinil, em toca discos. 

Veloso também concorda que o diferencial dos vinis deriva da questão física de se ter um disco. Ele ressalta o contentamento que é ter uma capa de um disco, o encarte e, principalmente, poder aproveitar o lado A e o lado B do vinil com os amigos. Os vinis conseguem, mesmo após décadas do lançamento, ser um dos  componentes essenciais para noites românticas, com os amigos ou até mesmo com familiares. De momento em momento, o bolachão firma seu espaço na contemporaneidade e na memória afetiva dos indivíduos. 

 

Passam-se os anos, consolida-se o que impacta 

Com surgimento de novas tecnologias, como os CD’s e aplicativos de celulares para música, a tendência era que os vinis se constituíssem como objetos secundários para os consumidores. Entretanto, a inovação tecnológica não extinguiu os discos do mercado. O comerciante Alexandre argumenta que os consumidores procuram os vinis pela questão física. E ainda ressalta que os indivíduos têm a necessidade de possuir um objeto para colocar o nome e chamá-lo de seu. “Faz com que você se sinta dono da música”, pontua Veloso.

Já Kl Jay vê na permanência dos vinis em meio a proliferação das plataformas digitais de música um processo natural. “O antigo e o moderno caminham juntos”, afirma o DJ. Porém, pontua que hoje é mais difícil tocar com os LP’s quando comparado ao que era antigamente. De acordo com Kl Jay, o sistema de som das casas de shows está mais voltado para o digital. “É preciso fazer algumas manobras para conseguir tocar o vinil sem problemas.” 

A atemporalidade dos vinis demonstra o impacto que os discos transmitem às pessoas. A cada geração, é possível a existência de uma memória afetiva diferente. Na minha família, hoje não temos mais aquele toca discos nem o vinil do Belchior. Mas o que temos, e não deixaremos de ter, são os momentos em que algum som ecoava do toca discos e alegrava os nossos momentos juntos, seja de almoço ou confraternizações. Tudo isso ficará na memória e se consolidará como história para a futura linhagem de nossa família, assim como os vinis se perpetuam com o passar das décadas e das gerações. 

 

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