Por Alinne Maria Aguiar (alinnemariaaguiar@usp.br), Leticia Yamakami (leticiayamakami@usp.br) e Maria Clara Ramos (mariaclarasr@usp.br)
Devido a um conflito no calendário, o técnico Telê Santana enviou um time reserva para representar o São Paulo na Copa Conmebol de 1994. A equipe, que ficou conhecida como “Expressinho”, alcançou resultados surpreendentes e conquistou o título graças aos então novos talentos Caio Ribeiro, Denílson, Juninho Paulista e Rogério Ceni.
Campeonato da democracia futebolística
A Copa Conmebol, também conhecida como Taça Conmebol, foi um torneio de futebol sul-americano disputado entre 1992 e 1999. Precedendo a atual Copa Sul-Americana, segundo torneio mais importante do continente, ela reunia os segundos melhores classificados — porque os primeiros colocados iam direto para a disputa da Libertadores — nos campeonatos nacionais de cada país da entidade da América do Sul.
A taça em questão foi criada pela Conmebol a fim de uniformizar seu histórico de criação de torneios. Na década de 1990, a confederação tinha como objetivo capitalizar sua marca e fortalecer seu nome no cenário esportivo para tentar chegar no “padrão UEFA de qualidade”. Por isso, desenvolveu três diferentes campeonatos na época, o que acabou gerando confusões.
De 1988 a 1997, a instituição de futebol sul-americano criou a Supercopa da Libertadores, disputada apenas por clubes vencedores da Libertadores. Já a Copa Master perdurou por 1992 até 1995 e contava com os campeões da Supercopa. A Copa Ouro, por sua vez, teve edições nos anos de 1993, 1995 e 1996 e reuniu os ganhadores de diferentes torneios da Conmebol.
Além da desorganização, todo o esforço dos times era, na verdade, destinado à Libertadores e a uma vaga no Mundial Interclubes. Apesar de seu curto tempo de duração, a Copa Conmebol chegou para marcar positivamente a história do esporte sul-americano. O seu início serviu para democratizar a participação dos clubes nos torneios da confederação e, assim, permitir maior adesão e desempenho.
A primeira edição, em 1992, teve a presença de 16 clubes: quatro do Brasil, três da Argentina, dois do Uruguai e um de cada um dos outros sete países integrantes — Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela. No caso dos brasileiros, os classificados foram Bragantino, Atlético-MG, Fluminense e Grêmio.
O caminho são-paulino até a final
“Ninguém acreditava que a gente passaria da primeira fase. Aí foi dando liga, foi se encorpando. Em mata-mata, é assim. Deu no que deu.”
— Muricy Ramalho, em entrevista ao Terra em 2013
O torneio foi particularmente especial para o São Paulo Futebol Clube no ano de 1994. Ao entrar em campo com um time composto por jovens da base e reservas, o clube conquistou o título vencendo o uruguaio Peñarol nas finais. Em entrevista ao Arquibancada, o jornalista esportivo Marcelo Prado afirma que não houve nenhuma opção se não essa, uma vez que o time titular estava participando de outras disputas mais relevantes no período.
“Foi mais uma situação de aceitação da torcida. Eu lembro que até o treinador era reserva, que, no caso, era o Muricy Ramalho”, comenta. Assim sendo, o São Paulo competiu contra o Grêmio — que, na época, estava em uma ótima fase — nas oitavas de final e avançou para as quartas em um jogo sufocante para o espectador. “Eu era daqueles caras que ficava o tempo todo no radinho acompanhando o jogo. Vitória nos pênaltis é sempre um sufoco, mas foi a vitória que deu início na caminhada do São Paulo rumo ao título”, conta Prado.
Na segunda fase, o tricolor derrotou o peruano Club Sporting Cristal por 3 a 1. A semifinal desembocou em um clássico brasileiro: São Paulo X Corinthians. No jogo de ida, o Timão perdeu por 4 a 3, mas abriu vantagem na volta, com uma vitória de 3 a 2. Com um empate técnico, a decisão foi resolvida nos pênaltis mais uma vez.
Na época, o meia Juninho Paulista disputou duas partidas pelo tricolor no mesmo dia: a vitória sobre o Sporting Cristal e um jogo contra o Grêmio pelo Campeonato Brasileiro [Reprodução/X/@SaoPauloFC]
Parcial, o jornalista descreve com entusiasmo o êxito do SPFC ante ao rival: “Ganhar do Corinthians era maravilhoso até em bolinha de gude”. Técnico, ele analisa que o “Time do Povo” era mais experiente e, graças a jogadores como Ronaldo, Viola e Marques, era o favorito para a vitória. “Mesmo assim, o São Paulo conseguiu jogar de igual para igual. Eu acho que isso deu um sabor a mais na conquista de ir para a final.”
O combate final contra o Peñarol foi uma goleada na ida, disputada no Morumbi. O placar de 6 a 1 para o time brasileiro foi o suficiente para fazê-lo vencedor da Copa Conmebol 1994, mesmo com a derrota de 3 a 0 no jogo de volta. “O título não era tão esperado no começo. Foi uma sensação muito boa ver o São Paulo, com um time reserva, erguendo a taça do campeonato e sendo vitorioso”, diz Prado, que também relembra das matérias em jornais da época, que declaravam “o tricolor é campeão!”
Essa grande realização foi concretizada principalmente pelo elenco jovem do clube, que possuía nomes como Rogério Ceni, Juninho Paulista, Denílson, Catê, Jamelli e Caio Ribeiro. Foi o primeiro título do treinador Muricy Ramalho que, junto aos jogadores, viria a trilhar um caminho poderoso pelo São Paulo Futebol Clube, consagrando um time que ficou conhecido como “Expressinho Tricolor”.
Origem do Expressinho
O nome “Expressinho” data da década de 1940, período em que a equipe reserva do tricolor se tornou pentacampeã estadual. O apelido presta homenagem ao “Expresso da Vitória”, time do Vasco da Gama considerado um dos únicos páreos do São Paulo da época, que vivia um grande momento.
Devido à agenda cheia do clube nos anos 1990, não era incomum que os talentos do Expressinho disputassem partidas pelo tricolor paulista. Em 1994 não foi diferente: ao priorizar a participação do elenco principal no Campeonato Brasileiro daquele ano, o técnico Telê Santana encarregou seu auxiliar de formar um time com jogadores que não seriam escalados para as partidas na competição nacional. Este auxiliar era o então recém-promovido Muricy Ramalho, atual coordenador de futebol do São Paulo.
Para compor o time que iria à Copa Conmebol, Muricy selecionou nomes do sub-20, bem como jogadores reservas do Tricolor para representar o São Paulo no campeonato. Apesar dos vários nomes talentosos, a conquista do título parecia improvável para o Expressinho na época, devido à pouca experiência de seu elenco e ao alto nível de seus adversários. “O bom do futebol é que é um dos poucos esportes que permite essa imprevisibilidade”, opina Marcelo Prado.
Análise do jogo
A final da Copa Conmebol foi disputada em dois jogos. Na partida de ida, realizada no Morumbi, o Peñarol abriu o placar logo aos 4’ do primeiro tempo, com um gol de Aguilera. O São Paulo pressionou bastante após o gol, mas só conseguiu o empate aos 41’, com o centroavante Caio Ribeiro.
No segundo tempo, o Tricolor dominou a partida. Catê marcou aos 12’, seguido por um gol de bicicleta feito por Toninho, mais um de Caio e outros dois gols de Catê, fechando o placar em 6 a 1. A goleada representou a maior vantagem já registrada em jogos de ida em finais de campeonatos sul-americanos.
Com a larga vantagem construída, o São Paulo chegou ao jogo de volta, no Estádio Centenário, em Montevidéu, em situação confortável. Na tentativa de reverter o placar, o Peñarol pressionou a defesa tricolor e marcou três vezes: Martín Rodríguez abriu o placar aos 12’ do segundo tempo, Dario Silva ampliou aos 27’, e Martin voltou a marcar aos 29’. Apesar da vitória uruguaia por 3 a 0, o saldo de gols garantiu o título ao São Paulo.
Além do São Paulo, os outros únicos times brasileiros a vencerem a Copa Conmebol foram Santos, Botafogo e Atlético Mineiro [Reprodução/X/@SaoPauloFC]
Berço de ídolos
O legado do Expressinho Tricolor vai muito além da conquista da Copa Conmebol de 1994. O que mais se destaca nessa história é a trajetória de um time formado por reservas que enfrentou grandes equipes, como o Grêmio de Luiz Felipe Scolari e o Corinthians de Casagrande. A cada fase superada no torneio, o “Expressinho” desafiava as expectativas de torcedores e críticos, que inicialmente não acreditavam no potencial da equipe.
Além da campanha histórica, o “Expressinho” é lembrado como uma vitrine de talentos que se tornaram ídolos do São Paulo. O então técnico auxiliar, Muricy Ramalho, desempenhou um papel importante na conquista e construiu, anos depois, uma trajetória vitoriosa como treinador principal do São Paulo. De volta ao clube em 2006, ele comandou a equipe na conquista do tricampeonato brasileiro consecutivo (2006, 2007, 2008).
Em 2010, Muricy também levantou o troféu do Campeonato Brasileiro no comando do Fluminense e, no ano seguinte, liderou o Santos na conquista da Libertadores da América. Hoje, como coordenador de futebol do São Paulo, Muricy continua contribuindo para o fortalecimento do clube. “Eu considero o Muricy, hoje, um dos três treinadores mais importantes da história do São Paulo”, afirma Marcelo Prado.
Em sua época de jogador, Muricy Ramalho marcou 26 gols pelo tricolor paulista [Reprodução/Instagram/@muricyramalhoreal]
Revelado nas categorias de base do Tricolor, Caio Ribeiro saiu do São Paulo para jogar na Inter de Milão. Passou também pela Napoli, além do Rot Weiss Oberhausen, da Alemanha. De volta ao Brasil, vestiu as camisas de times como Santos, Flamengo, Fluminense e Grêmio. O time de reservas despontou outras estrelas do clube como Juninho Paulista, que fez carreira no futebol inglês, e Denílson, ambos campeões da Copa do Mundo de 2002.
Entretanto, o maior destaque da equipe vencedora de 1994 é Rogério Ceni, considerado o maior ídolo da história do tricolor paulista. Ceni defendeu a camisa do São Paulo por mais de 20 anos e conquistou 18 títulos, entre eles três Campeonatos Brasileiros, duas Libertadores e dois Mundiais de Clubes. Com 131 gols, Ceni é o goleiro com mais gols na história do futebol.
Após encerrar a carreira como jogador em 2015, Ceni se tornou treinador, e comandou a equipe do São Paulo por duas vezes. Também foi técnico do Fortaleza e Flamengo, com quem venceu um Campeonato Brasileiro. Atualmente, está à frente do Bahia, com quem fez uma campanha de destaque — classificou a equipe às preliminares da Libertadores.
Rogério Ceni é o atual recordista de jogos pelo São Paulo, com mais de 1200 partidas [Reprodução/Instagram/@saopaulofc]
Foto de capa: Reprodução/Instagram/@saopaulofc