Este filme faz parte da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
“Eu sou a arquiteta da minha vida”, proclama Sherry (Caroline Dhavernas) nos primeiros instantes de Easy Living (2017). Arrastando uma maleta azul cheia de cosméticos pelas ruas, a protagonista da obra bate de porta em porta para vender seus produtos às mulheres, compartilhando intimidade e instruções. Sua vida pessoal encontra-se em ruínas e nos relacionamentos amorosos revela-se sua grande obsessão, sendo estes marcados pela superficialidade e inconstância.
As cenas em que Sherry está vendendo produtos foram filmadas duas semanas antes do resto da narrativa, com uma câmera diferente – já que a encomenda da solicitada ainda não havia chegado –, segundo Adam Keleman, diretor-roteirista da obra. Em entrevista concedida a No Film School, ele conta também que elas foram, em última instância, improvisadas. O uso de uma lente mais lustrosa contribuiu para enaltecer o lado mais “polido” da personagem, para o diretor. Durante as vendas, Sherry prende o cabelo em um coque e se veste com uma espécie de uniforme, composto por um traje social da cor azul, o que acentua a noção de polidez do ambiente e da personagem.
Na maior parte do tempo, contudo, a narrativa revela a protagonista imersa em bares noturnos, dormindo com um personagem masculino diferente a cada noite. Quase todos os homens introduzidos pela obra integram cenas de relação amorosa com Sherry, o que parece extensão da excessividade dos traços de obsessão sexual da personagem.
As cenas nem sempre estão concatenadas entre si e alguns episódios fatídicos prejudicam o fio condutor da história, o que torna o longa um tanto quanto confuso e inautêntico. Em determinado ponto, por exemplo, estamos diante de Sherry pegando para si uma arma que encontrou na gaveta do quarto de sua melhor amiga e, nas cenas subsequentes, encontramos a protagonista obrigando e ameaçando com sua arma um ladrão – que há pouco a havia abordado – a mostrar cada cômodo de sua casa. Este último episódio, que envolve um estranho encontro sexual entre Sherry e o ladrão amarrado a uma máquina de diálise, circunda a inusitada seção final da obra.
São poucos os detalhes revelados na narrativa acerca da história pessoal da protagonista, sendo talvez o maior deles a existência de uma filha, Alice, há 10 anos sob a custódia de sua irmã mais velha. Na tentativa de ajudar financeiramente na criação da menina, inclusive, Sherry pretende abrir um salão de beleza com sua melhor amiga, mas a inexperiência com negociações impossibilita que o projeto saia do papel. Mesmo negligenciada pela mãe, Alice, na única cena que contempla superficialmente a relação mãe-filha, revela-se estranhamente solícita e alegre na presença daquela.
O ponto alto da obra parece não residir no enredo, mas na expressiva atuação de Caroline Dhavernas. Da espontaneidade na venda da maquiagem em cenas improvisadas, até as transições de caráter polido-modesto para imprevisível-narcisístico, a atriz canadense envolve o público na desordem da vida de Sherry com notável autenticidade. Em entrevista a Flickering Myhth, Dhavernas conta que a estima da personagem por parte de quem assiste ao longa se forma não porque os atos desta são agradáveis, mas porque “ela é claramente uma pessoa muito ferida e isso é parte de onde vem o nosso perdão”.
A protagonista não passa por grandes transformações ao longo da obra, pelo contrário, permanece imperturbável a dualidade de seu caráter. Easy Living, portanto, circunda na narrativa de “duas Sherry em uma” e, segundo o autor, o objetivo foi “fazer o filme sobre essa mulher tentando encontrar seu lugar no mundo, imaginando onde ela se encaixa”.
Confira o trailer!
por Camila Mazzotto
camila.mazzotto@usp.br