[34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]
Um espectador mais desavisado que lesse a sinopse de “Cyrus” (Cyrus), em exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, poderia ir ver o filme com algumas impressões erradas. Ao contrário do que se pode pensar, esse não é um típico “homem conhece mulher, ambos se apaixonam, brigam e superam a briga com final feliz”. Muito menos se trata de uma trama que é 100% alegre ou motivadora. Talvez seja justamente nisso que reside o valor do longa-metragem americano e “independente”: na capacidade de mostrar que a vida é pintada em escalas de cinza, e não no p&b sem contrastes de Hollywood.
A película, dirigida e escrita pelos irmãos Jay e Mark Duplass, conta a história de John (John C. Reilly), um quarentão recém-divorciado e desajustado que conhece Molly (Marisa Tomei) em uma festa. Mesmo com tudo contando contra ele – estar bêbado, fazer confissões inoportunas, urinar nos arbustos – Molly ainda assim se interessa por ele. John a princípio não acredita, soltando uma das melhores frases do roteiro: “Olhe pra mim. Eu pareço o Shrek. Você tem certeza que quer ficar comigo?”.
Ao ir à casa de sua nova namorada, entretanto, John descobre que ela tem outro homem em sua vida – seu filho Cyrus (Jonah Hill), de 21 anos. O jovem, que foi educado em casa e sofre de crises de ansiedade, tem um relacionamento um tanto quanto incomum com sua mãe: ela é seu melhor (e único) amigo. Parece óbvio dizer que o conflito dramático se desenvolverá tanto a partir dos vais e vens do casal, numa trajetória permeada por relutâncias, quanto da relação conflituosa entre os dois rivais pela atenção de Molly.
Num filme “padrão”, a narrativa se desenvolveria com uma boa dose de risadas, uma meia dúzia de clichês e um ou dois momentos de maior tensão. Aqui, porém, a história, apesar de não perder o bom humor, caminha por estradas um bocado agridoces e tortuosas. A cada tentativa de “espantar o invasor” e permanecer como o “menino da mamãe”, Cyrus se arma mais e mais de simulações e subterfúgios – que podem acabar cansando um pouco uma (boa) parcela dos espectadores. Porém, essas situações se mantêm aceitáveis ao parecerem factíveis e mais interessantes do que uma simples briga e um punhado de frases ofensivas.
Além do roteiro e dos bons diálogos, “Cyrus” tem como grande trunfo a boa atuação do trio principal, especialmente por Marisa Tomei, que em alguns momentos serve como alívio cômico e charmoso à trama. O trabalho com a câmera também merece ser comentado: utilizam-se por vezes closes e ângulos diferenciados, o que pode ser bom – por conseguir captar uma expressão mais profunda – ou ruim – como é o caso de alguns efeitos de zoom feitos ao longo do filme, que lhe dão um caráter de amadorismo.
“Cyrus” traz à tona um problema comum dos dias de hoje: a necessidade de aceitação de uma nova “família”, por assim dizer. Não é o filme definitivo sobre o assunto, e também não procura sê-lo: seu mérito é falar sobre seres humanos, para seres humanos, com toda a imperfeição que isso traz; e ser capaz, em pouco mais de noventa minutos, de emocionar a quem o assiste.
Por Bruno Capelas