Este filme faz parte da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Os filmes de western clássicos, de chapéus, cavalos e revólveres, nunca na história do cinema trouxeram um protagonismo feminino significativo. Apoiados em uma ideologia estadunidense ultranacionalista, os faroestes arrastam as minorias para fora do cenário ao mesmo tempo que consolidam valores tradicionais, em sua maior parte sexistas. Recentemente, há uma tentativa de reverter essa situação, como acontece em Marlina the Murderer in Four Acts (2017). Contando com o paisagismo deslocado e interiorano comum ao gênero, a narrativa foi sintetizada por sua diretora Mouly Surya como uma “celebração do poder feminino contado através de uma história de sobrevivência”.
Dividido em quatro atos bem delineados – “Robbery”, “The Journey”, “The Confession” e “The Birth” -, o longa conta a história de Marlina, uma jovem recém viúva que vive sozinha em Sumba, no leste da Indonésia. Depois de sofrer uma tentativa de assalto seguida de estupro dentro de sua própria casa, ela inicia uma jornada de vingança contra os sete homens que lhe causaram mal, em uma série de assassinatos à la Kill Bill (2003).
A ideia para o filme veio do mais reverenciado cineasta da Indonésia, Garin Nugroho, após visitar Sumba e perceber o patriarcalismo da região. A diretora contou em entrevista à Women and Hollywood que o tradicionalismo indonésio é passado para as crianças desde cedo, através da criação dada pelos pais. “A família acredita que está educando seu filho para ser o chefe da família”, explica. Esse retrato é muito bem pintado no filme, sendo a base em que toda a trama se desenvolve, e é evidência de que os privilégios masculinos garantem uma ideia de posição de poder.
O protagonismo masculino – dentro e fora do cinema – é reiterado há séculos por uma cultura falha na inclusão social. Assim, a sororidade firmada por Marlina the Murderer in Four Acts torna-se uma importante mensagem para todas as espectadoras, reforçando a importância da união feminina em prol da conquista da independência coletiva.
Entretanto, todos os pontos que o filme ganha com relevância e atualidade narrativa, perde no desenvolvimento do roteiro. Com diálogos que poderiam ser acrescidos de profundidade e fracas atuações, deve-se saber que o filme não tem pressa de acontecer – todas as cenas de ação presentes no primeiro ato não condizem com o desenrolar, que anda a passadas lentas.
A discrepância entre o frenesi inicial e os extensos minutos de inatividade que se seguem tenta ser compensada pela estonteante paisagem montanhosa da Indonésia. Ao colocar um diálogo esvaziado numa paisagem quase divina, o filme contempla os olhos, mas falha na comunicação com quem assiste. O que fica parecendo é que para cobrir o buraco do roteiro a direção abusa das paisagens naturais do sudeste asiático, numa tentativa de distrair o espectador do desfalque.
Em inúmeros momentos de câmera parada e silêncio absoluto, que beiram o excessivo, o filme não procura comover, e por isso não pinta Marlina como uma vítima, mas como uma batalhadora, em características que lembram a animação Mulan (1998). Apesar de indiscutivelmente reforçar a imagem de mulher forte, o longa não nos torna empáticos a ela, pecando na falta de subjetividade para a compreensão da jornada.
Marlina the Murderer in Four Acts funciona num caráter compensatório – algumas cenas são muito bem desenvolvidas, outras poucamente exploradas. Deve-se enfatizar que a única coisa que o torna pertinente é sua temática feminista, mas não vá esperando diálogos que acrescentem qualquer coisa à sua filosofia de vida, ou que mudem seu ângulo de observar a vida. Na verdade, não há nada disso, apenas algumas paisagens bonitas e muito feminismo.
O filme será exibido no Brasil na 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, dia 19 de outubro. Confira o trailer legendado em inglês abaixo:
por Giovanna Jarandilha
giovannajarandilha@gmail.com