Esse filme faz parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto.
Nossa Senhora do Nilo (Notre-Dame du Nil, 2019) é um Coming of age dirigido por Atiq Rahimi e baseado na obra homônima da escritora tutsi Scholastique Mukasonga. Nele, acompanha-se um grupo de alunas ruandesas de um colégio para a elite do país, o qual é localizado no topo das montanhas em que se encontram as bacias do rio Congo e o rio Nilo, dois dos maiores rios do mundo.
Próximo à nascente do Nilo, entre os anos 60 e o início dos anos 70, o instituto reflete as complexas relações etnoculturais da época. Com uma maioria esmagadora hutu, o local possui uma cota para as estudantes tutsis, mal vistas por algumas de suas colegas. Dividido em três seções, o longa denota as transformações decorridas entre os hutus e tutsis em todo o país.
Com personagens apaixonantes, linda fotografia por Thierry Arbogast e uma incrível imersão no cotidiano católico da instituição belga em que estudam as protagonistas, o filme introduz o espectador a um complexo e sensível início dessas relações. Garotas adolescentes conversam sobre amores, viagens e sonhos. Entretanto, um mal-estar cresce, se enraíza ao ponto de que uma das jovens, Gloriosa (Albina Kirenga), apelida as tutsis de “baratas”.
Na inocência de suas idades, o filme explora as tendências eurocêntricas das jovens. “A África é geografia, a Europa é história”, demonstra como a história é escrita pelos vencedores. A produção, no entanto, é um ode aos vencidos. Ou, melhor, à humanidade. Os eventos do longa são o início de um pretexto que, 20 anos depois, levaria ao genocídio na região que causou quase um milhão de mortes.
No entanto, o longa talvez se demonstre um pouco confuso para os que são pouco informados sobre as questões históricas da região. O colonialismo rarefez as relações de classe e étnicas na região. É reconhecido pela protagonista tutsi, Virginia (Amanda Mugabezaki), que a associação aos homens brancos tirou de sua etnia a credibilidade e fez com que o ódio e ressentimento fossem sentimentos passados por gerações. A agradável superfície dos eventos se torna cada vez mais complexa e tensa enquanto as alunas têm a primeira menstruação, limpam estátuas, arrumam arquivos e até mesmo engravidam.
Com destaque à atuação de Kirenga, o elenco realiza um trabalho impressionante e admirável no longa. Todas as personalidades e histórias narradas são atraentes, identificáveis e amáveis. Gloriosa, por sua vez, é a estrela definitiva da obra. Suas ações manipuladoras e nefastas tomam cada vez proporções maiores e, de repente, são a pólvora para uma explosão iminente.
Os corações ingênuos e cheios de vida de repente são submetidos a uma Ruanda que se torna a terra do sangue. As tensões crescem, o ódio se torna a regra e, subsequentemente, o massacre se instala. A produção é uma projeção mínima da assustadora realidade que batia à porta. Mas, por algum momento, a cativante adolescência era o que existia. E sua imagem no longa se sobressai à tragédia. Confira o trailer de Nossa Senhora do Nilo:
*Imagem de capa: Divulgação/Les Films du Tambour