Esse filme faz parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto.
Atenção: esse texto contém spoilers do filme O Nome Encravado em seu Coração.
Taiwan, 1987. Com o fim da Lei Marcial em 15 de julho, o Terror Branco taiwanês começa a se dissipar. Após quase 40 anos de perseguição a dissidentes políticos, o Partido Nacionalista Chinês (Kuomintang) dá início a um processo gradual de democratização.
Em O Nome Encravado em seu Coração (The Name Engraved In Your Heart, 2020), dirigido por Kuang-Hui Liu, acompanha-se a história dos jovens Chang Jia-han (Edward Chen) e Birdy Wang (Jing-Hua Tseng), estudantes de um colégio católico de Taiwan no fim dos anos 1980. Baseado em fatos reais, o longa discorre sobre as desavenças que o amor gay confrontou do fim do último século até a contemporaneidade. Um retrato tanto da comunidade gay taiwanesa quanto de todo o mundo.
A-han e Birdy se aproximam por meio das aulas da banda da escola, comandada pelo padre canadense Oliver (Fabio Grangeon). Com o passar do tempo, a convivência e a amizade dos garotos se transforma em um velado e incompreendido romance, uma vez que a sociedade conservadora do período os reprime antes mesmo de eles processarem seus próprios sentimentos.
Purismo e distanciamento das relações entre homens e mulheres, reprimenda a manifestações políticas e as em prol do casamento homoafetivo, estruturas hierárquicas militaristas opressivas na educação e homofobia generalizada são alguns dos aspectos sociopolíticos formais expostos pelo longa.
Birdy é audacioso e A-han, seu companheiro, ponderado. Juntos, eles quebram regras e expectativas tanto do sistema quanto de colegas próximos. Uma parcela significativa de suas cenas juntos são sensíveis e agradáveis. Eles se veem cada vez mais próximos até, de repente, ocorrer uma cissão: BanBan (Mimi Shao). Birdy se mostra apaixonado pela jovem, que diz entender suas ambições e sonhos.
Em virtude de uma significativa crise espiritual e existencial, A-han não apenas confessa ao padre seu amor por Birdy, como também o defende. A decorrente conversa entre eles se desenvolve junto à trama. Um dos principais questionamentos de A-han é uma pergunta feita tanto ao seu interlocutor primário quanto ao telespectador: quando jovem, qual foi a maior loucura que você já fez?
O Nome Encravado em seu Coração é um drama clássico sobre relações gays. Sofrimentos exagerados, agressões por homofobia, protagonistas emocionalmente confusos, cenas de assédio, casais que se odeiam e se amam na mesma intensidade, entre outros aspectos. Entre altos e baixos, é uma obra com boas trilha sonora e cinematografia, mas com um desenvolvimento que, de tão comum no meio dos dramas gays, faz com que o longa somente se some a tantos outros do gênero. Entretanto, ele atinge um momento de redenção: o presente.
Taiwan, 2020. Hoje, os símbolos direcionados a homenagear Chiang Kai-shek são questionados. O passado de opressão e massacre ainda é uma discussão controversa em virtude das questões diplomáticas e geopolíticas do local. Ainda assim, a ilha de Formosa é um dos maiores símbolos de liberdade no continente: no ano passado, ela se tornou a primeira e única nação da Ásia a aprovar em seu sistema legal o casamento homoafetivo. Após mais de 30 anos de espera, histórias como as de A-han e Birdy são possíveis de serem contadas e unidas novamente. Mas todo esse tempo não retornará, em especial, às que nunca serão contadas.
Confira o trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=kwxlz_zassU&ab_channel=GR8MovieTrailers
*Imagem de capa: Divulgação/Oxygen Film