Seria difícil definir Borat e qualquer outro dos personagens do inglês Sacha Baron Cohen com poucas palavras. Mas, se necessário, talvez o desconforto seja um lugar comum entre o que transmite o comediante em todas as personas que incorpora em seus trabalhos. A sequência de Borat não é diferente e, do advogado do presidente ao caipira do interior do Texas, a face dos EUA que Borat mostra de maneira genial é, no mínimo, desconfortável.
Gravado em segredo e lançado poucas semanas antes da eleição norte americana, Borat: Fita de Filme Seguinte (Borat Subsequent Moviefilm, 2020) é um soco no estômago quase tão forte quanto o primeiro filme do personagem, lançado em 2006. O longa, produzido em forma de documentário, mostra o “segundo melhor repórter do Cazaquistão” de volta à América, a fim de incluir o líder de seu país ao clube de Tiranos, liderado por Donald Trump.
O roteiro, como geralmente ocorre nos filmes de Baron Cohen, contém um humor que caminha sobre a linha tênue entre o absurdo e verossímil, o que pode ser visto nas inúmeras interações de Borat com pessoas reais que, muitas vezes, relevam ou mesmo concordam com o absurdo do comportamento do personagem. E é nessa atuação, baseada quase totalmente na interação com as pessoas reais, que o filme tem seu ponto alto.
Pouco conhecido em 2006, na primeira obra, Baron Cohen podia passar despercebido quando caracterizado com o terno cinza e o bigode de Borat. Essa vantagem, perdida graças ao sucesso do longa e do próprio Cohen, é retomada na sequência de maneira fiel ao roteiro e ao mesmo tempo muito eficaz. Com a justificativa de ter ficado famoso com seu primeiro filme, o repórter precisa se disfarçar para realizar sua missão nos EUA, o que possibilita a criação de personagens que engrandecem o filme e o adaptam a um ano como 2020.
Outro modo de permitir que o segredo da gravação e o anonimato dos personagens fossem mantidos foi a integração da russa Maria Bakalova ao elenco. A atriz, quase desconhecida do grande público, interpreta Tutar, filha mais nova de Borat, entregando uma atuação fantástica e desenvolta nas situações em que interage com gente anônima, famosa e poderosa – algumas vezes até se arriscando – o que justifica sua escolha para o elenco.
Quando Borat foi lançado, o choque que causou pela maneira como expôs uma face assustadora e ridícula da sociedade americana foi inovador e quase insuperável. Consciente disso, Fita de Filme Seguinte consegue não ser mais do mesmo e entregar, de modo diferente de seu antecessor, o mesmo desconforto com o que é mostrado da sociedade americana. Com um pouco mais de piadas de roteiro do que o humor quase totalmente derivado da reação das pessoas à figura e ações do repórter cazaque, a obra consegue ter a mesma força, mesmo em tempos em que o chocante é tão rotineiro.
O filme, como geralmente acontece com Cohen, sofreu críticas de todos os lados. Mas, como é fácil concluir ao assistir o longa, a direita americana – e mesmo a brasileira – ficou mais ofendida como espectador. Crítico declarado de Donald Trump, Sacha Baron Cohen já vinha expondo políticos republicanos e outros membros da direita dos EUA em trabalhos como a série do canal Showtime Who is America?, mas deu um passo a mais com a sequência de Borat.
Frequentando eventos contrários à vacina e ao isolamento social durante a pandemia da COVID-19 – organizados por apoiadores de Trump – Baron Cohen mostra, encarnando um Borat vestido de “típico americano” a constante e constrangedora negação à racionalidade da extrema direita dos EUA (e também do mundo), além de mexer com gente muito poderosa e próxima do presidente, como seu advogado Rudy Giuliani, que aparece em uma cena, para dizer o mínimo, nojenta.
Lançado pouco antes das eleições nos EUA no Prime Video, serviço de streaming mais popular do país, o intuito e apelo político de Borat é claro, ainda que não panfletário. Da saudação nazista de um apoiador de Trump à conduta abjeta de seu advogado, o filme nada faz além de retratar – com direito até a menção à Bolsonaro – a verdadeira face do grupo político no poder.
O humor de Borat é chocante, preconceituoso, ofensivo e é politicamente incorreto. Mas fica claro como todo o preconceito da obra é claramente irônico e as piadas tem como alvo os preconceituosos e não aqueles que sofrem com isso. O próprio antissemitismo de Borat, escrito e interpretado por Baron Cohen que é judeu, é uma piada com os antissemitas, não com os judeus. O mesmo acontece com seu machismo, racismo e com todas as piadas ofensivas ao longo do filme que, de tão absurdas, são engraçadas mesmo assim.
Borat: Fita de Filme Seguinte é chocante e assustadoramente real, sem perder nem um pouco a graça com isso. O longa entrega uma pancada atrás da outra e a vergonha alheia divide espaço com o riso em diversos momentos, dando uma cara e um tom que tornam Sacha Baron Cohen genial e inconfundível como sempre. Borat voltou, mais Borat do que nunca!
Borat: Fita de Filme Seguinte já está disponível no Amazon Prime Video. Você confere o trailer abaixo:
*Capa: [Imagem: Divulgação/Amazon Prime Video]