Por Vinícius Bernardes (vguidio@gmail.com)
O pavio do barril de pólvora volta a ser aceso. O Oriente Médio, uma das regiões mais beligerantes da atualidade, converge, mais uma vez, os olhares do globo diante de seu protagonismo no “teatro da guerra”. Autoproclamados herdeiros do califado de Maomé, o grupo Estado Islâmico do Iraque do Levante – também denominado ISIS – chama os holofotes da mídia internacional pela apresentação de um caráter marcadamente intolerante. Destacado por ações que veiculam um viés contrário aos direitos humanos, o grupo sunita-radical tem gerado um estado de alerta na geopolítica contemporânea. A J.Press, acompanhada do geógrafo e comentarista da Globo News Demétrio Magnoli, aborda a questão buscando explicar suas origens, impactos e desdobramentos.
Amparados por uma extremista bandeira religiosa, o grupo Estado Islâmico (EI) vem chocando o globo com a elevada barbárie empregada em suas ações. A organização, que provém de um braço da Al Qaeda, tem se revelado uma entidade tão perversa quanto sua genitora. Decapitações, crucificações e genocídios estão entre os métodos empregados para a disseminação da intransigente ideologia. Com princípios pautados na sharia, lei islâmica que prega uma união entre estado e religião, o EI radicaliza posicionamentos confirmando-se como um dos principais problemas da lógica internacional.
Engana-se quem pensa que esse cenário é recente. O EI emerge como uma consequência direta de um vácuo de liderança no Oriente Médio. A saída das tropas norte-americanas presentes no Iraque, em 2011, propiciou uma conjuntura favorável para o desenvolvimento de minorias fundamentalistas. A interferência americana na região provocou um reascender de disputas pelo poder, o que levou ao desenhar desse cataclisma social. A ausência de um símbolo que aglutinasse todos os anseios da variada população resultou em um panorama de instabilidade e choques constantes. O Estado Islâmico, aproveitando-se desse contexto, passa a exercer controle local, alicerçando estruturas que promovam o disseminar de seu ideário de intolerância e segregação.
Nos últimos três anos, o grupo sunita vem ganhando espaço na Guerra Civil da Síria: hoje já controla mais de 40% de todo o território do país, incluindo zonas petrolíferas, economicamente dinâmicas para a nação árabe. O EI usa-se desta viabilidade econômica como artifício financeiro para promoção de seus atos. A indústria do petróleo, aliada a furtos e a um amplo sistema tributário, são as principais fontes de renda do grupo.
Embora ocorra em menor proporção, o mesmo panorama se estabelece no Iraque, berço da eclosão do ISIS. Inserido em uma guerra tanto religiosa (sunitas contra xiitas) como étnica (curdos contra iraquianos), o antigo país controlado por Saddam Hussein tornou-se vulnerável para a ocorrência de ações da organização. O EI já exerce controle de grande parte do território, apresentando bases que se instalam, inclusive, a 100 km da capital Bagdá.
A formação do Mal
O ISIS, mais do que uma simples célula exaltada, elabora-se em um dinâmico padrão organizacional. O grupo apresenta cerca de 30 mil combatentes, dentre estes 15 mil estrangeiros e 2 mil ocidentais.Com uma sistematização muito bem alicerçada, tem sua composição dividida em dois eixos: o primeiro é resquício do antigo exercito de Saddam Hussein, detentor de uma clássica metodologia de guerra; o outro, por sua vez, estrutura-se por meio de militantes aliados à habitual tática de guerrilha. Tal divisão é atribuída, por muitos especialistas, como o fator responsável pelo destaque do EI, perante à vasta gama de grupos existentes no Oriente Médio. Ao mesmo tempo, a organização ainda recebe, de todas as partes do globo, um grande fluxo de jovens, que almejam se aliciar à lógica proposta.
Para o professor Magnoli esse ingresso da juventude é um produto direto do sensacionalismo propagandeado pelo grupo. “Por se distinguir das correntes oficiais do islã, devido a essa atuação de maneira radical, o ISIS atrai jovens que vivem tanto em países árabes como em comunidades muçulmanas. Milhares de voluntários que se dirigem à jihad na Síria e no Iraque derivam da Europa e do Oriente Médio. Essa é uma função que a violência radical exerce: o ISIS rompe todas as pontes com os governos e com o Islã e, ao rompê-las, ele apresenta a perspectiva de uma fogueira libertadora e definitiva que é a jihad”. Tal fluxo de novos aliciados pode ser apontado como o principal responsável pela reposição de combatentes e a consequente manutenção do grupo. Caso contrário, há muito este já teria se exaurido.
O líder, Abu Bakr al-Baghdadi, proclama-se sucessor de Maomé e é o homem chave da organização. Com uma interpretação própria do Corão, ele direciona o grupo para a barbárie observada, atuando, inclusive, contra chefes do próprio ramo religioso. As atrocidades cometidas no caso Charlie Hebdo, assim como a morte de profissionais da imprensa, entre estes, Raad Mohamed al-Azzawi – câmera da TV árabe Sama Salah Aldeen – são evidências do radicalismo existente nas ações do grupo. Seu líder tem como meta construção de um califado mundial, que é, na verdade, uma tentativa de regresso aos tempos áureos do Islã, vigentes na época do profeta Maomé. O califado busca, dessa maneira, abolir as fronteiras políticas existente no Oriente Médio, de forma que se possibilite a unificação de todos os muçulmanos sob um regime de controle, tanto político quanto religioso.
“Existem diversos tipos de fundamentalistas, mas pode-se dizer que a fogueira do fundamentalismo concentra-se no mundo árabe-muçulmano. Isso tem razões históricas.” – Demétrio Magnoli
O contra-ataque
De acordo com os números revelados pelo Brasil Post, só nos atentados realizados no Iraque, em junho do ano passado, contabilizou-se mais de 1900 mortos. O grande número de vítimas tem levado autoridades internacionais a organizarem-se a fim de cercear as ações do EI; uma coalizão, que envolve desde Estados Unidos ao Irã, tem sido responsável por bombardeios ao grupo islâmico. Para o professor Demétrio, o ISIS é um caso que exige a destruição: “Não acho que a arma principal para o combate sejam os bombardeios. Eles são necessários, sem dúvida; mas creio que o grupo será destruído, essencialmente, pelos próprios muçulmanos. Estes, dentro e fora das áreas controladas, tendem a se voltar contra sua violência.”
Segundo Barack Obama, o ISIS é o câncer que aflige o mundo contemporâneo. Recentemente, o presidente norte-americano chegou a afirmar ter quebrado o cerco que o grupo estabelecia no monte Sinjar, salvando a população oprimida no local. Tal ação revela como a empreitada, em prol do combate ao grupo, tem gerado resultados positivos. Os EUA não apresentam pretensões em enviar tropas terrestres para o combate ao ISIS; os ataques, até então, centram-se no uso bombas e atos aéreos.
Os inimigos do EI são variados. Por adotar uma ideologia sunita radical, o grupo tem se mostrado como adversário independente do cenário em que atue. Segundo frase divulgada pela própria entidade, “Quem não estiver conosco é inimigo e deve ser considerado um infiel” – essa é a ideia que permite veicular seu antagonismo a tudo e a todos.
ISIS, um louco não descontrolado
Para aqueles que observam de fora, considerar o grupo um louco parece uma alternativa viável. Porém, o EI apresenta total ciência daquilo que realiza e do impacto que deseja provocar. Suas ações são gravadas para posterior divulgação por meio de uma imensa aparelhagem tecnológica. O grupo conta com três câmeras, que registram suas execuções de ângulos distintos. O anseio principal é buscar revelar, com maior brutalidade, a ideologia por trás do ato realizado.
O Estado Islâmico foge de todos os padrões para grupos fundamentalistas já vistos. Apesar de ter se originado da Al Qaeda, seus objetivos são totalmente diferentes. Enquanto o grupo de Osama Bin Laden centra-se em uma ação direta contra os EUA, o ISIS proclama ódio a todos, a fim de alcançar seu tão sonhado califado.
Segundo Magnoli, isso configura a Guerra ao Terror, na qual o mundo contemporâneo já se encontra inserido. O professor afirma: “É uma guerra em que se tem por objetivo principal o ISIS. Porém, esta pode se estender devido à declaração de fidelidade ao grupo por parte de diversos conjuntos jihadistas. Este é o caso do Boko Haram na Nigéria, do Al Shabab na Somália, dos grupos responsáveis pelos ataques no Quênia, além de organizações no Mali e na Líbia. Todos mantêm ligações orgânicas com o ISIS, declarando lealdade a ele. Então, na verdade, o que você verifica hoje é uma guerra ao terror.”
O possível prognóstico
A sociedade torna-se, então, a principal vítima deste panorama. Quando não manifesta conivência às atrocidades cometidas, passa a ser eliminada brutalmente pelo grupo. Dessa forma, muitos- que se apresentam contrários à ideologia – começam a se refugiar, procurando unicamente – zelar pela própria vida.
Saber o que o futuro reserva para o EI ainda é uma incógnita. Apesar disso, diversos indícios de seu comportamento apontam para possíveis resoluções a essa problemática.
Em relação ao Iraque, nota-se um ligeiro recuo do grupo nas áreas controladas. Esse cenário diferencia-se daquilo que se observa na Síria. O Governo de Bashar Al Assad ao perpetuar a atual Guerra Civil, na qual o país está imerso, alicerça uma imagem balcanizada a nação, como afirma o professor Magnoli.
Ao mesmo tempo, a ausente possibilidade do encaminhar de tropas – europeias e norte americanas – para um combate terrestre revela-se como um fator de manutenção do controle, por parte do EI, sobre o território Sírio. Além disso, a fidelidade manifestada, por diversas organizações terroristas como o Al Shabab e Boko Haran, delimitam a lógica de alianças nas quais o ISIS se encontra envolvido.
“A semente que o grupo lançou ainda irá aparecer em muitos lugares. Portanto, creio que durante os próximos muitos anos, estamos condenados a assistir a conflitos ligados a grupos jihadistas, em toda essa região do mundo”, encerra Magnoli.