“Vão filmar ou vão ver?” – tão logo começou a dedilhar os primeiros acordes de Irene, Rodrigo Amarante olhou o mar de celulares que se levantava à sua frente, na lotada choperia do Sesc Pompeia, e interveio. A reclamação foi entendida como piada, o músico sorriu e continuou a canção, acompanhada por um silêncio quase unânime da plateia. Logo após o primeiro verso, parou de novo, brincou com uma fã e aproveitou a pausa pra agradecer o carinho do público.
Não era pra menos: os ingressos para os três shows paulistanos do ex-Los Hermanos – que abria a turnê de “Cavalo”, seu primeiro disco solo – se esgotaram em poucas horas. Só chegaram às mãos de quem teve a paciência de correr e enfrentar fila em alguma unidade do Sesc, no fim de agosto, em busca da entrada.
A noite em que fui ver Amarante era a segunda de três, na última sexta-feira de setembro. Após passar frio, calor e desespero em proporções que só São Paulo pode oferecer, cheguei a tempo de ver o ruivo – agora envelhecido e calvo – subindo ao palco e fazendo suas primeiras piadas debochadas logo na música inicial.
Após Irene, a apresentação seguiu mesclando músicas de Cavalo com trabalhos não-lançados de Amarante. Músicas da época de Los Hermanos ficaram de fora, porque nem sempre. Deliberadamente, o músico fez questão de separar o motivo pelo qual a maioria dos presentes ali estavam da nova fase de sua carreira.
Embora algumas das novas canções tenham ficado arrastadas ao vivo, diante do público mudo e atento (ao celular, pelo menos), o show teve pontos mais altos do que baixos e foi bem sustentado por boas músicas de Cavalo como Hourglass, Maná e O Cometa, esta última dedicada – na letra e no show – a Ericson Pires, amigo de Amarante morto em 2012.
Desenvolto no violão e na guitarra, o músico passou a maior parte do tempo à frente de sua banda de apoio, encabeçada pelo também ex-Los Hermanos Rodrigo Barba na bateria. Em exceções pontuais, sentou ao teclado sem uma recepção muito entusiasmada da plateia, mas manteve o bom humor e os discursos debochados ao longo da apresentação.
Conciso, Amarante matou a maior parte do setlist em menos de uma hora. Após cantar em português, inglês e francês, abriu espaço para homenagear Tom Zé e reproduziu Angélica, Augusta e Consolação, finalmente acompanhado pelo público, que não teve muito tempo pra decorar as outras canções. Durante a música, nova cutucada nos aparatos tecnológicos, acrescentando “iPods e iPads” às “outras bobagens” referidas na letra.
Após interpretar todas as canções de Cavalo, a cover de Tom Zé e alguns outros trabalhos, Amarante finalmente decidiu reverenciar uma ex-banda: tirou do coldre Evaporar, do Little Joy – minisupergrupo formado ao lado de Fabrizio Moretti (The Strokes) e Binki Shapiro em 2007 – para encerrar o show. A plateia aceitou e aderiu.
http://www.youtube.com/watch?v=Y1GhatxFfvU
Depois do ruivo deixar o palco definitivamente e as luzes da choperia se acenderem foi hora de voltar à realidade paulistana e passar a se preocupar com horário do metrô, nome de ônibus e segurança pessoal. Enquanto durou, o show de Amarante foi uma boa válvula de escape a essa rotina maluca, sem precisar apelar aos hits da época de “Loser Manos”.
A turnê se estende agora a outras cidades brasileiras – hoje ele se apresenta no Rio de Janeiro e na sexta-feira (12), em Curitiba – e, em entrevistas, o músico já deixou clara a vontade de gravar novos discos. A julgar pela agradável noite no Sesc Pompeia, o futuro de Amarante reserva bons frutos. E, para aqueles que por ventura tenham se incomodado com a ausência de Los Hermanos no setlist, os celulares, iPods e iPads tem outras funções além de se colocar superficialmente entre plateia e artista…
Por Marcelo Grava
marcelo.grava@gmail.com