Algumas gerações foram e ainda são marcadas pela clássica franquia de filmes de “Jurassic Park”. Quem se tornou fã, quando criança, ainda se deslumbra com os efeitos especiais que dão vida aos maiores seres que já habitaram a Terra: os dinossauros. Porém, o que muita gente não sabe é que antes de mais nada, “Jurassic Park” é um livro de tirar o fôlego e foi ele quem deu origem ao sucesso das telonas.
Criador e Criatura
Inicialmente, a obra iria ser um roteiro. Porém, Michael Crichton, autor desse maravilhoso enredo, sentia bastante dificuldade em fazê-lo fluir. Assim, ciente também de que para torná-lo em filme demandaria um elevado custo, Crichton optou por explorar a ideia de que dinossauros e humanos compartilhavam um mesmo ambiente, em um romance. Nos primeiros esboços, a criação dos dinossauros iria ocorrer pelas mãos de um estudante, através da clonagem de um fóssil. Mas, como não era convincente, o cenário foi alterado e passou, então, a ser um parque temático.
Ao longo das últimas páginas do livro, todas essas questões são apresentadas em sua entrevista para o “Cinefantastique”. Nos agradecimentos, Crichton explica que conversou com diversos especialistas, como paleontólogos e ilustradores de dinossauros, além de ter se baseado em inúmeras pesquisas. Porém, no final, ele deixa bem claro que o que está escrito ali é de responsabilidade dele e que se trata de ficção. No entanto, para quem lê fica um sabor de realidade e tanto! É importante ressaltar que o autor se formou em medicina e se especializou em diferentes áreas científicas, o que aprimora o seu embasamento para a produção do livro.
Do roteiro ao romance foram contabilizados sete anos, de 1983 a 1990. No ano de 1993 a obra chegou aos cinemas. Crichton foi responsável pelo roteiro de “Jurassic Park”, além de outros filmes, como “O Primeiro Assalto de Trem” (1979) e de ter escrito outras obras literárias, como “O Enigma de Andrômeda”.
A Trama
O livro é iniciado no contexto dos avanços da biotecnologia. Crichton procura transparecer grande credibilidade sobre o tema, para mostrar que a história que irá se desenrolar não é absurda, mas muito possível. Ao longo disso, o leitor é apresentado à empresa de bioengenharia International Genetic Technologies Inc. (InGen), do ganancioso John Hammond, também idealizador do Jurassic Park. No prólogo, são apresentados relatos de lagartos atacando crianças e a chegada de um homem extremamente ferido à clínica de um vilarejo, na Costa Rica. Supostamente, ele havia sido atropelado por uma escavadeira, no entanto, parecia ter sido atacado gravemente por algum animal.
Quem assistiu ao filme logo entende do que se trata. Vale destacar que os títulos dos capítulos são marcados pelas iterações da Teoria do Caos proposta pela personagem de Ian Malcom, um matemático célebre que prestou consultoria para a construção do parque. Na concepção dele, o Jurassic Park iria se revelar um grande problema.
Na primeira iteração, o ataque de “lagartos” se dá em um novo local, uma ilha isolada, demonstrando a falta de controle que havia da situação. Ciente disso, Marty Guitierrez, biólogo que atende a criança atacada, se ilude com a possibilidade de ter descoberto uma nova espécie e envia um espécime morto para o Laboratório de Doenças Tropicais do Centro Médico da Universidade de Columbia.
É neste viés que somos apresentados ao paleontólogo Alan Grant e à sua aluna, Ellie Sattler, que é paleobotânica. As escavações que eram realizadas por ambos recebiam o patrocínio do milionário Hammond, porém, a vinda de um advogado para o acampamento coloca essa questão em xeque e a torna bastante suspeita. No entanto, o convite de Hammond para conhecer a Isla Nublar (ilha próxima à Costa Rica) e o pagamento altíssimo para uma consultoria no final de semana, quebra a tensão estabelecida. Dessa forma, Sattler e Grant se unem a Malcom, Hammond e Donald Gennaro, advogado da InGen, em um voo rumo ao inesquecível Jurassic Park.
Enquanto Ellie e Allan demoram a entender do que se trata o local, Malcom inicia seus apontamentos matemáticos acerca do funcionamento do parque. Ao longo de toda a obra, ele faz isso insistentemente… De certa forma, os apontamentos, por vezes, soam como reflexões. O leitor é baqueado, especialmente, quando o matemático fala sobre a incapacidade da ciência em reverter quadros que ela mesma cria, a sua falta de controle sobre o que faz e a dificuldade em lidar com o poder que tem. Ler isso causa reverberações importantes, que fazem ver que alguns avanços que tivemos foram por conta do dinheiro e não de um bem comum.
O livro debate inúmeras vezes essas questões através de Hammond, que, ao contrário do filme, é extremamente arrogante e consegue pensar apenas no sucesso que o parque será. Mesmo em meio ao caos completo, ele se preocupa em manter os dinossauros vivos pelo dinheiro que investiu e não por se tratar da vida de um ser. Ademais, o velhinho acredita ser tão capaz de controlar tudo, que até mesmo subestima o poder que a natureza tem— algo que Ian critica veementemente.
A chegada ao parque permite aos paleontólogos compreenderem do que se trata: um parque temático com dinossauros. Para Grant, especialmente, seria a oportunidade de comprovar inúmeras teses que ele escreveu acerca das espécies. Em meio a isso, para o pânico de Gennaro, os netos de Hammond, Tim e Lex chegam à ilha também. Enquanto Tim é apaixonado por dinossauros e tem por Grant uma grande admiração, Lex é uma grande fã de baseball.
O bilionário tem, assim, um time de pessoas para avaliar e comprovar a sua tese do quão fantástico o Jurassic Park é, ignorando por completo a suspeita de que os raptors pudessem estar fugindo e atacando os bebês do vilarejo, conforme supracitado.
Guiados por Ed Regis, um publicitário que se torna guia e babá por um dia, os visitantes têm a oportunidade de conhecerem todo o funcionamento do parque, desde os laboratórios até visitas aos animais. A imensidão tecnológica surpreende e muito, já que o livro foi escrito no século passado. O touchscreen, por exemplo, é citado no livro e usado no sistema do parque. Outro fato que deixa o leitor surpreendido é a semelhança enorme com o filme nos primeiros capítulos. Mesmo quem ficou anos sem ver o primeiro “Jurassic Park” vai se lembrando de diversos detalhes.
A visita fora do alojamento se inicia. Dentro de carros automáticos, os visitantes têm a oportunidade de saberem um pouco mais sobre os animais jurássicos ali presentes, além de vê-los, é claro. Porém, a interrupção da energia do parque coloca tudo a perder. Os animais podem derrubar as cercas elétricas e fazerem o que bem entenderem. Todos correm perigo e a Teoria do Caos de Malcom começa a fazer grande sentido… É a partir disso que o livro passa a se distanciar significativamente do que é mostrado no filme.
Ademais, a leitura permite assumir outras diferenças em relação às personagens. Por exemplo, Allan Grant é um protagonista no filme, mas na obra, quem assume o papel principal é Ian Malcom. Tim é mais velho que a irmã no livro, o que explica o comportamento imprudente da garotinha e, algumas vezes, irritante. Os rumos da história em cada um são bastante diferentes, porém, as adaptações têm fundamento e não levam à perda de sentido.
Ao longo da luta pela sobrevivência, Grant se aproxima de Tim e Lex. Durante as suas conversas, o leitor fica a par da história familiar deles e algumas complexidades relacionadas a isso. A leitura flui rapidamente, mesmo quando Malcom explica as suas teorias. A descrição sobre os predadores, seu comportamento e a dor que causam torna tudo ainda mais eletrizante. Na experiência de leitor de “Jurassic Park” é quase impossível não relacionar algo no dia a dia aos dinossauros e mesmo com quase 30 anos, a obra traz uma importante reflexão sobre o nosso papel como seres racionais perante ao poder da natureza e da ciência.