Por Guilherme Bianchi (guifavaro240306@usp.br)
Na 33ª edição da competição, Paris foi novamente sede dos Jogos Olímpicos. Apesar de não alcançar a paridade de gênero prometida, Paris 2024 conquistou o maior índice de participação feminina na história das Olimpíadas. Como marco na busca pela paridade de gênero, o Comitê Olímpico Internacional divulgou que 28 das 32 modalidades contaram com a participação de atletas mulheres.
Na capital francesa, a delegação brasileira conquistou 20 medalhas, sendo três ouros, sete pratas e dez bronzes. Com destaque para as medalhas de ouro, as três vitórias brasileiras foram em modalidades femininas. Rebeca Andrade, Beatriz Souza e a dupla Duda e Ana Patrícia foram campeãs na ginástica artística, judô e no vôlei de praia, respectivamente.
Uma conquista de visibilidade em Paris
A competição ficou marcada pelo equilíbrio de vagas destinadas a atletas homens e mulheres. Em Paris, 10.500 atletas de diversos países e modalidades estiveram presentes, com diferença mínima de 150 atletas entre os gêneros.
Percentual de participação feminina em Paris 2024 cresceu em 47,8% em comparação com a primeira Olimpíada sediada pela cidade [Imagem: Reprodução/Instagram: @simonebiles]
Em entrevista ao Arquibancada, Nicole Mota, carateca brasileira e campeã nos Jogos do BRICS 2024, comemorou a marca: “Uma conquista extremamente importante, muito esperada por nós mulheres atletas, como também por nós mulheres telespectadores que acompanham esportes. Foi algo que esperamos por muito tempo, nosso esforço e dedicação são os mesmos que atletas homens, não é justo termos menos vagas em disputa que eles. Espero que ocupemos ainda mais espaços”.
Como consequência do preconceito e da desvalorização, o esporte feminino enfrenta a falta de investimentos como um empecilho. Para Nicole, a conquista proporciona visibilidade e tende a ajudar as atletas em busca de patrocínios: “o maior impacto em nós mulheres atletas, sem dúvidas, será na questão da visibilidade. Temos dificuldades para conseguir patrocínios, por exemplo. O patrocinador não vai querer patrocinar se a marca dele não aparece”.
Participação feminina nos Jogos Olímpicos ao longo dos anos
Na primeira edição da competição, realizada em Atenas, a participação de atletas mulheres era proibida. Na época, a maratonista grega Stamati Revithi insistiu ao Comitê Olímpico Grego para participar, porém teve seu pedido negado. Em protesto, um dia após a prova masculina, a atleta correu todo o percurso da maratona do lado de fora do estádio.
A participação feminina nas Olimpíadas começou justamente em Paris. Nos Jogos Olímpicos de 1900, primeira vez em que a cidade sediava a competição, as mulheres representaram 2,2% do número total de atletas, sendo 22 mulheres ao lado de 975 homens.
A primeira mulher estadunidense a ganhar uma medalha de ouro em Olimpíadas foi a golfista Margaret Abbott, em Paris 1900 [Imagem: Reprodução/Site: Olympics]
O número de atletas mulheres custou a crescer ao longo dos anos. Em 1924, quando a capital francesa sediou pela segunda vez a competição, 4,4% dos atletas eram mulheres, número que, 60 anos depois, saltou para 23% nas Olimpíadas de Los Angeles. Em Londres 2012, a participação feminina alcançou 44,2% do número total de vagas e, com 48,8%, uma participação quase igualitária em Tóquio 2020.
Nas primeiras edições da competição, na Grécia Antiga, as mulheres não eram permitidas nem ao menos acessar as arenas, mesmo que para torcer. Somente em 1991, o Comitê Olímpico Internacional decretou que todas as modalidades olímpicas deveriam ter participação feminina obrigatória.
Paridade próxima, igualdade distante
“Temos que comemorar sim, mas, se olharmos somente para a questão numérica, vamos nos dar por satisfeitas por algo que não engloba todas as mulheres e não é significativo para que o ambiente esportivo seja para todas”, explica Joanna Maranhão, ex-nadadora e ativista brasileira, sobre os avanços da paridade de gênero ao Arquibancada.
A ex-nadadora relembra que as primeiras mulheres a participarem da competição eram mulheres brancas e de classe média. Segundo ela, existia um grande recorte de mulheres que estavam trabalhando, cuidando de seus filhos, para que essas pudessem praticar esportes. “Sem um recorte interseccional que olhe e acomode as necessidades das mulheres mais vulneráveis e historicamente marginalizadas, não podemos nos acomodar”, alerta a ativista.
Durante esta edição dos Jogos Olímpicos, a boxeadora argelina Imane Khelif foi alvo de especulações sobre sua identidade de gênero. Terminados os Jogos no dia 11 de agosto, a polêmica em torno da argelina continua. No final do mês passado, foi divulgado pelo portal francês “Le Correspondant”, que segundo laudo médico, a boxeadora possui cromossomos masculinos XY.
Contudo, segundo o COI, Imane cumpriu com as regras de elegibilidade e inscrição dos Jogos Olímpicos de 2024, juntamente com todas as regulamentações médicas aplicáveis promulgadas pela Unidade de Boxe Paris 2024 (PBU). Um dos médicos vinculados à autoria do suposto laudo negou à imprensa a produção do relatório e disse que seu nome está sendo utilizado para espalhar notícias falsas.
O ocorrido repercutiu no esporte competitivo mundial, reforçando que o corpo das atletas continua sendo o foco principal de comentários, e não seus resultados esportivos. Imane entrou com uma ação judicial contra o relatório.
A editora da revista de esporte feminino, Les Esportives, Claire Smagghe, comentou sobre o assunto: “O corpo das mulheres é sempre a questão, isso não é novo. Continua acontecendo e é muito problemático. Sempre resumimos as esportistas a seus corpos, a sua feminilidade”.
Mesmo após polêmicas sobre gênero, Imane Khelif cala o “assédio virtual” e é medalhista de ouro em Paris 2024 [Imagem: Reprodução/Instagram: @imane_khelif_10]
Smagghe ainda lembra de reclamações de atletas da equipe de atletismo americana a respeito dos maiôs muito cavados. A editora afirma que em um âmbito esportivo governado por homens, eles determinam até como as mulheres devem se vestir. “Outro ponto tem a ver com os enquadramentos das transmissões, acho que existem imagens e comentários que não são necessários. Elas são campeãs que treinam o ano todo. O essencial é o desempenho”, desabafa.
Em Tóquio 2021, o COI atualizou suas diretrizes para tentar mudar ângulos que sexualizam o corpo das atletas em transmissões televisivas. Recomendações a respeito dos enquadramentos foram transmitidas aos profissionais de imagem que trabalham nas Olimpíadas.
Primeiros passos de coragem
Para que a participação feminina ascendesse nos Jogos Olímpicos, assim como Stamati Revithi, mulheres de todo o mundo tiveram que dar o primeiro passo de coragem e serem pioneiras no esporte competitivo tomado por homens. Desde a primeira edição olímpica em que mulheres foram permitidas de participar, diversas atletas de diferentes lugares do mundo fizeram história na competição.
Charlotte Reinagle Cooper, por exemplo, ex-tenista britânica, foi a primeira mulher a conquistar um ouro olímpico nas Olimpíadas de 1900, sediada em Paris. Com um detalhe: apesar de ter nascido ouvindo, a tenista tinha perdido a audição quatro anos antes de sua conquista na França. Charlotte Cooper apresentava um estilo de jogo agressivo, repleto de movimentos intensos e foi uma das primeiras atletas a utilizar a técnica do “voleio” — golpe próximo à rede.
Outra atleta símbolo da luta pela igualdade de gênero, foi a mexicana Norma Enriqueta Basilio Sotelo. Aos 20 anos, a ex-velocista latino-americana fez história, mas daquela vez, fora das pistas. Ao subir as escadas do Estádio Olímpico Universitário, no México, foi a primeira mulher a acender a pira olímpica, em 1968.
Enriqueta tornou-se um símbolo da igualdade de gênero ao ser a primeira mulher a acender a pira olímpica na história dos Jogos Olímpicos [Imagem: Reprodução/Site: Olympics]
Nadia Comaneci, ex-ginasta romena, foi mais uma jovem atleta que marcou para sempre a competição olímpica. Com apenas 14 anos, em Montreal 1976 foi a primeira atleta a tirar uma nota perfeita (10). Reconhecida pelo Hall da Fama da Ginástica Internacional, a ex-atleta destacava-se principalmente nas barras assimétricas. Ao todo, Comaneci coleciona cinco medalhas olímpicas de ouro em nove conquistadas.
Nos Jogos de Londres, em 1948, a primeira mulher afrodescendente alcançou o topo do pódio olímpico. Alice Coachman, atleta especializada no salto em altura, nascida na Geórgia, nos Estados Unidos, enfrentou barreiras devido à sua ascendência africana, venceu o período de segregação racial no país norte-americano e foi medalhista de ouro na capital inglesa.
Simone Biles, fenômeno da ginástica artística contemporânea, é uma das principais figuras para a visibilidade da questão da saúde mental em todos os níveis, inclusive no esporte de alto rendimento. Colecionadora de medalhas, a norte-americana se tornou a ginasta mais premiada de todos os tempos.
Ao todo, Biles soma mais de 30 medalhas em campeonatos mundiais, sendo 23 de ouro. Nos Jogos Olímpicos, são 11 medalhas conquistadas e sete são de ouro.
Após complicações de saúde mental em Tóquio, Simone Biles é exemplo de superação em Paris 2024. A ginasta deixou Paris com quatro medalhas, sendo três ouros e uma prata [Imagem: Reprodução/Instagram: @simonebiles]
Atletas brasileiras que ficaram marcadas na história das Olimpíadas
O Brasil participou pela primeira vez nos Jogos Olímpicos em 1920, na Antuérpia. Somente em Londres, em 1932, mesmo ano em que as mulheres conquistaram o direito ao voto no Brasil, que foi permitida a participação de atletas mulheres brasileiras.
Aos 17 anos, a nadadora Maria Lenk, foi a primeira brasileira e atleta sul-americana a participar da competição. Nascida em São Paulo, é considerada pioneira da natação moderna. Lenk foi a responsável pela introdução do nado borboleta nos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim.
Outra atleta marcada na história olímpica brasileira é Aída dos Santos. Especialista no salto em altura, foi a primeira mulher brasileira a chegar a uma final olímpica, em Tóquio 1964. Mesmo sem incentivo, uniforme e tênis adequados, ela alcançou o quarto lugar na modalidade. Nessa edição dos Jogos, Aída foi a única mulher da delegação brasileira de 68 atletas.
Na 26º edição dos Jogos Olímpicos, em Atlanta 1996, veio a primeira medalha de ouro feminina brasileira. Sandra Pires e Jacqueline Silva, ex-jogadoras de vôlei de praia, conquistaram o primeiro ouro feminino da modalidade. Ainda naquele ano, Hortência e “Magic Paula”, ex-jogadoras de basquete feminino, levaram a primeira medalha de prata para o Brasil na modalidade.
Em Paris, mais uma mulher brasileira entrou para a história dos Jogos Olímpicos. Rebeca Andrade, jovem ginasta de 25 anos, conquistou sua sexta medalha na competição e tornou-se a maior medalhista olímpica brasileira, superando Robert Scheidt, Torben Grael e Isaquias Queiroz.
Após conquistar medalhas no solo, individual geral, salto e por equipes, Rebeca Andrade é a atleta brasileira com mais medalhas olímpicas conquistadas [Imagem: Reprodução/Instagram: @rebecarandrade]