Por Aline Noronha (alinenoronha@usp.br)
Maria Carolina Santiago é a mulher com mais medalhas na história brasileira dos Jogos Paralímpicos. O feito ocorreu após ela ultrapassar a velocista Ádria dos Santos ao ganhar sua quinta medalha de ouro na competição. Já no panorama geral da quantidade de medalhas conquistadas pelo Brasil, a nadadora ocupa a quinta posição com, ao todo, seis ouros, três pratas e um bronze. Sua influência e inspiração no esporte é tamanha que sua história foi contada no documentário O Instante Decisivo (2024), cuja resenha você pode conferir aqui.
Em Paris 2024, Santiago conquistou o primeiro lugar nas modalidades 100m costas S12 (deficiência visual leve, mas ainda significativa), 100m livre S12 e 30m livre S13 (deficiência visual menos severa). As medalhas pratas, em contrapartida, vieram no revezamento 4x100m livre 49 pontos e no 100m peito SB 12 – acuidade visual superior a S11 e/ou campo visual restrito a um diâmetro menor a 5 graus.
Coragem, identificação e uma pausa de quase dez anos
A pernambucana Carolina, ou simplesmente Carol Santiago como é mais conhecida, nasceu com síndrome de Morning Glory, uma alteração congênita na retina que reduz seu campo de visão. Ela conheceu a natação ao acompanhar os treinos de seu irmão nesse esporte e logo começou também. No convencional, participava das categorias mirins.
Para a atleta, a piscina é um lugar de identidade, auto-estima e realização. Como não podia realizar esportes de impacto, passava seus dias nadando de peito para se defender da borda. Porém, aos 18 anos, ela ficou nove meses sem visão alguma e parou de praticar.
O hiato foi de quase dez anos. Com 27, Carol voltou a nadar por questões de saúde, mas ao estar novamente em contato com a água, optou por voltar a competir. Em 2018, procurou o Grêmio Náutico União, de Porto Alegre, para analisar uma possível transição para a carreira profissional.
Sua primeira competição fora do Brasil veio em 2019, quando tinha 34 anos, nos Jogos Parapan-Americanos de Lima; Na ocasião, ganhou quatro medalhas. Já no Parapan de Santiago, em 2023, Carol venceu as seis provas que disputou. No mesmo ano, tornou-se recordista mundial dos 50m livre S12, em Manchester, com um tempo de 26s65. Logo depois, no Chile, chegou à marca de 30 medalhas conquistadas em provas no exterior.
Em sua primeira Paralimpíada, em Tóquio 2020, Carol Santiago ganhou 3 medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze [Reprodução/Instagram: @mariacarolinasantiago]
“No movimento paralímpico, eu encontro meu lugar. É sobre pertencimento. O esporte paralímpico nos traz essa possibilidade, de estar no seu ambiente e desempenhar seus 100%. Você não fica tentando ser aceito, porque você já está no seu lugar”, afirma Carolina em uma entrevista para o portal Olympics.
Sete participações em provas e cinco medalhas conquistadas
A primeira prova que Carol competiu nos Jogos Paralímpicos de Paris foi os 100m borboleta S13, terminando na décima posição. A primeira medalha de ouro viria na disputa seguinte, nos 100m costas S12. Carol dominou a prova de ponta a ponta e estabeleceu um novo recorde nas Américas: 1m08s23. A prata ficou com a ucraniana Anna Stetsenko (1min09s43) e o bronze para a espanhola Maria Delgado Nadal (1min11s33).
Ao fim da prova, a atleta brasileira destacou a diferença em competir com uma torcida, diferentemente de Tóquio 2020, em virtude da pandemia da Covid-19. “Foi incrível, foi uma sensação que nem consigo descrever. É a primeira vez que estou vivendo isso, nadar com essa torcida”, relata Carol Santiago.
Ao total, a atleta pernambucana ganhou R$950 mil como premiação oferecida pelo Comitê Paralímpico Brasileiro, haja vista que cada ouro valeu R$250 mil e a prata R$100 mil [Reprodução/Instagram: @paralympics]
O segundo ouro veio nos 30m livre S13 com um tempo de 26s75. A nadadora é recordista nessa modalidade, tanto mundialmente (26s61) quanto em Paralimpíadas (26s71). Já a segunda posição ficou para a estadunidense Gia Pergolini (27s51) e a terceira para a italiana Carlotta Gilli (27s60).
“Estou muito feliz e satisfeita. São muitas emoções durante o dia inteiro. Está sendo uma competição intensa e maravilhosa.”
Carol Santiago
No dia seguinte, Carol entrou na piscina para competir no 200m medley individual SM12. Ela foi a terceira melhor na primeira bateria e conquistou a sexta posição no quadro geral, com o tempo de 2min32s84.
Na prova seguinte dos 100m livre S12, a brasileira conseguiu o melhor desempenho nas eliminatórias (1min00s50) e novamente uma medalha de ouro no tempo de 59s30. A prata ficou com a ucraniana Anna Stetsenko (1min00s39) e o bronze para a japonesa Ayano Tsujiuchi (1min01s05), que abraçou Carol para comemorar o resultado no fim da disputa.
As pratas antes da despedida de Paris
A primeira medalha de prata de Carol veio por meio de uma prova em grupo no revezamento 4x100m livre 49 pontos no tempo de 3min56s94. A equipe brasileira formada por ela, Matheus Rheine, Douglas Matera e Lucilene Sousa, liderou a prova por boa parte do tempo, mas o time da Ucrânia reagiu ao final e levou o ouro no tempo de 3min53s84. Já o bronze ficou para a Espanha (3min57s95).
“O coração bate que nem um tamborzão, porque eu treino com a Lu e com a Carol. Para mim, todo mundo aqui serve de inspiração”, expõe Rheine que em seguida destacou o momento da prova como “maravilhoso, fantástico, espetacular”.
“Tenho muito carinho pela Paralimpíada de Tóquio, mas Paris foi completamente diferente. Principalmente pela visibilidade que acabou acontecendo. Acho que a gente não esperava tanto”, afirma Carol [Reprodução/Instagram: @luhsousas12]
A quinta e última medalha de Carol Santiago veio no 100m peito SB 12, na qual, com um tempo de 1min15s62, ficou atrás apenas da alemã Elena Krawzow, que bateu o recorde mundial e paralímpico (1min12s54). Quem também nadou na Arena La Défense foi a chinesa Jietong Zheng que conquistou o bronze (1min20s03).
“Esta é uma prova que gosto muito. Mas é sempre muito difícil, pois fica no final do programa”, expressa a brasileira, que destaca o cansaço físico pelo treinamento e provas que disputou até o final da competição. Por fim, para se despedir das terras francesas em alto nível, Carol foi porta-bandeira na cerimônia de encerramento dos Jogos.
Inspiração dentro e fora das piscinas
Santiago destacou a importância de uma ginecologista para acompanhar seu ciclo hormonal e de uma psicóloga, não apenas nesta competição como no esporte em geral. “Hoje os técnicos homens estão falando sobre ciclo menstrual, o que não era nem um pouco comum quando eu cheguei”, pontua. A nadadora também destaca que o acompanhamento psicológico a ajudou a controlar os problemas de ansiedade relacionados às provas.
“Comecei a encarar as competições não como pressão, mas como incentivo”
Carol Santiago
Fora das piscinas, a nadadora brasileira serve como fonte de inspiração e confiança para outras pessoas com deficiência, com estímulos que vão desde tarefas como sair de casa à praticar novos esportes. Dentre os relatos ouvidos, Carol destacou em entrevista ao portal Olympics, a história de um menino que perdeu a visão durante a pandemia e, após uma visita da atleta à sua escola, o garoto mudou a relação com os colegas e passou a jogar futebol.
Além disso, mulheres maduras sem deficiência também expressam a inspiração por Carol. “Elas falam ‘depois que te vi nadando com 39 anos, minha vontade foi sair e começar a caminhar, perder peso e fazer o que quero fazer’. Escutei muito isso, muito mesmo”, destaca a nadadora.
Imagem de capa: [Reprodução/Instagram: @gnuniao]