“Não quero mais sofrer”. Essas são as palavras de Marieke Vervoort – campeã e vice-campeã nas paraolimpíadas de Londres 2012 e medalhista de prata e bronze no Rio de Janeiro em 2016 nas provas rasas de atletismo, classe T52 – em entrevista ao The Telegraph. No dia 22 de outubro de 2019, a ex-atleta realizou o procedimento da eutanásia e faleceu.
Marieke, 40 anos – embora dizia que tinha corpo de 90 –, era belga. Ela possuía uma doença degenerativa entre a quinta e a sexta vértebra cervical, que atinge a medula espinhal e que limita boa parte dos movimentos. A medula espinhal é uma extensão do sistema nervoso central, situada no interior da coluna vertebral. É responsável por controlar ações das regiões do corpo. A medula quando lesionada, dependendo da localidade e intensidade, pode impactar na perda de movimentos nos membros inferiores.
Como forma de contornar o duro impacto que a deficiência trouxe para a sua vida, encontrou no esporte a alegria. Competir era uma alternativa à dor. Quando se realiza atividade física, libera-se endorfina, hormônio que traz a sensação de prazer e bem-estar. Segundo a psicóloga clínica Adriana Siqueira França, “a atividade física tem característica de promover o bem-estar mental, social e físico. Cada indivíduo responde de forma particular às frustrações da vida, alguns encontram conforto e esperança no esporte”. Este foi o caso da belga.
Apesar disso, em 2008, ela assinou um termo que autorizava a eutanásia.
Eutanásia
Eutanásia é a morte assistida de uma pessoa. De modo geral, consiste em uma forma indolor que abrevia a vida de um paciente.
O país de origem de Vervoort é um dos poucos países a terem a eutanásia legalmente permitida. A legislação da Bélgica prevê que pacientes em estados terminais se utilizem deste meio desde que sigam alguns ritos:
– O requerente precisa demonstrar interesse em realizar a eutanásia;
– O paciente deve comprovar o seu estado clínico com um laudo médico (estado terminal);
– Outros dois médicos, que não possuem relação com o paciente, devem atestar o laudo;
– Um psiquiatra deve acompanhar o paciente e reiterar que o mesmo está convicto de realizar a eutanásia.
Caso estes ritos sejam concluídos e houver unanimidade entre os profissionais, o médico do paciente poderá efetivar a eutanásia.
Ao ser questionada sobre o que leva o paciente a decidir pela eutanásia, a psicóloga diz que “os fatores que movem uma pessoa a considerar a eutanásia como saída para seu sofrimento passam pelo crivo pessoal de como foram interpretadas as experiências de sua vida, de qual é seu limiar de dor, e isso é aspecto singular de cada indivíduo”.
Muitas vezes em cima do pódio
Em 2012, durante as olimpíadas de Londres, subiu duas vezes ao pódio. Na modalidade T52 200m, conquistou a medalha de prata. Na mesma competição, subiu ao lugar mais alto na classe T52 100m. Já em 2015, foi campeã mundial nos 200 metros em Doha, no Catar.
Em terras brasileiras, ganhou mais duas medalhas: prata nos 400m e bronze nos 100m. No Rio de Janeiro, após os jogos olímpicos, a belga anunciou a aposentadoria. Com 37 anos, ela dizia que seu corpo já não aguentava mais.
Convivendo com as dores
Atletas de alto desempenho convivem com dores. A alta intensidade dos treinos e das competições faz com que muitos dependam de medicamentos para suprimir a resposta do corpo. A dor e a vitória estão atreladas. Quanto mais se suporta a dor, mais perto da vitória você estará. Contudo, cada um possui o seu limite, ou, em termos biológicos, limiar de dor.
Marieke convivia com as dores há tempos. Quando assinou o termo da eutanásia, ela já as sentia. Em entrevista ao El País, os médicos da ex-atleta disseram que não sabiam mensurar o quanto ela sofria. Quanto mais o estado clínico se agravava, maior era o sofrimento.
Após o Rio 2016, Vervoort chegou ao seu limite. A dor que a acompanhou por boa parte de sua vida era o motivo da decisão da eutanásia. Ao ver sua doença se agravar, encerrar sua vida tornou-se esperança. A expectativa média de vida na Bélgica é de 82 anos. Marieke, 40.
Decisão
Marieke realizou a eutanásia no dia 22 de outubro de 2019. Ela já estava convicta desde 2016. A atleta só esperava o momento certo, e ele chegou chegou.
A morte, para alguns, é algo tenebroso e que dá medo. Para a ex-atleta, ela era como a linha de chegada de mais uma corrida. A largada foi dada quando iniciou os ritos em 2008. Os dias que se passaram eram como os movimentos que aplicava nas rodas da cadeira. Ela percorreu muito mais que as distâncias das competições. Uma hora, a linha final chegaria. Ela chegou. A corrida acabou. Mas essa foi a última vez. Em vez da medalha, a recompensa é o descanso e a garantia de que não haverá mais dores.
Em memória de
Marieke Vervoort.
Lindo texto! Fiquei emocionado.