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‘Bugonia’: o reflexo satírico de uma humanidade doente | 49ª Mostra Internacional de Cinema de SP

Recheado de contrastes, longa exibe a linha tênue entre insanidade e realidade em clichê excêntrico de Yorgos Lanthimos
Por Heloisa Falaschi (heloisafalaschi@usp.br)

A rotina da CEO de uma grande empresa vira de ponta-cabeça quando é sequestrada por dois conspiracionistas que concluem que a empresária se trata de um alienígena. Bugonia (2025) introduz o espectador ao universo de Teddy (Jesse Plemons) que convoca seu primo Don (Aidan Delbis) para deter Michelle Fuller (Emma Stone), baseado unicamente em buscas de sites e vídeos não oficiais. 

O filme estreia no dia 17 de novembro nos cinemas brasileiros, porém teve exibição especial na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo durante a coletiva de imprensa. A escolha de Bugonia marcou o primeiro evento da Mostra ao retratar um mundo conflituoso, ainda mais em uma sociedade marcada por diversas guerras e conflitos políticos. A exibição de filmes com questões frequentemente presentes na atualidade representa um dos temas mais presentes na seleção das obras.

 “Você consegue ver as pessoas de outros lugares, os fatos jornalísticos de uma maneira mais humanista. Deixam de ser números e se tornam personagens. Então, a gente sempre faz questão de ter filmes sobre os grandes assuntos da atualidade.”

Renata de Almeida, diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

   A ficção com aspectos satíricos e bizarros foi produzida pela Universal Pictures e adota a típica excentricidade da direção de Yorgos Lanthimos, responsável por títulos como Dente Canino (Kynodontas, 2009), O Lagosta (The Lobster, 2015) e Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness, 2024). Um dos últimos grandes sucessos do diretor grego foi Pobres Criaturas (Poor Things, 2023), onde uma abordagem da direção de fotografia similar foi aplicada, apesar da divergência entre os temas. A obra resultou numa maior difusão do trabalho de Lanthimos, além de render quatro Oscars. Um deles foi o de melhor atriz para Emma Stone, que  retorna em Bugonia para sua quinta colaboração com o diretor. 

Com o nome em alta para amantes de filmes que tratam de temas excêntricos com abordagens inusitadas, a presença de Lanthimos na direção prometeu uma boa dose de acontecimentos inesperados. Apesar disso, poucas novidades são vistas para os acostumados com traços do trabalho do diretor, o que torna o título previsível no universo de sua excentricidade.

Entre os cinco trabalhos em que Stone foi dirigida por Lanthimos, está o curta metragem Bleat (2022) [Imagem: Reprodução/TMDb]

Embora sua divulgação tenha prometido a história de um sequestro, Bugonia envolve o espectador em uma teia de conflitos que vão além da trama inicial. De forma exagerada e brevemente cômica, o filme utiliza a sátira para denunciar a disseminação e apoio dado às notícias falsas e teorias conspiracionistas, um pesadelo recorrente na atualidade.

O filme tem estrutura bem definida, com uma apresentação clichê dos personagens centrais.  A abertura óbvia não se torna entediante devido à sua boa estruturação, com ela é possível entender características de cada personagem logo nos minutos iniciais.

A CEO de uma empresa farmacêutica é frequentemente associada à arquitetura e aparelhos que transmitem o futurismo [Imagem: Reprodução/TMDb]

A obsessão de Teddy com o rumo da humanidade é mostrada a partir de sua obsessão por abelhas. As primeiras cenas são marcadas pela sua narração enquanto pratica apicultura e expressa para Don a sua admiração pela ordem de trabalho e a repulsa com as grandes indústrias que causam a extinção dos pequenos animais.

Assim como as abelhas, o personagem que encabeça todo o plano de sequestro possui uma maneira metódica e disciplinada de trabalhar. Teddy é apresentado como uma espécie de mentor de seu primo que mostra maior lucidez quanto a ideias e teorias que se mostram lunáticas. A relação entre os familiares é um dos principais pontos da trama, pois é baseada em amor, confiança e lealdade cega. Um traço de humanidade em meio à ampla plasticidade presente graças aos elementos de ficção científica.

O caos mental que enfrentam é visível pela casa desorganizada que necessita de reparos  [Imagem: Reprodução/TMDB]

O trabalho da direção em conjunto com a direção de fotografia é excepcional. A obra relaciona cores a sentimentos para introduzir o espectador cada vez mais na atmosfera do filme e apontar realidades contrastantes. Teddy e Don são apresentados em tons quentes que podem trazer à tona acolhimento — dada a realidade fraterna vivida pelos primos — e simbolizar o ambiente agonizante onde vivem. 

Já Michelle Fuller é apresentada como um contraponto aos primos, associada aos tons frios. Isso reforça sua essência misteriosa, artificialidade e rigidez atrelada à figura de chefe bem-sucedida. Esses aspectos interagem com a narrativa, mas, por serem explorados de maneira exacerbada, abrem portas para o espectador começar a suspeitar de aspectos narrativos que serão revelados apenas no final da trama.

Os planos de câmera também internalizam quem acompanha a história. O filme utiliza amplamente o plano detalhe e o primeiro plano de modo que insere o espectador ainda mais na narrativa. De modo geral, a parte visual consegue complementar a história de forma impecável. Além disso, ela se torna a protagonista em expressar a marca de Lanthimos na direção, pois remete a outros como Poor Things.

Tanto o plano detalhe quanto o primeiro plano servem para destacar aspectos pequenos do filme e ajudam na imersão do espectador [Imagem: Reprodução/TMDb]

Outro ponto forte está na atuação. Emma Stone traz a empresária à vida com sua atuação que contém a medida certa de plasticidade e rigidez. Enquanto isso, Jesse Plemons carrega toda a estranheza, agonia e autenticidade que um personagem, melancólico e no limite da sanidade humana, como Teddy exige. 

Aidan Delbis incorpora Don como respiro esperançoso entre a frieza e a excentricidade dos demais personagens centrais. A humanidade transmitida por ele é situada entre o  infantil  e o heróico, pois carrega a inocência ao mesmo tempo que expõe a coragem de um típico arquétipo salvador.

Embora as atuações sejam de excelência, é inegável que os personagens também caem em um clichê narrativo. Desde o início, cada um é exposto em seu próprio universo, sem brechas para grandes surpresas. Tal aspecto pode não ser bem visto em filmes do cenário cult, no entanto, pode ser uma boa estratégia para filmes que buscam uma veia comercial primorosa. A maneira sólida de esclarecer a mensagem que quer deixar ao espectador não abre a narrativa para múltiplas interpretações.

Em contrapartida, a boa parte do filme, a trilha sonora sai do esperado, principalmente para o trabalho de Lanthimos que é majoritariamente orgânico e simples. Com sons graves e marcantes, a trilha sonora gera tensão e chama a atenção dos espectadores, em alguns momentos pode até os assustar. Além disso, auxilia na imersão na atmosfera caótica da narrativa e destaca os elementos de suspense presentes no filme. 

A trilha sonora conta com músicas populares como Basket Case do Green Day e Good Look Babe da Chapel Roan [Imagem: Divulgação/Universal Pictures]

Com o equilíbrio entre o cômico e o sombrio, o filme traça grandes fantasmas da atualidade e critica de maneira sábia aspectos como a desigualdade social, a alienação por teorias conspiracionistas e a impunidade de grandes empresários. Durante a narrativa, Teddy utiliza o artifício da não humanidade de Michelle  para justificar à Don a violência praticada contra ela. Embora seja exposto de modo excêntrico, isso demonstra o esforço de grupos com ideais opostos a desumanizar o lado oponente.

Por fim, apesar de ter uma grande distribuidora, elenco e direção que já tenham relevância na indústria cinematográfica, parece querer se disfarçar de uma produção pequena. Por isso, o público deve ficar atento para não categorizar o filme como uma obra independente ao observar sua história e estética excêntrica. 

Bugonia levanta uma tese e abordagem rara sobre o domínio da humanidade pela terra, mas a exposição da fragilidade dos humanos e da sua ausência de controle total do universo salienta o verdadeiro caráter da obra: a violência entre indivíduos da mesma espécie e reforça que todos terão o mesmo final.

Esse filme faz parte da 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Confira no site oficial as sessões disponíveis. Para mais resenhas do festival, clique na tag no começo do texto.

Confira o trailer:

*Imagem de Capa: Reprodução/IMDB

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