A pandemia da covid-19 mudou as formas de relação das pessoas com o mundo e entre si. O medo de um inimigo invisível, somado ao isolamento social, alterou o dia a dia da população, e, depois de dois anos, pode deixar suas marcas no comportamento humano. Fazer uma prova importante, falar em público, ir para um primeiro encontro. Todas essas situações podem desencadear a mesma sensação: a ansiedade.
“A ansiedade faz parte da vida das pessoas e todo mundo tem ansiedade em alguma medida”, explica Alessandra Bolsoni, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Esse sentimento possui certo valor de sobrevivência nos humanos e faz parte da vida, porém, se traz compromissos funcionais a um indivíduo na sua rotina, passa a ser um problema.
No caso de ansiedade social ou fobia social, os compromissos funcionais estão relacionados a contextos de relações e interações sociais. O indivíduo sente medo excessivo de ser julgado por suas falas e ações, o que pode causar sofrimento psicológico, assim como podem ocorrer sintomas físicos, como palpitações cardíacas, rubor (vermelhidão na pele) e sudorese. Os casos são caracterizados como fobia social após seis meses de ansiedade persistente em contextos de socialização.
Para essas pessoas, as situações sociais podem até ser enfrentadas, porém com extremo desconforto, por isso é mais fácil evitá-las. “Se por um lado eu me livro das interações sociais ou de outras situações que me deixam preocupada, o isolamento me dá o conforto, pela esquiva da ansiedade, mas também me tira coisas boas que as relações sociais me dão”, diz Alessandra, e afirma que depressão e ansiedade podem ocorrer em comorbidade nos quadros de fobia social.
O que a pandemia tem a ver?
Segundo pesquisa publicada na revista científica The Lancet, houve um aumento global dos casos de depressão e ansiedade durante a pandemia em 2020. “O grau, a intensidade do afetamento [da pandemia] é variável, porque as pessoas têm formas de enfrentamento, condições sociais, culturais e econômicas diversas. Então, é muito difícil fazer um apontamento genérico”, explica Maria Júlia Kovács, professora sênior do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo (USP).
Ambas as professoras, Alessandra e Maria Júlia, citam as incertezas da pandemia como possíveis fatores ansiogênicos (capazes de gerar ansiedade): o medo do vírus, o isolamento social, ter que lidar com luto e ajustar a rotina dentro do contexto pandêmico.
Quanto às mudanças nas interações sociais durante o período – principalmente as relacionadas à troca da vida presencial para a vida digital –, essas também afetaram a ansiedade. Cristine*, jovem que sofre de fobia social, conta que sentiu impactos nas suas interações por causa do isolamento. “Acho que o meu desenvolvimento social foi muito afetado durante a pandemia. Vai ser bastante complicado para me adaptar novamente, até eu conseguir me desinibir, até me sentir confortável perto das pessoas”, diz. Ela relata que em interações com pessoas estranhas, ou até mesmo familiares, se sente estressada e sem conseguir se expressar direito, com medo de ser julgada ou não corresponder às expectativas dos outros.
Porém, ao contrário do caso de Cristine, pessoas que já sofriam com a fobia social antes do início da pandemia podem ter encontrado no isolamento social um conforto e até uma facilidade maior de se comunicar através de redes sociais.
A volta à vida presencial
O conforto encontrado no isolamento pelas pessoas que sofrem de ansiedade social pode ser quebrado com a volta da “rotina normal” presencial, ou no caso de desconforto contínuo, piorado.
Alessandra explica que o melhor tratamento para fobias ou ansiedade é a exposição, que é a pior situação para as pessoas que sofrem desses transtornos. No caso da ansiedade social, em que há um medo irracional de ser julgado, colocar-se em situações sociais pode mostrar que talvez esse medo não tenha fundamento. “Se ao voltar a se expor em situações sociais, se ao começar a se arriscar novamente e nada de horrível acontecer, a tendência é esse medo ir se dissipando”. No entanto, é possível que as pessoas que sofrem com ansiedade social necessitem de apoio psicológico para tais ações.
Essa exposição pode ser feita aos poucos, ou até mesmo de formas alternativas, para aumentar o repertório de solução de problemas dos indivíduos frente a diferentes situações que causam ansiedade. Mas ainda há pessoas que precisam de acompanhamento psiquiátrico simultaneamente. Alessandra reafirma que “para as pessoas que têm muita dificuldade de se ajustar ao retornar à vida presencial, procurar ajuda profissional pode ajudar a se sentir bem e ter a ansiedade sob controle”.
É importante ressaltar que sentir ansiedade em interações sociais presenciais não necessariamente configura um transtorno, afinal todos podem sentir ansiedade em determinados momentos. E situações sociais, das quais grande parte das pessoas foram privadas durante a pandemia, podem ser mais difíceis para todos com o fim das restrições sanitárias. “É preciso muito cuidado em tentar diagnosticar alguém com fobia social ou qualquer outro transtorno social e em entender os processos que cada pessoa tem em se adaptar às novas situações que se apresentam”, diz Maria Júlia.
*Nome fictício para preservar a identidade do entrevistado.