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Animações para gente grande: quando nostalgia e maturidade se encontram

Com humor irônico e temáticas pertinentes, séries animadas de grandes estúdios fazem sucesso entre o público adulto.

O bloco de animações adultas da Cartoon Network, Adult Swim, completou 20 anos de fundação no ano de 2021. Responsável por apresentar algumas das mais populares séries entre o público adolescente e adulto, o Adult Swim representou um dos pilares desse tipo de produção entre as décadas de 1990 e 2000 na televisão e continua o seu legado até os dias de hoje. Ao lado de outras grandes empresas como a MTV e, atualmente, a Netflix, o Adult Swim incorporou um tipo de humor disruptivo que foi responsável por reverter os estigmas de que a animação é necessariamente infantil. Mas como esses grandes estúdios fizeram isso?

Em entrevista ao Sala33, Marcos Junior, professor de animação e mestre em Comunicação Audiovisual, explica: “nos anos 1990, havia a MTV, que era um [canal de] televisão mais disruptivo, mais contracultural”. Tendo em vista que as crianças eram o grande mercado consumidor de produções animadas e algumas características não eram comuns, ou mesmo bem vistas, nos canais abertos (como o uso explícito de palavras de baixo calão) a MTV representou uma ruptura nesses comportamentos com a sua programação. “E havia a Warner, que queria ter a sua própria propriedade intelectual. Então, ela comprou todos aqueles desenhos antigos [produzidos pela Hanna-Barbera Productions e adquiridos pela Cartoon Network, que foi comprada pela Warner em 1996] e também acaba abrindo o Adult Swim, esse espaço para fazer animação fora do horário nobre.”

No entanto, Marcos conta que Os Simpsons (The Simpsons, 1989-), produzida pela Fox, foi a grande responsável por popularizar as animações entre um público mais velho, além de estimular a discussão sobre produções desse gênero. O professor explica esse processo de mudança salientando que o debate sobre quais animações são para adultos e quais são para crianças inicia propriamente nos anos 2000. Contudo, alerta para um movimento ultraconservador que surgiu em consonância com tais produções, o qual visava determinar o que era destinado a quem. Movimentos como o Action for Children’s Television, nos Estados Unidos, e o Quem financia a baixaria é contra a democracia. 

No Brasil, embora não visassem diretamente a proibição desse tipo de série, e sim o controle sobre programas e propagandas destinados a crianças, contribuíram para a disseminação da ideia de que existem conteúdos estritamente infantis, e, consequentemente, afetaram as animações adultas. Com a maior disseminação de princípios disruptivos em relação ao modelo padrão de animações na indústria televisiva, e com a popularização de Os Simpsons — o grande precursor de todos esses produtos voltados ao público mais velho —, entretanto, a visão otimista acerca da produção de animações adultas foi impulsionada.

 

Há quatro personagens animados de pele amarela em uma cama de cabeceira marrom e cobertor bege na imagem. Sobre a grande mesa cabeceira azul, há uma lâmpada laranja. O fundo é cor de rosa claro. A personagem mais à direita é um garoto de cara séria, com a parte superior da cabeça espeta
As primeiras aparições de Os Simpsons aconteceram através de uma série de curtas, transmitidos no The Tracey Ullman Show (1987-1990). [Imagem: Reprodução/Fox]

Rafael Dourado, animador e professor de animação, acrescenta que a importância da MTV para a animação no mainstream foi fundamental: “ela possibilitou um caminho para que o material não-infantil pudesse chegar até o grande público sem ficar restrito a salas de exibição em festivais ou ao mercado de home video”. Para ele, a linguagem do cartum foi também essencial nesse processo. “A animação tem um grande apelo para o público infantil justamente por, durante quase todo o século XX, ter feito parte da formação cultural e de repertório de todas as crianças. Ao buscar essa referência em situações mais distantes do universo infantil, você consegue despertar o interesse pela nostalgia e propor uma ruptura da expectativa”.

Adult Swim, MTV e Netflix

Criado em 2001, o Adult Swim surgiu como o bloco noturno de animações do canal infantil Cartoon Network, com o intuito de apresentar produções experimentais, que tinham como alvo o público adulto. Assim foi a sua primeira produção original, Space Ghost de Costa a Costa (Space Ghost Coast to Coast, 1994-2008), um talk show que unia personagens animados a convidados reais. O sucesso e os testes da programação não pararam por aí; pelo contrário, o Adult Swim foi responsável por estimular a criação de produções como Aqua Teen: O Esquadrão Força Total (Aqua Teen Hunger Force, 2000-2015), Laboratório Submarino 2021 (Sealab 2021, 2000-2005), Frango Robô (Robot Chicken, 2005-), Mr. Pickles (2013-2019) e um dos maiores fenômenos atuais, Rick and Morty (2013-), que trouxeram o humor satírico, nonsense, mórbido e existencialista também para a técnica da animação. 

 

 

O canal MTV também aproveitou a onda das animações do tipo e desenvolveu as suas próprias: desde Beavis and Butt-Head (1993-1997) e seu spin-off, Daria (1997-2002), até as produções nacionais como Fudêncio e Seus Amigos (2005-2011) e The Jorges (2007-2008). Durante os anos 2000, a MTV também foi responsável por reproduzir e popularizar no Brasil uma das mais famosas animações adultas de todos os tempos, South Park (1997-), criada pelo Comedy Central.

Contudo, embora a televisão tenha tido um papel fundamental quanto à apresentação dessas séries, elas não se limitaram a esse tipo de mídia e estenderam-se às plataformas de streaming. A Netflix, por exemplo, representa atualmente um dos grandes centros de entretenimento animado adulto, tendo em seu catálogo original títulos como BoJack Horseman (2014-2020), (Des)encanto (Disenchantment, 2018-), Tuca & Bertie (2019-), Big Mouth (2017-) e a brasileira Super Drags (2018).

 

Mas por que essas animações fizeram e continuam fazendo tanto sucesso?

Uma das características que Beavis and Butt-Head, South Park, Rick and Morty e tantas outras séries populares possuem em comum e que transcende décadas de evolução da televisão e da internet, é o humor. Desde o tom irônico e altamente crítico até as piadas escatológicas, que são aquelas que se referem a excrementos e temas obscenos, essas animações adultas são recheadas de referências e quebras de expectativas capazes de transformar milhares de adultos em fãs assíduos. Marcos Junior, que utilizou Rick and Morty como objeto de estudo em sua dissertação de mestrado, opina sobre um dos porquês desse tipo de humor ser tão efetivo: a subversão de tabus

 

A imagem é centrada em uma casa de paredes amarelas claras e quadros de cores diversas. Em cima da mesa no centro, onde os quatro personagens estão jantando, há um órgão rosa aberto e sangrando, sendo ministrado por um cientista branco de jaleco, luvas amarelas e cabelo espetado cinza. Do lado direito da mesa há um garoto branco de cabelo castanho chocado e, do lado esquerdo, uma mulher branca loira de rosa e um homem branco de verde, que aparentam serem mais velhos. Tudo é desenhado no estilo de animação.
A escatologia é um recurso bastante utilizado em Rick and Morty, desde a violência explícita até as piadas com excrementos. [Imagem: Reprodução/Adult Swim]

Marcos explica que a palavra “adulto” pressupõe tratar-se de algo maduro. A piada escatológica e sexual, por outro lado, é constantemente considerada como um tipo de humor infantil. Para o professor, o contraste entre essas duas definições pode dar origem a um tabu, que é posto à prova nesse tipo de produção animada: “quando você cria essa escatologia, essas coisas grotescas, você deixa o adulto se sentir rebelde de novo. Você constrói essa ponte, essa sensação, como se fosse uma criança assistindo a algo proibido”. Para o professor de animação, apesar de desenhos como Rick and Morty tratarem de assuntos complexos e filosóficos, eles utilizam a opção de piadas nojentas e obscenas ao seu favor. “Essa questão é um atestado: você pode ser bobo, não tem problema. Nós fizemos isso para conversar com essa sua criança rebelde aí dentro, esse ser rebelde que é louco para falar, mas que não pode”.

O humor ácido é outra grande cartada desses desenhos animados. Marcos aponta para uma das funções da arte, que é provocar, e, nesse caso, mesmo ao tratar-se de algo que gera risadas, o humor pode machucar. As críticas e reflexões proporcionadas por séries adultas animadas geralmente são duras e claras, partindo muitas vezes de estereótipos. Em South Park, por exemplo, Eric Cartman, um dos personagens principais, é o retrato de um estadunidense ignorante e preconceituoso preso em um corpo de criança. Já em Beavis and Butt-Head, os homônimos protagonistas representavam a “geração MTV”, isto é, adolescentes fúteis e preguiçosos que não faziam muito mais do que assistir à televisão o dia inteiro. “Esse humor às vezes cutuca uma ferida na sociedade que nós não queremos olhar, cutuca coisas que não queremos debater”, completa.

 

Num sofá vermelho gasto em frente a uma parede azul descascada, há dois meninos brancos desenhados no estilo animado vestindo, o da direita, shorts preto, camisa azul e cabelo loiro, enquanto sorri, e o da esquerda, shorts vermelho, camiseta cinza e cabelo castanho. Há sujeira no sofá, como caixas de pizza, e um rato cinza no chão.
Beavis e Butt-Head costumavam passar boa parte do tempo no sofá, assistindo a videoclipes e falando sobre assuntos banais e, na maioria das vezes, obscenos. [Imagem: Reprodução/MTV]

Anos 90/00 versus Atualmente

Apesar do sucesso dessas animações perdurar até o momento contemporâneo o que influenciou, inclusive, no desenvolvimento de novas produções –, porém, é possível dizer que a mentalidade e o comportamento das pessoas mudou de maneira significativa. Com o crescimento exponencial da internet e o fenômeno das redes sociais, o alto e rápido consumo de informações resultou em uma geração de adultos e, sobretudo, jovens e adolescentes, completamente transformada pelo mundo digital. 

Algumas questões e debates que nos anos 90 e 2000 não possuíam tanta visibilidade são suscitadas de maneira constante atualmente, especialmente na internet. A discussão do politicamente correto, por exemplo, embora já presente há décadas nas sociedades, não atraía tanta atenção quanto nos dias de hoje.

A partir do caráter crítico e do humor escrachado presentes nas animações destinadas ao público adulto, o debate do que se enquadraria como politicamente correto acaba sendo comumente incitado. A série Big Mouth, que aborda assuntos como puberdade e sexualidade, por exemplo, foi repudiada e acusada de pornografia infantil por grupos cristãos conservadores. Algo parecido aconteceu com Super Drags, que sofreu represálias de pais preocupados com “o consumo dos filhos e da ideologia de gênero” que estaria sendo ensinada a eles, os quais desconsideravam o fato da animação possuir classificação indicativa de 16 anos. Consequentemente, apesar de deixar claro que a série não deveria ser assistida por crianças, Super Drags acabou sendo cancelada pela produtora.

No entanto, essa problematização não se restringe a pensamentos tradicionalistas, e a desaprovação de certos temas e piadas parte também das gerações progressistas. A exemplo disso, South Park foi amplamente criticada por ativistas nas redes sociais que a acusavam de exibir um episódio transfóbico. 

 

Há quatro garotos brancos em estilo de animação parados usando roupas de frio coloridas na neve ao lado de uma placa de transito amarela comum casal correndo desenhado. No fundo, montanhas e pinheiros verdes com neve.
South Park recebeu, ao longo dos anos, diversas críticas por sua abordagem sem filtros de temas polêmicos. [Imagem: Reprodução/Comedy Central]

Marcos acredita que os jovens atualmente possuem uma percepção diferente, comparados aos jovens das décadas passadas:: “a geração atual está pronta para olhar para as camadas [de interpretação] que os artistas queriam colocar naquela época, que os telespectadores não conseguiam enxergar; só viam a primeira camada do humor”. Apesar disso, ele ressalta a importância de “saber como reclamar”, isto é, analisar a forma como a politização deve ser utilizada ao criticar obras como animações adultas. 

Já para Rafael, o surgimento de discussões como essas não significa uma maior politização da geração atual, e sim que a internet facilitou a visualização de múltiplos posicionamentos: “essas críticas sempre aconteceram, embora estivessem mais limitadas a grupos fechados ou de pouca divulgação e abrangência. Hoje, elas têm um palanque onde podem ecoar e fazer mais diferença”.

 

1 comentário em “Animações para gente grande: quando nostalgia e maturidade se encontram”

  1. Ótimo texto, uma ótima seleção de desenhos e profissionais para falar deles, Mr.Pickles é meu favorito kkkkkk parabéns pelo trabalho Du e Marcos, duas pessoas que são e foram muito importantes na minha vida!!

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