Por Gabriel Cillo
O futebol está presente em minha vida desde que me entendo por gente. Quando pequeno, era meu avô Geraldo – o velho Gera – quem me levava aos campinhos de futebol, na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo, para bater uma bola. Já meu pai, me levava ao Estádio Barão de Serra Negra, para ver o XV de Piracicaba, time local. Foi lá onde pude sentir as primeiras emoções de uma arquibancada.
Aos nove anos foi quando conheci minha maior paixão no futebol: a Sociedade Esportiva Palmeiras ou simplesmente Palmeiras, Parmera, Porco ou até Verdão. Era uma tarde de sábado ensolarada em São Paulo, quando cheguei ao entorno do antigo Palestra Itália, hoje Allianz Parque. E foi na rua Turiassu que comecei a me encantar. O canto da torcida, a fumaça verde, as pessoas se preparando para o jogo, era uma atmosfera única. Ao adentrar no estádio, subi as escadas que davam acesso ao setor da geral, me coloquei entre meu pai e meu vô para apreciar ao primeiro jogo de minha eterna paixão. Confesso que não me recordo muito bem do jogo em si, dos gols e lances, apenas do resultado. Uma vitória por 3 a 2 diante do Internacional de Porto Alegre, em partida válida pelo Campeonato Brasileiro de 2005. Mas o encantamento que a arquibancada de concreto do Parque Antártica me proporcionou, com a vibração da geral, o bandeirão sendo esticado por cima de meus olhos e tudo que envolvia meu primeiro jogo do Palmeiras, me faz entender porque eu sou apaixonado por esse esporte até hoje.
Com o passar dos anos comecei a compreender mais do jogo, suas regras e as minúcias que o cercam. Minha admiração pelo futebol se tornou obsessão e, neste ano de 2018, tive a oportunidade de viajar até a Rússia para acompanhar a Copa do Mundo. Junto do meu pai, fui a minha primeira Copa fora do meu país, considerando que estive em dois jogos na Copa de 2014 no Brasil, um em Fortaleza e outro em Salvador, também em companhia de meu velho. Entre tempo de voo mais escalas demorei pouco mais de 24 horas, um dia, para chegar até São Petersburgo, primeira das três cidades que visitei.
Como entrei na Rússia por Moscou, tive que aguardar o voo para São Petersburgo no Aeroporto Internacional Domodedovo, localizado na capital. E já lá, enquanto tentava terminar um trabalho de ética para faculdade, fui abordado por um russo. Ele tentava puxar assunto, mesmo sem saber como, com ajuda de seu filho pequeno na tentativa de uma comunicação em inglês. Perguntou-me de onde eu era e, ao descobrir minha brasilidade, logo demonstrou sua admiração pelo nosso futebol, citando nomes que não necessitam de tradução: Ronaldinho, Roberto Carlos e Neymar. Fiquei surpreso. Era apenas o começo.
Ao chegar a São Petersburgo, fui direto para o apartamento previamente reservado. Já se passava de meia noite no horário local e estava cansado da longa viagem. Confesso um estranhamento ao olhar para o céu, não estava escuro, não se tratava de uma noite aos olhos deste brasileiro, sentia falta do breu costumeiro. Mesmo considerando o horário, que já adentrava a madrugada, tive dificuldade pra pegar no sono tamanha empolgação de estar realmente na Rússia, estar numa Copa do Mundo.
No dia seguinte fui até um centro da FIFA para retirar meus ingressos e conversei com dois voluntários em especial: uma russa e um italiano. Ambos foram muito solícitos, refletindo a preocupação da entidade máxima do futebol quando se trata de seu maior evento. Deve-se ponderar que a FIFA merece todas as críticas quanto à credibilidade de seus mandatários, como Joseph Blatter suspenso por corrupção, com esquemas nas escolhas das sedes. Mas também é preciso admitir que o órgão máximo do futebol sabe cuidar de seu produto mais rentável, com extrema organização e preparo. Em todos os locais por onde os turistas passavam podia se ver placas de sinalização e um voluntário pronto para fazer o possível e o impossível para ajudar.
Chegou finalmente o dia do jogo do Brasil, nosso adversário era a Costa Rica. Ao caminhar pelas ruas de São Petersburgo, em direção ao metrô, já se via muitas camisas amarelas. Dentro dos vagões uma multidão de brasileiros tomava conta e o que se sentia era a festa que já se iniciava com o barulho da torcida. O abandono de velhas músicas – “eeeeu sou brasileiro, como muito orgulho, com muito amooor” – me agradava. Agora o que se ouvia era algo mais criativo. Com canções que arrepiavam, pensadas pela torcida “Movimento Verde Amarelo”.
Ao saltar do metrô fui apenas seguindo o mar amarelo de gente e, nas imediações do estádio, foi que comecei a entender um pouco mais o que era o futebol brasileiro aos olhos do mundo. A todo o momento alguém pedia uma foto comigo e meu pai. Foram várias, de todos os pontos do estádio e ângulos, com todas as nacionalidades possíveis. O pedido de foto era simplesmente por sermos brasileiros e estarmos vestidos como manda o figurino de um jogo de Copa do Mundo.
Já dentro do estádio me sentei ao lado de um costarriquenho um tanto quanto enérgico, que a todo momento gritava “Keyyyylor”, em referência ao bom goleiro do Real Madrid e também de sua seleção, Keylor Navas. Seu nome era Franz Picado. Eu me via naquele torcedor, estava entusiasmado, era meu primeiro jogo do Brasil in loco. Com o passar dos minutos em que o placar não se mexia, o entusiasmo foi se transformando em ansiedade e certo desespero que, unidos a alguns copos de cerveja, me impossibilitaram continuar sentado. Quebrei o protocolo que pede a FIFA e que também foi o pedido de outros torcedores, chineses e costarriquenhos, que estavam atrás de mim. Não conseguia conter meus movimentos, totalmente naturais, de ver a um jogo de futebol em pé. O momento mais aguardado em uma partida de futebol veio apenas no apagar das luzes, com os gols de Coutinho e Neymar, já nos acréscimos. Ao final, minha alegria era contrastante à tristeza de Franz, aquele torcedor eufórico da Costa Rica, que me contou um pouco de como é o futebol para o povo de seu país: “Na Costa Rica amamos muito a seleção, amamos muito a democracia e amamos muito a paz. A seleção representa a vida do costarriquenho, uma vida pacífica e trabalhadora. Na realidade somos amantes da seleção de Costa Rica e vamos a todas as partes do mundo por ela”.
Após a vitória, saindo do estádio, combinei de encontrar amigos meus que também foram para a Copa. Nesse meio tempo, passado o êxtase, me veio à mente “acho que não vamos ganhar a Copa”. Resolvemos ir até a Fan Fest para assistir no telão ao jogo das 21h entre Sérvia e Suíça. Acompanhada da cantoria brasileira, a festa era, muitas vezes, em músicas debochadas sobre a seleção argentina e seus craques – Maradona e Messi – que gerou um início de confusão entre brasileiros e hermanos, logo apaziguada pelo pessoal do “deixa disso”. Felizmente não foram cenas tão frequentes durante o mundial.
A noite chegava, mas o mesmo estranhamento do dia em que desembarquei me continha, o sol ainda brilhava. A diferença entre horas de luminosidade e escuridão era algo perturbador, ocasionando a perda da noção de tempo, e consequentemente tardando a volta para o apartamento ao final de cada dia.
Segui viagem para Moscou, local da terceira e última partida do Brasil na fase de grupos. Cheguei após enfrentar 8 horas de trem. Logo me deparei com algo que encontrei apenas uma vez em São Petersburgo: a pobreza, a mendicância. Foi um momento em que a realidade me veio à tona. A atmosfera criada pelo Mundial me fazia fugir e esquecer, por um momento, da realidade, a qual retomei após esse choque. O questionamento sobre a verdadeira Rússia veio em cheio. Estava presenciando um país maquiado pelo Mundial, para que a opinião internacional sobre a ex-república soviética mudasse?
No primeiro momento quis conhecer a famosa Praça Vermelha, monumental e bela como poucos lugares do mundo. Representando o poder do antigo Império Soviético e de seus Czares. Lá me sentia novamente um pop star. Não podia estar com qualquer adereço do Brasil, de camisa até um simples chapéu ou boné, que era motivo de seguidas vezes ser parado para uma nova foto. A mais espantosa, dentre centenas ou até dezenas, foi quando uma família do Uzbequistão deu um bebê de colo em mãos de um brasileiro, que me acompanhava, para o registro.
Em Moscou foi onde pude perceber o quanto estava errado sobre o povo russo. Quase todos foram extremamente educados, atenciosos e sempre, mesmo com o conflito de idiomas evidente, procuravam me ajudar quando estava perdido a procura da estação de metrô mais próxima. E é claro, sempre muito generosos, oferecendo uma dose de vodka. Não sei se foi a atmosfera de Copa, com a seleção da casa progredindo até fases mais agudas, unida a vontade da população em mudar a visão do mundo sobre seu país, mas me surpreendi com a recepção.
Como não consegui ingresso para o jogo contra a Sérvia aproveitei mais a festa e a bagunça. Acompanhei o jogo da Fan Fest de Moscou. Logo na entrada, semelhante a muitos pontos turísticos que visitei, enfrentei um esquema de segurança com detector de metais e revista um pouco mais rigorosa do que estou acostumado no Brasil. Reflexo claro das tensões políticas que envolvem o governo Russo e as possíveis ameaças de atentados terroristas.
Com o Brasil classificado em primeiro do grupo, o jogo das oitavas seria em Samara, diante do México. Desta vez estaria no estádio. Chegando próximo ao local do jogo, estranhei o ambiente. Estava no meio do nada, apenas gramado em todo o entorno. Suspeitas claras de corrupção e superfaturamento, críticas que não são exclusividade do governo brasileiro. Dentro do estádio o que se via e ouvia era a torcida mexicana, uma das mais presentes e alegres do mundial. Eu estava tenso, por sorte estava na grade, na primeira fileira e pude assistir a toda a peleja como bem entendesse. Fiquei de pé durante os 90 minutos. O primeiro gol de Neymar no início do segundo tempo me tranquilizou, mas logo já estava impaciente na espera do segundo. Foi quando Roberto Firmino “dos dentes brancos” colocou a bola no fundo das redes que o estádio veio abaixo. Comemorei um gol do Brasil com o sangue fervendo e não pude me conter:gritava e abraçava todos ao meu redor. Meio estranho e inacreditável vibrar tanto por uma seleção que não é tão próxima como meu time de coração.
Já a caminho do aeroporto para pegar o rumo de casa, pensava sobre a experiência única que vivi. E pude organizar meus pensamentos sobre a minha paixão pelo futebol. A emoção de estar como um torcedor em uma Copa do Mundo é algo único e que me aproximou da seleção brasileira, visto que nunca imaginei vibrar e torcer como fiz em solo russo. A seleção nunca vai alcançar o mesmo patamar da relação que construí com o Palmeiras, meu time do coração, mas minhas emoções me surpreenderam. Um segundo ponto que continuo a defender após o mundial é a facilidade em apontar o futebol como “pão e circo”. O senso comum criado de que o futebol é um artifício de manobra, utilizado para alienar o povo é algo muito simplista. Afinal, o futebol faz parte da cultura do brasileiro e é apenas um reflexo da sociedade em que estamos inseridos e todos os seus vícios. O indivíduo pode apreciar o futebol ou qualquer outro esporte e ainda ter consciência política. A consciência do superfaturamento da Copa no Brasil e da Copa na Rússia, como o conhecimento dos escândalos que envolvem CBF e FIFA com ações escrachadas de má fé de seus mandatários, não impedem que o futebol tenha sua simbologia como manifestação cultural do brasileiro. O futebol não é o ópio do povo. O futebol mobiliza as pessoas e as massas.