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A interrupção de uma história?

  Refugiados palestinos de Mogi das Cruzes buscam ajuda para retomar suas vidas Por Marina Salles Teixeira marina_salles_@hotmail.com Colaboraram Talita Nascimento e Teresa Perosa Chega a guerra e com ela a necessidade de sair de um território que foi cenário de uma vida por anos a fio. A construção de uma nova história em outro …

A interrupção de uma história? Leia mais »

 

Refugiados palestinos de Mogi das Cruzes buscam ajuda para retomar suas vidas

Por Marina Salles Teixeira
marina_salles_@hotmail.com

Colaboraram Talita Nascimento e Teresa Perosa

Chega a guerra e com ela a necessidade de sair de um território que foi cenário de uma vida por anos a fio. A construção de uma nova história em outro lugar? Difícil. Novos costumes, um novo idioma, vidas sem rumo na esperança de recomeçar. Passado, presente e futuro não se cruzam mais, fazem parte de outro universo. A única certeza que esses refugiados levam na ínfima bagagem é a de que dali por diante terão que dar um novo propósito à sua vida se quiserem continuar.

Uma questão de escolha

Ele tem 65 anos e desde os dois já sabe o que é ser um refugiado. Ghazi Shahin nasceu na Palestina, e em 1948 foi obrigado a se mudar para o Iraque. Intensificava-se a discussão sobre se criar o Estado de Israel, reduto judeu em território palestino. Ghazi trabalhava como músico de Saddam Hussein, sendo reconhecido por suas canções em todo o mundo árabe.  Em 2003, com a queda de Saddam e a invasão norte-americana ao Iraque, ele teve como destino o campo de refugiados de Ruweished, no deserto da Jordânia. E, quatro anos e meio após a desativação desse acampamento, junto com um grupo de 57 palestinos, veio para o Brasil, chegando a Mogi das Cruzes, no estado de São Paulo.

 

Refugiados palestinos chegam ao Brasil em 2007
Clima de comemoração na chegada de dos refugiados à Mogi das Cruzes (Foto: Reuters)

 

Sua filha mais nova nasceu em 1997, década em que acredita que as mulçumanas puderam começar a trocar as pesadas vestes por uns e outros trajes mais próximos da cultura ocidental. No entanto, sempre fazendo uso do véu, uma das marcas características de sua religião. Filha de Ghazi e Faten, Nour já domina o português relativamente bem, se considerarmos o tempo em que está no Brasil. A jovem faz planos de continuar seus estudos aqui.

Já seu irmão, hoje com 35 anos, casado e doutorando em Semântica Árabe, põe em dúvida as vantagens de ele próprio permanecer no país. Distante da esposa há seis meses, já que ela obteve refúgio na Suécia, ele entende que talvez os mais sensatos nessa história tenham sido seus parentes que permaneceram no Iraque.

Ghazi tem dificuldades em lidar com o novo idioma e conta com a tradução da filha para se comunicar conosco. Foi por meio dela que soubemos que o pai não sente que lhe falte alguma coisa no Brasil e que o tranquiliza o fato de estar longe das zonas de guerra, cenário com o qual conviveu desde cedo. Ele considera ainda que, no Brasil, a tolerância não só étnica, mas também religiosa, traz um convívio mais harmônico para as pessoas. Quando perguntamos se ele teria a intenção de voltar para o Iraque, Nour nos diz que a vida deles está aqui agora, que os antigos vizinhos vieram juntos para cá também em 2007 e que tem pouco sentido voltar para lá.

Na opinião da menina de 14 anos, um novo recomeço dificultaria seus estudos, uma vez que hoje ela frequenta a escola municipal da cidade e está em busca de uma reclassificação para poder cursar a série compatível com a sua idade. Nour está na quarta série do ensino fundamental e aguarda o resultado de uma prova para ser transferida para uma escola estadual, onde deverá cursar o nono ano. Bastante extrovertida, ela revela estar se adaptando bem à nova realidade e demonstra, além disso, sua satisfação com a escola e os amigos brasileiros.

No caso de seu irmão, que prefere não ter o nome citado, o desgosto em permanecer no Brasil está principalmente no fato de que a decisão de continuar ou não aqui independe dele. Empregado em uma empresa árabe de exportação relacionada ao ramo de abatedouros e frigoríficos, ele reclama da falta de mobilidade que o impede de desfrutar de melhores oportunidades de emprego, as quais já lhe foram oferecidas pela empresa em que trabalha. Impedido de viajar, ele não tem permissão para visitar a esposa ou ir ocupar postos de trabalho na Turquia, como lhe foi proposto. Para ele, não restam dúvidas da importância de retornar ao seu país de origem que, apesar de perigoso, guarda seus costumes e muitos de seus parentes. Filho de outro casamento de Ghazi, ainda tem familiares que permaneceram no Iraque e diz que gostaria muito de voltar a vê-los. No entanto, em razão da permanência de sua esposa na Suécia, seu intuito é o de refugiar-se nesse país assim que possível. Isto é, quando obtiver licença para viajar, o que embora não seja legalmente proibido, lhe tem sido negado. O artigo 39, parágrafo único do Estatuto do Refugiado, previsto na Lei nº 9474/97 prevê apenas em caso da perda da condição de refugiado o enquadramento no regime geral de permanência de estrangeiros no Brasil. Mas, na prática não tem sido assim. Por arbitrariedade ou desconhecimento da lei, as autoridades aeroportuárias não permitiram a saída do irmão de Nour do país.

Dificuldades sobrepostas

Entre os membros da família de Hossam, outro refugiado palestino do grupo, as divergências sobre o retorno ao Oriente Médio já não parecem tão claras. As preocupações desse pai de família de 40 anos são tantas que ele mal tem condições de pensar em planos futuros. Nos quatro anos em que passou aqui, Hossam diz não se lembrar de um dia em que tenha sido feliz. Hoje, ele vive com a esposa e quatro filhos em Mogi das Cruzes, sendo que dois deles enfrentam sérios problemas de saúde. O filho Ayham, de 11 anos, sofre com constantes crises de asma e não encontra atendimento médico nos hospitais bastante lotados da região. Já a filha Nouzha, de apenas um ano de idade, após ter levado um tombo e batido a cabeça, enfrenta recorrentes convulsões. Levada ao médico pelos pais, a menina foi submetida somente a uma radiografia, mas precisaria de exames muito mais específicos. Diante dessa situação e recebendo apenas 100 reais de auxílio mensal por criança, Hossam critica a iniciativa brasileira de receber refugiados, tendo em vista que o governo, em sua opinião, já não cuida dos próprios brasileiros. Ele trabalha o dia inteiro em uma lanchonete-estacionamento, que consegue manter a custo da ajuda de amigos.

Sua esposa Fátima, de 23 anos, e a irmã, Huda, de 21, reclamam da falta de vagas nas creches. Com seis filhos pequenos e sem condições de contar com a ajuda dos maridos durante o dia, em razão de ambos estarem trabalhando, elas se dividem entre os afazeres da casa e o cuidado com as crianças. Também com dificuldades em aprender o português, as mulheres gostariam de dedicar um pouco do seu tempo aos estudos.

 

Refugiados palestinos em Brasília
Huda, mesmo grávida, comparece a protesto em Brasília por melhores condições aos refugiados. (Foto: Arquivo Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino)

 

Quanto ao retorno ao seu país de origem, tanto Fátima quanto sua irmã, Huda, dizem preferir estar, na verdade, próximas de sua família, que vive agora nos Estados Unidos. Preocupadas com o estado de saúde da mãe, que precisa de uma cirurgia na perna, elas gostariam de poder ajudá-la. Já há quatro anos sem vê-la, em função da impossibilidade de viajar, as refugiadas esperam pela regulamentação de seus documentos e pela possibilidade de voltar a viver com os parentes.

A realidade da reconstrução

A vida é uma eterna construção. Para os que estão no começo, ainda na edificação dos pilares, vê-se nitidamente a esperança nos olhos. Para aqueles cujo alicerce já faz parte do passado, resta a busca pelo reencontro. E se para os mais velhos parece que se conformar é a única saída para que eles não desmoronem, então estamos muito enganados. Porque eles também precisam continuar e querem saber como podemos ajudá-los.

 

 

Vídeo mostra Gazhi reconstruindo seu passado na música em território brasileiro.

 

Quatro das famílias da comunidade palestina de Mogi das Cruzes sofrem desde 2009 com falta de auxílio do governo brasileiro, quando foram interrompidos os benefícios que custeavam seus aluguéis. O ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para refugiados), que tem como parceiro atual o CDDH (Centro de Defesa dos Direitos Humanos) e que antigamente mantinha convênios com a Cáritas Brasileira, pouco tem feito para assessorar os palestinos desde a sua chegada. As promessas feitas na Jordânia ainda não foram cumpridas. Segundo os palestinos, lhes teria sido garantido que não faltariam aqui: tratamento médico-hospitalar, assistência jurídica, aulas de português, moradia e emprego. Mas o que encontraram foi bastante diferente.

Um apoio contraditório

Um exemplo da deficiente assistência médica oferecida aos refugiados foi o ocorrido com a mãe de Hossam, que não resistiu a mais de três meses sem tratamento e veio a falecer no Brasil. Com sérios problemas na coluna e sem dispor de uma cama adequada para evitar complicações no seu quadro de saúde, ela foi levada a dormir no chão para não ter que deitar-se no colchão de espuma, completamente inadequado às suas necessidades. Dessa forma, acabou por desenvolver uma pneumonia, que sem os devidos cuidados resultou em seu falecimento.

Além disso, a resolução do problema de moradia é de extrema urgência para os refugiados. Muitas famílias correm o risco de serem despejadas, já que seus fundos para o pagamento de aluguel foram cortados. Uma alternativa de longo prazo, no entanto, também lhes foi negada. A possibilidade de inclusão dos refugiados no programa brasileiro Minha Casa, Minha Vida não é viável, segundo um decreto emitido em novembro de 2010, pelo prefeito de Mogi das Cruzes. Em nota, a prefeitura da cidade afirma que para fazer parte do programa é necessário ser “brasileiro nato ou, se estrangeiro, ser detentor de visto permanente no Brasil”, condição que nenhum dos refugiados de Mogi das Cruzes ocupa.

Outro problema enfrentado pela comunidade é a assistência aos idosos. O recebimento de um salário mínimo mensal do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) está sendo negociado para pelo menos três refugiados com mais de 65 anos, que hoje contam com o auxílio dos mais jovens para sobreviver. A assistência, no entanto, não chega sem que seja necessário recorrer em outras instâncias, o que demonstra o descaso das autoridades competentes no auxílio a essas pessoas. O Ministério Público Federal está em busca de uma liminar para adiantar o processo de recebimento desse benefício, uma vez que esses idosos têm muitos custos com que arcar, principalmente relacionados às questões de sua saúde.  O INSS regulamenta que apenas estrangeiros naturalizados recebam o benefício.

Partindo do zero

A dificuldade em encontrar emprego é outro desafio encontrado pelos refugiados. A falta de reconhecimento de seus diplomas implica na busca por vagas que exigem menos qualificação e o fato de muitos não dominarem o português os distancia ainda mais do mercado de trabalho nacional. Ghazi Shahin era diretor de Teatro e Cinema em Bagdá e hoje está desempregado. Quando de sua chegada, tentou abrir um restaurante que, todavia, já não existe mais. Em razão do alto preço dos ingredientes, ele não conseguiu manter seu negócio aberto. Ghazi espera por uma vaga em uma empresa do ramo de frangos que ao que tudo indica irá contratá-lo. Já seu filho, doutorando em Semântica Árabe, foi admitido em uma empresa ligada ao ramo de frigoríficos e abatedouros já que, por ser mulçumano, domina determinada técnica de corte bovino que muito interessa a essas empresas. A falta do reconhecimento de seus diplomas muito aflige aos refugiados. Ghazi ganhava três salários quando vivia no Iraque e hoje, aos 65 anos, luta para conseguir um emprego que contribua com o sustento básico de sua família.

Os refugiados palestinos de Mogi das Cruzes vivem em situação de desamparo perante as autoridades. Sem condições de atender às suas necessidades, o governo brasileiro continua a receber pessoas com alta fragilidade social, se esquivando de lhes dar assistência. Como o próprio Hossam menciona em seu depoimento, não há perspectiva de se atender refugiados em um país que não cuida de seus próprios cidadãos. O desamparo à comunidade de Mogi das Cruzes se revela aos poucos em cada história interrompida, nas vidas que se seguem sem razão de ser e na espera por melhorias, senão para muito além da expectativa dos mais novos.

Como ajudar

O Comitê de Solidariedade ao povo Palestino possui uma conta, pela qual é possível fazer contribuições voluntárias, com o intuito de dar suporte e ajudar na inclusão social dessas pessoas abandonadas pelo Estado brasileiro. A proposta é que cidadãos colaborem mensal ou bimestralmente, com depósitos de qualquer valor na Caixa Econômica Federal (Agência 0350, conta poupança 013, nº 00020048-0), para atendimento das necessidades básicas dos refugiados palestinos. Mais informações podem ser obtidas por meio do endereço eletrônico de Mauro Rodrigues de Aguiar, membro do Comitê: mroag@ig.com.br.

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