[X-Men – Primeira Classe]
Um bocado de coisas aconteceu em 1963. Keneddy foi assassinado e Martin Luther King liderou uma grande manifestação em Washington pelos direitos civis dos negros. A Crise dos Mísseis em Cuba ainda estava fresca na mente de qualquer incauto e a perspectiva de uma guerra nuclear povoava as paranóias das pessoas mundo a fora. Foi em meio a esse cenário que Stan Lee e Jack Kirby lançaram o primeiro número de “Os Fabulosos X-Men – os mais estranhos super-heróis de todos”.
Liderados por um telepata milionário, um grupo de adolescentes meio desajustados aprendia a controlar seus poderes e usá-los para proteger a humanidade contra os planos de mutantes mal-intencionados. Os X-men clássicos: Garota Marvel (Jean Grey), Ciclope, Anjo, Fera e Homem de Gelo.Eles eram os filhos do átomo, o próximo passo na cadeia evolutiva, os Homo sapiens superior…e uma mina de ouro.
Desde sua criação, os X-Men sempre foram sinônimo de boas vendas – se os títulos X (e eles são muitos, acreditem) vendem pouco, é porque algo vai mal com a indústria. X-MEN é sinônimo, também, de bilheteria polpuda: X-men, o confronto final, faturou US$45 mi na estreia. Wolverine, US$ 35 mi só no primeiro dia.
Não é de se surpreender, portanto, que a Fox queira continuar a explorar esse filão. Chega aos cinemas nessa sexta-feira, X-men – First Class (X-men – Primeira Classe). Com direção e roteiro de Matthew Vaughn ( Kick-Ass) o filme, ambientado em 1962, reconta a história da primeira turma de alunos do Instituto Xavier. Os fãs antigos vão torcer o nariz para a salada cronológica. Quem pouco sabe da história original – ou conseguir superar os preconceitos – vai curtir o filme, que acerta nas cenas de ação, mas peca na escolha dos atores.
Repaginando
Prestes a se formar como geneticista, Charles Xavier é um jovem telepata especialista em mutações. A única a saber de seu segredo é a também mutante Raven – a Mística, sua “irmã adotiva”. Seus dias mudam quando ele é procurado por Moira Mctaggert, uma agente da CIA envolvida em investigações sobre o Clube do Inferno, uma confraria de mutantes liderada por Sebastian Shaw.Shaw quer ver declarada uma guerra entre os USA e a URSS de modo a por fim à humanidade, para que os mutantes herdem o mundo. Para isso, seu plano inclui a instalação de mísseis nucleares em Cuba (!). Anos antes, porém, ele esteve por trás de macabras experiências genéticas em campos de concentração nazistas. Umas de suas cobais? Erik Lehnsherr, o futuro Magneto.
Os destinos de Charles e Erik se cruzam em meio à corrida em busca de Shaw. Juntos, os dois assumem a missão de percorrer o mundo recrutando novos mutantes. É assim que Angel, Destrutor, Banshee e Darwin surgem na trama.Unindo-se a Raven e Hank McCoy (Fera), um jovem cientista , eles passam a compor a primeira turma de X-Men.
E o circo está armado. Vaughan mostra, desde a primeira cena, que quer autonomia. Sua decisão de fazer a história recuar à década de 1960, quando a revista surgiu, é acertada, e rende ótimos cenários com cara de anos 50. Moira, como agente secreta, bem poderia ser confundida com uma Bond Girl audaciosa e emancipada.
A autonomia em relação aos quadrinhos também é grande: criar Xavier e Mística sob o mesmo teto é sacrilégio capaz de despertar o ódio no fã mais pacífico. Em lugar de seguir a cartilha, o diretor prefere recuperar referências diversas, muitas roubadas da recente fase de Grant Morrison à frente dos mutantes. Assim, surgem uma Emma Frost com pele de diamante e um Fera de feições felinas.
Caindo em contradição
Até aí tudo vai bem – filme é filme, não precisa estar subordinado à HQ. Mas essa já é a quinta película da franquia, e certas decisões de Vaughn criam incoerências internas de difícil explicação. É sabido que Erik e Charles brigam e se tornam grandes inimigos já no final de First Class. Como então explicar os dois, já maduros, recrutando Jean Grey em “X-men, o confronto Final”? E Moira, que de agente secreta em um, transforma-se em geneticista no outro?
O grande problema de X-men – First Class é o fato de ele não ter sido pensado em conjunto com os demais filmes da franquia. Alguns personagens caem em contradição, outros são inutilizados sem chances de recuperação. Trata-se de uma repetição dos defeitos dos filmes anteriores – nada me tira da cabeça que a sequência de X-men – O Confronto final não veio pela dificuldade de pensar uma saída para Xavier, cuja mente ficou presa em um corpo que não era o seu.
Vaughn também comete certos excessos que beiram a cafonice, como dividir a tela em quadros que emulam uma página de quadrinho. Sua direção espirituosa e metalingüística caiu como uma luva para a incoerência de Kick-Ass, mas soa fora de lugar em X-men. Além disso, quem se deixa convencer pelo frágil James McAvoy na pele de Xavier? O grande acerto do elenco fica por conta de Janniffer Lawrence (indicada ao Oscar por Inverno da Alma), impecável no papel de Mística. E de January Jones, roubando suspiros nos trajes exíguos de Emma Frost.
Apesar dos deslizes, e à revelia dos acertos, X-Men – First Class é certeza de boa bilheteria. As cenas de ação e o roteiro, ágil e bem amarrado, seriam garantias suficientes de sucesso. A Fox só precisa perceber que, a não ser que passe a planejar a série como um conjunto, hora ou outra os 48 anos de história vão esgotar suas possibilidades. O resto, pode deixar por conta do gene X.
Por Rafael Ciscati