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A marginalização de batalhadoras: o descaso com o futsal feminino

Rafael Paiva A discriminação de gênero não está presente somente no futebol de campo. Nas quadras, o descaso em relação às façanhas conquistadas e às dificuldades enfrentadas pelas mulheres é ainda mais tangível. Ao mesmo tempo em que as principais equipes masculinas de futebol de salão têm seus jogos transmitidos pelos tradicionais canais de esporte …

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Rafael Paiva

A discriminação de gênero não está presente somente no futebol de campo. Nas quadras, o descaso em relação às façanhas conquistadas e às dificuldades enfrentadas pelas mulheres é ainda mais tangível.

Ao mesmo tempo em que as principais equipes masculinas de futebol de salão têm seus jogos transmitidos pelos tradicionais canais de esporte e os maiores craques faturam boas quantias ao longo de suas trajetórias profissionais, as jogadoras brasileiras seguem postas à margem.

Desde 2010, ano em que o primeiro “Torneio Mundial de Futsal Feminino” foi disputado na Espanha, a seleção nacional sagrou-se campeã em todas as edições (seis no total). Apesar desse feito único, muitas atletas são obrigadas a travarem lutas diárias para se manterem na profissão.

Para falar um pouco sobre a situação da modalidade no Brasil e no mundo, assim como das dificuldades da carreira futebolística, o Arquibancada entrevistou a jogadora do Atlético de Madrid (ESP), Ariane Nascimento, que representou o Brasil em inúmeros mundiais.

Ariane Nascimento em ação pela seleção brasileira (Reprodução/Facebook Oficial da Atleta)
Ariane Nascimento em ação pela seleção brasileira (Foto: Reprodução/Facebook Oficial da Atleta)

Arquibancada – Quando o futsal apareceu em sua vida e em qual momento você percebeu que era a área na qual atuaria profissionalmente?

Ariane – O futsal sempre esteve presente desde minha infância, quando jogava nas ruas do meu bairro com meu irmão e vizinhos. Logo quando completei meus 10 anos de vida, descobri uma escolinha de futsal numa pracinha perto de minha casa e ali comecei a treinar duas vezes na semana. Logicamente, com todas as limitações de uma escolinha sem recursos, de quadra “caracachenta”*, mas treinava com meninas e mulheres, o que já era uma novidade para mim.

*ruim

Arquibancada – Os caminhos nas divisões de base são amplos ou os acessos são muito restritos? Como foi a sua trajetória na juventude?

Ariane – Como expliquei anteriormente, aconteceu que em uma pracinha perto de minha casa tinha uma escolinha de futsal feminino. Tive sorte em encontrá-la e posso te dizer que, na minha época, os acessos eram restritos. Hoje, vejo que as escolas já tem projetos de futsal feminino e a modalidade vem sendo mais fomentada no Brasil.

Ainda assim, recebo muitas mensagens de meninas brasileiras que não encontram projetos que possam atuar e me pedem ajuda. Ou seja, ainda hoje há restrições no caminho de quem quer seguir essa profissão. Todavia, não vejo grandes investimentos na base do Brasil, não há uma “Liga” organizada nem de maneira regional. Seria importante que houvesse um inicio e iniciativa de empresas e prefeituras. O esporte muda a nossa vida.

Continuando com minha trajetória, depois de entrar nessa escolinha do meu bairro, fizemos alguns jogos e torneios e, novamente, tive a sorte de um técnico de uma grande equipe me ver jogando. Foi aí que a “profissão” começou a tomar forma de verdade. Fui convidada a participar dos treinos da equipe desse treinador e participar de torneios de nível nacional – o que impulsionou a minha carreira.

Arquibancada – Do instante em que você se tornou profissional até hoje, quais foram os principais avanços do futsal feminino brasileiro nos quesitos estruturais e de visibilidade?

Ariane – Com a chegada das redes sociais aumentou a visibilidade, mas ainda é feita de uma forma amadora. Os jogos e as notícias, acompanhamos pelas páginas e perfis de nossas companheiras, são poucos clubes que investem nesse tipo de marketing e que dispõem uma página oficial com acesso aos jogos, por exemplo. Isso ainda não é feito.

Mas o Brasil tem se preparado melhor quanto ao tema de organizações de competições. A CBFS e as federações têm que se unir e planejar uma “Liga” que dure mais de 5 dias, ou uma “Taça Brasil” que tenha uma duração razoável. O feminino ainda precisa de um calendário de jogos e competições. Isso faz muita falta.

Arquibancada – Você acredita que ainda existe machismo no futsal brasileiro? Por um acaso, você já sofreu algum tipo de preconceito pela escolha da sua carreira?

Ariane – Acredito e convivo com isso. Convivemos todas as jogadoras. Basta olhar no investimento que a CBFS faz para o masculino: a quantidade de competições que apoia e organiza. O feminino é, geralmente, a última opção – “se sobrar dinheiro…”.

O preconceito está em tudo! Pessoalmente, quando pequena, escutava muito apelidos desrespeitosos, mas nunca me atingiram, tive sorte!

Arquibancada – No Brasil, uma jogadora profissional consegue viver bem com o salário que recebe ou é necessário procurar outros meios de obter renda? Como é essa questão na Espanha?

Ariane – Primeiro eu teria que saber o que é “viver bem” para você. Se viver bem é comer e estudar, sim, no Brasil isso é possível. Mas se você não for para uma seleção brasileira, ou campeonatos internacionais, e não ganhar uma renda de ajuda do programa Bolsa Atleta, por exemplo, é complicado ter um carro, uma casa, TV por assinatura, telefone com internet ilimitada etc.

O salário de uma jogadora não proporciona muitos confortos, o futsal feminino tem que andar vinculado com uma universidade para que possamos, então, nos educar e seguir com uma profissão mais digna. [Logo], ao final, se tem que procurar outros meios de incrementar a renda.

Na Espanha não é muito diferente, o salário é “mais gordo” – por assim dizer e o custo de vida mais baixo. Sobra muito mais no final do mês. Todavia a mentalidade do espanhol é que o futsal é um hobby e não uma profissão.

A maioria das jogadoras espanholas tem outra profissão e elas creem que isso deve ser assim. Muitas jogadoras não têm contrato profissional, apesar da “Liga Espanhola” ser muito bem organizada e durar o ano inteiro, o trabalho e estudos vêm na frente. No Atlético de Madrid, isso muda um pouco. Aqui são mais exigentes em questão de disponibilidade para treinos e viagens, mas não são restritos, sempre há flexibilidade quanto a problemas com trabalho ou estudos. (Vê como o machismo entra em todas as áreas?! A equipe de futsal masculino de Madrid é toda profissional e os rapazes não tem outro trabalho para complementar renda).

Ariane Nascimento com o uniforme de seu atual clube (Foto: Reprodução/Facebook Oficial da Atleta)
Ariane Nascimento com o uniforme de seu atual clube (Foto: Reprodução/Facebook Oficial da Atleta)

Arquibancada – Até o momento, o Brasil ganhou todos os mundiais disputados, no entanto, em poucos casos, as vitórias tiveram uma ampla repercussão nacional, diferente dos êxitos obtidos pela seleção masculina. Como você reage a essa questão da desproporcionalidade do reconhecimento?

Ariane – Infelizmente, estamos nos acostumando, o que acho muito ruim. Mas brigar por reconhecimento é muito difícil, porque não depende de você e de seus resultados, depende da interpretação do outro.

Um título masculino é mais valorizado que um título feminino na nossa sociedade, o que mais podemos fazer além de sair ganhando tudo sempre? O feminino tem inúmeros recordes, nunca perdemos um jogo e, se não me engano, empatamos somente um.

Precisamos de mais atenção da mídia, de mais credibilidade por parte das organizações que nos apoiam, de mais iniciativas privadas que nos patrocine. Precisamos, na verdade, que a mentalidade mude e que a sociedade empodere a mulher como merece – e a luta continua.

Arquibancada – Em 2014, a Confederação Brasileira de Futebol de Salão (CBFS) chegou a anunciar que a seleção feminina não disputaria o Mundial, na Costa Rica, em virtude da falta de recursos. O que passou pela sua cabeça até a confirmação da participação da equipe?

Ariane – Ficamos muito tristes, ainda mais sabendo que a masculina havia sido confirmada em suas competições e que estava fazendo jogos amistosos. Mas essa notícia serviu para que as jogadoras se unissem em prol de justiça e que houvesse um “reboliço” nas redes sociais.

Conseguimos, com esforços individuais, patrocínios e apoios com marcas e amigos. Ao final, ganhamos o Mundial e saímos de cabeça erguida. Os meninos da seleção nos ajudaram e isso fez uma grande diferença. São grande atletas e pessoas. Com o apoio deles, nossa mensagem chegou a mais pessoas que se sensibilizaram com a situação de diferença entre o masculino e feminino adotada pela CBFS daquela época.

Arquibancada – Como você enxerga o crescimento da modalidade no mundo? As adversárias estão se aproximando da equipe brasileira ou a diferença de qualidade segue gritante?

Ariane – O futsal feminino vem crescendo e, ouso dizer, a passos largos. Países que nem tínhamos notícias de campeonatos e ligas estão começando a se organizar. Estamos vendo um movimento grande de jogadoras e equipes. Esse ano vai haver um torneio de “Mundial de Clubes” nos Estados Unidos e a FIFA veio com a notícia de uma “Champions League Feminina de Futsal”.

Creio que a seleção brasileira ainda é favorita, onde quer que jogue, mas as “distâncias” estão diminuindo. A Rússia perdeu somente de 1×0 no “Mundial Universitário” desse ano. A seleção de Portugal é muito forte e a Espanhola não fica atrás.

O que temos de distinto é a forma que encaramos cada jogo. As brasileiras têm um “quê” a mais. [Entretanto], com os intercâmbios que estão sendo feitos mundialmente, esse “quê” está sendo espalhado e aprendido por atletas de outras nacionalidades, [as quais] aumentam o nível de suas seleções.

Arquibancada – Quais são as principais diferenças entre os campeonatos organizados no exterior – com destaque para a Liga Espanhola, na qual você atua – para os que são disputados aqui? Há um cronograma anual no nosso país ou os torneios acontecem de modo esporádico?

Ariane – A principal diferença é a organização. A Liga Espanhola dura 10 meses, com jogos todas as semanas. Temos um calendário anual com os jogos, treinos e competições. Isso é muito motivador. Ademais, a visibilidade é maior. Somos reconhecidas pelas ruas e é bacana receber o carinho dos torcedores – apesar de ainda não ter a proporção do masculino. Aqui também há uma associação de jogadoras que pressiona a “Real Federação” pela igualdade de imagem, o que não chegamos no ideal, mas é um órgão que nos ajuda.

No Brasil, não há um calendário anual de competições organizado pelo órgão maior, a CBFS. Houve um ano em que anunciaram que não haveria “Liga”, isso que ela durava duas semanas…

Falta organização e incentivo, é assim que vejo, apesar das melhoras nos últimos anos.

Arquibancada – O tratamento recebido pelas jogadoras na Europa é melhor do que no Brasil?

Ariane – Eu só posso responder por mim e, aqui, fui muito bem recebida, sim. Fui tratada como uma mulher independente, profissional – que é o meu caso. Há um respeito maior quanto à mulher, sua vida pessoal não é “supervisionada” pelos treinadores e há mais liberdade.

Tampouco posso dizer que não fui bem tratada no Brasil. Todos os clubes que passei me respeitaram como atleta. Contudo, a visão quanto à vida pessoal de uma atleta é diferente. Geralmente os brasileiros tentam controlar um pouco mais.

Arquibancada – Qual recado você gostaria de deixar para os investidores, para os apreciadores do esporte e para as meninas que desejam se tornar profissionais?

Ariane – Para as meninas primeiro: “Nunca deixe de crer no seu sonho.” Para os investidores e apreciadores, eu digo: “Se vocês soubessem o retorno que dá empoderar e investir num projeto feminino, vocês não deixariam de fazê-lo. Digo isso pelo que vejo aqui na Espanha e no Atlético de Madrid: a mulher está na moda e ela já é independente e já controla gastos de uma vida familiar, invista nela e você terá um cliente para sempre. Somos fiéis aos nossos patrocinadores e investidores, como dizem aqui na Espanha: esto está así!

 

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