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Quando o futebol clama por liberdade

Por Carla Monteiro e Marina M. Caporrino Na última sexta-feira, 11 de março, a Gaviões da Fiel, torcida organizada do Corinthians, realizou um protesto em frente ao prédio da Federação Paulista de Futebol (FPF). Além de transparência por parte da instituição regulamentadora do futebol paulista, os torcedores da Gaviões cobraram investigações e respostas do esquema …

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Por Carla Monteiro e Marina M. Caporrino

"Ladrão, devolve o futebol do povão" (Foto: Marina M. Caporrino)
“Ladrão, devolve o futebol do povão” (Foto: Marina M. Caporrino)

Na última sexta-feira, 11 de março, a Gaviões da Fiel, torcida organizada do Corinthians, realizou um protesto em frente ao prédio da Federação Paulista de Futebol (FPF). Além de transparência por parte da instituição regulamentadora do futebol paulista, os torcedores da Gaviões cobraram investigações e respostas do esquema de corrupção no processo de licitação da merenda escola no Estado de São Paulo.

O protesto da última sexta faz parte de uma série de manifestações que a principal torcida uniformizada do Corinthians vem organizando nos últimos meses. Tudo começou no dia 25/01, no jogo Corinthians x Flamengo, válido pela final da Copa São Paulo de Futebol Júnior. Durante o confronto, os Gaviões acenderam sinalizadores, o que é proibido. A FPF puniu os torcedores impedindo-os de entrar no estádio por 60 dias. Proibida de ir aos jogos, a Gaviões decidiu convocar seus torcedores para manifestações nas ruas da capital paulista e em frente a Federação.

A torcida do Corinthians, historicamente, é engajada com as causas de cunho social, como foi o caso da lendária Democracia Corinthiana, liderada pelo jogador Sócrates. Não está sendo diferente nos atuais protestos. Os principais motivos que levaram a Gaviões para as ruas são escândalos de corrupção, valor dos ingressos, objetificação e mercantilização do futebol.

Futebol para o povo

Em conversa com o Portal Arquibancada, Fabrício, tesoureiro da Gaviões da Fiel, afirmou que um dos intuitos da torcida é inserir o povo no mundo do futebol. Por isso, eles reivindicam valores de ingresso mais acessíveis à população de baixa renda, inclusive com propostas de cotas. Além disso, Fabrício conta que acabaram com a festa e a liberdade de arquibancada. “Esse é um grito de liberdade porque 1 faixa e 7 instrumentos é um cala boca pra gente”, afirma o torcedor, se queixando das restrições impostas pela FPF a todas as torcidas organizadas do futebol paulista. Alguns cartazes também indicam desgostos com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mas primeiramente os protestos irão se dirigir a FPF, “Para conseguir chegar até a CBF, temos que começar a atacar por baixo, primeiro pela Federação Paulista.”

Um outro assunto que Fabrício tocou foi a questão dos horários dos jogos. Com faixas escrito “Futebol refém da Rede Globo”, a organizada protesta contra jogos às 22 horas no meio da semana. Tal horário, imposto pela Globo, que detém os direitos de transmissão, afasta o torcedor do futebol. Para quem vai ao estádio, surgem diversos problemas desde o horário que se encerram as atividades do metrô, até o horário que chegam em casa. O jogo às 22 horas obriga o povo a ir dormir tarde (tanto quem vai ao estádio quanto quem está em casa), sendo que essas pessoas precisam acordar muito cedo no dia seguinte. Ou seja, o torcedor acaba perdendo seu entretenimento no meio da semana.

Futebol refém da Rede Globo (Foto: Marina M. Caporrino)
Futebol refém da Rede Globo (Foto: Marina M. Caporrino)

Uma das faixas carregada pelos manifestantes dizia “Football without fans is nothing” (Futebol sem fãs não é nada, se referindo a um lema das torcidas inglesas), referindo-se exatamente à esse afastamento cada vez maior entre a torcida e o estádio. O grande problema em relação à Rede Globo, para Fabrício, é que ela trata o futebol como produto, aproximando assim consumidores e afastando os verdadeiros torcedores: “Futebol é paixão, não é produto”.

Além disso, uma das reivindicações também diz respeito à agenda dos jogos. Não ter dois grandes jogos no mesmo dia em São Paulo, ou com rotas nas quais as torcidas podem vir a se encontrar, é algo pelo qual a Gaviões está lutando também. A grande problemática dessas rotas semelhantes é a possibilidade de briga entre as organizadas. Isso é prejudicial para as próprias torcidas, para os times e também é um passo a mais para a criminalização das torcidas organizadas em São Paulo, sob a alegação de violência. Por isso, o ideal é que a agenda de jogos preveja esses encontros e não permita que eles ocorram, colocando os jogos em dias ou horários diferentes.

“Decidimos comprar a guerra não só pela Gaviões, mas por todas as torcidas do estado”. (Fabrício Pouseu, um dos diretores da Gaviões)

Algumas torcidas já tem manifestado apoio às causas, como as do Água Santa, da Portuguesa, do Goiás e mais recentemente a torcida Jovem do Santos. Além disso, Fabrício afirma que entre os torcedores do Corinthians a adesão é cada vez maior. “É cada vez mais notório que as pessoas estão aderindo às nossas causas”, comenta.

"É guerra, é guerra. Liberdade ou guerra." (Foto: Marina M. )
“É guerra, é guerra. Liberdade ou guerra.” (Foto: Marina M. Caporrino)

Repressão nos jogos

Desde o primeiro protesto nas arquibancadas, no jogo pelo Campeonato Paulista contra o Capivariano (11/02), as faixas estendidas causaram incômodo. São faixas com palavras de ordem como “Rede Globo, o Corinthians não é seu quintal”, “Cadê as contas do estádio?”, “CBF, FPF, a vergonha do futebol”, “Jogo às 22h também merece punição”. Desde então, quando as faixas são expostas há repreensão da Polícia Militar e até mesmo do árbitro do jogo – que já chegou a paralisar uma partida e pedir para a organizada abaixar as faixas.

As repreensões se baseiam numa cláusula interpretativa do Estatuto do Torcedor. O Art. 13-IX proíbe ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo. Porém, o que causa incômodo nas pessoas, não apenas entre os membros da organizada, é que nenhuma das faixas se enquadra no caráter racista ou xenófobo, ou seja, não há motivos legais para retirar as faixas da arquibancada.

“Não vamos parar”

No dia 2 de março, o presidente e o primeiro secretário da Gaviões da Fiel foram agredidos após saírem de uma reunião com representantes de outras organizadas paulistas. O episódio repercutiu entre membros não só da Gaviões, mas também das outras torcidas. Os veículos noticiosos especularam sobre uma emboscada armada por uma das rivais, especulação que foi descartada de primeira entre os membros da Gaviões.

A ideia de que algum torcedor rival fizesse isso após uma reunião que discutia exatamente a violência entre torcidas além de estranha, não condiz com a realidade. Não é coincidência que a única torcida que está cutucando o governo, a mídia e as federações futebolísticas tenha sido a única a ter seu presidente atacado. Para Fabrício, a emboscada não foi armada por uma torcida rival, mas por alguém que está muito incomodado com os protestos. Apesar do ocorrido, ele garante: “Não vamos parar”.

O caso das merendas

Uma das principais bandeiras nos protestos diz respeito ao caso das merendas. A organizada tem se posicionado duramente contra o escândalo, protagonizado pelo deputado estadual Fernando Capez (PSDB).

Capez é alvo de investigações pelo seu suposto envolvimento com esquemas de superfaturamento nas licitações de merenda escolar de 22 cidades paulistas. A Operação Alba Branca, que investiga Capez, foi deflagrada em janeiro e é comandada pelo Ministério Público e pela Polícia Civil de São Paulo. Atual presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, o tucano Fernando Capez possui um histórico de embates com as torcidas organizadas. Como Promotor de Justiça, combateu a violência das uniformizadas e defendeu sua criminalização. Ele é visto entre os torcedores da organizada alvinegra como o inimigo número um das torcidas organizadas – não só as corinthianas.

Seguido do histórico de desavenças entre as organizadas e Capez, o caso do roubo das merendas foi um prato cheio para os membros da Gaviões questionarem aquele que tanto os criminalizou no passado. “Sempre que tem uma questão social, procuramos dar apoio. Dessa vez não vai ser diferente”, explicou Fabrício.

Além dos protestos, a organizada está arrecadando alimentos não perecíveis em sua sede para enviar às escolas e creches afetadas com o roubo da merenda. As informações podem ser encontradas no site da Gaviões da Fiel.

  • A assessoria de imprensa do deputado estadual Fernando Capez (PSDB) informou, por e-mail, que o tucano está tranquilo e já declarou: “Não tenho nada a temer. Quero esclarecer essa história até o fim”.
"Eu não roubo merenda, eu não sou deputado. Trabalho todo dia, não roubo meu estado" (Foto: Marina M. Caporrino)
“Eu não roubo merenda, eu não sou deputado. Trabalho todo dia, não roubo meu estado” (Foto: Marina M. Caporrino)

Predominou Predador

Já passava das seis e meia da tarde quando uma forte chuva caiu no tradicional bairro paulistano do Bom Retiro. Naquele anoitecer, as águas de março que caíam do céu vinham para fechar o verão, mas vinham também para abrir uma noite de luta, de protesto, de manifesto dos fiéis. Fiéis torcedores que se autodenominam Gaviões. Um belo nome, Gaviões da Fiel. Nos ares esse pássaro, o gavião, se revela imponente, majestoso, um fiel predador. Mas eis que na terra, o risco de se tornar uma mera presa atormentou os Gaviões.

Uma semana antes daquele anoitecer, tentaram predar os Gaviões. Pegos numa emboscada, dois fiéis foram covardemente agredidos. Tentaram predá-los. Tentaram predar seu grito, tentaram calar seu apelo, tentaram arrancar à força sua liberdade. Se conseguiram? Não, não conseguiram. A natureza é implacável. Predomina o predador. Predomina o grito do torcedor.

Algumas horas antes da Gaviões tomar as ruas do Bom Retiro e a frente da FPF, Fabrício, membro da uniformizada, já tinha alertado – a mim e a repórter Marina Caporrino – sobre a força de vontade da torcida de enfrentar tudo e todos. “Nossa história foi construída com repreensões”, declarou com o peito cheio de orgulho. E de fato, não teve nada que pudesse calá-los naquela noite.

Em uma passeata inflamada e pacífica, o torcedor apaixonado… pelo futebol bradou com toda sua força, utilizando toda sua voz e todo ar de seu pulmão. Eles clamavam por liberdade e gritavam: “É guerra, é guerra. Liberdade ou Guerra”. Não bastando, os Gaviões levantaram a voz para pedir: “Devolve o futebol pro povão”.

Naquela noite, os Gaviões prestaram solidariedade a todas as torcidas, de todos os times. Naquela noite, os Gaviões gritaram o mais alto que puderam para mostrar quem é o predador, pra mostrar que quem manda é – ou deveria ser – o torcedor. Naquela noite, os Gaviões nos tiraram todas as dúvidas e provaram que o futebol emana do povo, e em seu nome é exercido.

Imagens do protesto da Gaviões da Fiel no dia 11/03/16 (Imagens: Carla Monteiro/ Edição: Carolina Ingizza | Jornalismo Júnior)

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