Em 1º de outubro comemora-se o Dia Internacional da Música. A data foi instituída em 1975 pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) com o objetivo de promover a paz e a amizade entre os povos por meio da música.
A música tem papel importante em diversos âmbitos, como na política, na psicologia, na comunicação, nas artes, nas diversas ciências, entre outros. Além disso, sua presença no cotidiano da população é relevante para definir os gostos, as preferências e a expressão cultural de um povo. Erika Ribeiro, doutora em Música pela UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), comenta que “a música é um elemento que recorda a nossa essência e, por isso, em nosso cotidiano, nos remete a um pertencimento”.
Diversas pesquisas mostram que a música no cotidiano das pessoas contribui para o desenvolvimento de raciocínio, promove o equilíbrio e proporciona uma sensação de bem-estar. Ela também faz parte da expressão artística dos indivíduos, já que ao aprenderem um instrumento, eles podem ser transformados socialmente por ela, como explica Erika: “Todo tipo de conhecimento transmitido com respeito em relação ao outro proporciona uma expansão de fronteiras internas que permite de fato uma ampliação de atuação do indivíduo na sociedade. O aprendizado de música fortalece, assim, a autoestima, e estimula a interação entre as pessoas, o que pode auxiliar em uma transformação importante em termos sociais”.
Música: manifestação cultural de um povo
A música, juntamente com os costumes, hábitos e expressões artísticas, constitui a manifestação cultural de um povo, que forma-se a partir de processos históricos e sociais, fazendo com que cada povo tenha sua especificidade e identidade. A expressão de uma sociedade é construída a partir de processos distintos, portanto pode variar conforme países, regiões, estados, cidades e até mesmo comunidades.
Tal manifestação é importante para definir a identidade de um povo. “A música e a língua de um povo podem ser vistas como partes de uma grande alma que habita um espaço geográfico. As outras artes ajudam a compor essa alma, levando a outros povos um pouco da ideia do que é ser brasileiro(a)”, diz Erika.
Segundo Cristina Emboaba, professora doutora do Departamento de Música do Centro de Artes da UDESC (Universidade Estadual de Santa Catarina), gêneros musicais ocidentais vêm se formando há quase dois mil anos, com bases nas poéticas da Idade Média europeia. O Brasil recebeu influência das raízes da música ocidental, devido à colonização europeia, mas não se limita a isso. Ela foi formada a partir da miscigenação de povos indígenas, europeus, africanos, entre outros, assim como toda a cultura brasileira.
Cristina explica como se deu a formação das manifestações musicais brasileiras: “As regiões brasileiras têm suas tradições construídas a partir da história das ocupações colonizadoras em confronto com os povos originários; em cada região, esse confronto se deu de forma distinta, em tempos diferentes, originando combinações típicas de cada uma delas. Isso formava a riqueza das manifestações musicais brasileiras”.
Dessas manifestações, pode-se destacar alguns estilos, como o choro, que surgiu a partir de uma mistura da música popular portuguesa com danças de salão europeias e influências africanas. Alguns famosos chorões, nome que se dá aos músicos do gênero, são: Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha e Waldir Azevedo.
Também pode-se ressaltar a MPB. Ela surgiu por volta dos anos 1960, na época da ditadura militar. A música era utilizada como forma de protesto frente ao contexto político da época. Diversos nomes, como Chico Buarque, Gilberto Gil e Elis Regina, tiveram suas músicas censuradas e alguns artistas chegaram a ser exilados pelos autoritaristas.
Originária do interior, a música caipira é outra das variedades musicais do território brasileiro. Atualmente conhecida como sertanejo raiz, o gênero trazia assuntos relacionados ao estilo de vida do homem do interior, à beleza romântica das paisagens, entre outros. Por volta de 1990, o sertanejo, já distante de suas verdadeiras origens, teve seu auge com o surgimento de diversas duplas de sucesso.
Outro estilo brasileiro é o samba, principal gênero com forte influência de raízes africanas. Ele se desenvolveu a partir de 1860 e era tocado entre os escravos, em rodas de samba. Além de importante para a música brasileira, o estilo também foi, mais tarde, relevante para a resistência negra no país, como explica Lélia Gonzalez no livro Lugar de Negro (Editora Marco Zero, 1982):
“E se nos remetemos às escolas de samba, por exemplo, constatamos que sua produção não deixava de expressar a resposta crítica da comunidade negra em face dos dominadores”. (pág. 27)
Entretanto, mais adiante o samba passou a ser utilizado como produto industrial turístico, sendo tirado das mãos dos negros e elitizado. Não somente o samba, mas todos os estilos musicais brasileiros acabaram sendo massificados e utilizados como meros produtos em uma estrutura mercadológica.
Música e indústria cultural
O conceito de indústria cultural, pensado por Adorno e Horkheimer, é um sistema mercadológico e ideológico, que visa padronizar os gostos da população e transformar a cultura e a arte em produtos, para assim comercializá-los a nível industrial.
Nesse sistema, os conhecimentos podem ser difundidos com mais facilidade, entretanto, “mas isso não faz parte dos produtos culturais pretendidos por essas organizações”, como explica Cristina. Segundo ela, os malefícios para a sociedade podem ser muito maiores. “É uma estrutura industrial perversa e maléfica ao desenvolvimento do que se entende por humanidade, que em nada contribuiu para a melhoria da sociedade. O que vivemos hoje no Brasil em termos de relações sociais descontroladas, tendendo ao fascismo, é um fruto direto dessa manipulação massificante e acrítico do âmbito da cultura”, afirma.
No âmbito da música, tal indústria elege estilos a serem amplamente divulgados. Ela simplifica a complexidade musical e escrita das produções, tornando-as acessíveis, porém empobrecidas. Durante esse processo, a diversidade cultural também é comprometida, uma vez que diversos gêneros se perdem na história por não serem comercializáveis pela estrutura mercadológica.
A música brasileira não fica de fora dessa indústria. Os estilos populares conhecidos e consumidos atualmente são uma fonte muito rentável para o mercado da música. Cristina comenta: “A produção da canção popular brasileira transformou-se num produto eficaz e rentável para essa indústria e por ela é explorado”.
Ao transformar a música em um produto, essa indústria também prejudica a expressão artística de seus produtores. A sensibilidade dos musicistas é impedida pelo sistema de mercado, como explica Erika: “Embora muito se fale sobre uma parte mais racional, e principalmente de inclusão no mercado profissional, também é importante ressaltar que a música se relaciona intrinsecamente à sensibilidade do ser humano”.
Muito da diversidade de estilos da música brasileira já foi invisibilizada pelos mecanismos de massificação da indústria cultural. Além disso, o que é conhecido hoje por música popular brasileira já foi simplificado e objetificado, e apenas relembra o que era o verdadeiro conceito musical. Cristina ressalta: “Não sei se a música atualmente aqui produzida ainda é fidedigna à alma do que um dia foi brasileira”.