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Além da excelência, cursos na USP são marcados pela gratuidade. Mas não todos

Por Ana Helena Corradini (anahelenacorradini@gmail.com) e Wagner Nascimento (wagneriano7@gmail.com) A princípio, a ideia era possibilitar à comunidade externa “um certificado USP, de curso de especialização, de fusão cultural — de extensão, basicamente”, explica Jean Pierre Chauvin, professor do curso de editoração e atual representante da Adusp – Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo na …

Além da excelência, cursos na USP são marcados pela gratuidade. Mas não todos Leia mais »

Por Ana Helena Corradini (anahelenacorradini@gmail.com) e Wagner Nascimento (wagneriano7@gmail.com)

A princípio, a ideia era possibilitar à comunidade externa “um certificado USP, de curso de especialização, de fusão cultural — de extensão, basicamente”, explica Jean Pierre Chauvin, professor do curso de editoração e atual representante da Adusp – Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo na Escola de Comunicações e Artes (ECA). Mas hoje, ele diz, é possível visualizar a importância do conhecimento sendo suprimida pelo viés mercadológico.

Por mais que tenha surgido em meados da década de 1980, durante a gestão do reitor José Goldemberg (1986-1990),  a questão dos cursos pagos oferecidos dentro da USP por fundações particulares ainda hoje suscita debates acerca dos limites entre o público e privado. Embora haja contestação à sua oferta por parte de professores, estudantes e funcionários, a situação segue em expansão e conta com norma regimental de regulação dos cursos.

Constitucionalidade

Aprovada em 19 de dezembro de 2013, a Resolução CoCEx (Conselho de Cultura e Extensão Universitaria) de número 6.667 dispõe a regulamentação dos cursos de extensão universitária na Universidade de São Paulo. No artigo 14, é mencionada a possibilidade de custo financeiro, determinando que os cursos que optarem pela cobrança de taxas — seja para custeio, seleção ou inscrição — deverão reservar ao menos 10% das vagas oferecidas com isenção total. Logo em seguida, o artigo 15 assegura a abertura da oferta de cursos desse caráter à participação de instituições externas, com a ressalva de que se apresente a minuta de convênio ou contrato.

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Durante a greve, estudantes do Departamento de Jornalismo e Editoração da USP erguem faixa contra cursos pagos na universidade. (Imagem: Reprodução)

A Adusp considera esse dispositivo interno inconstitucional, tendo se manifestado contrária à continuidade dos cursos privados em espaços públicos. O atual presidente da associação, professor César Augusto Minto, argumenta que se trata de uma tentativa de privatização da universidade por meio de cursos não regulares. Uma de suas preocupações é a possibilidade de algumas temáticas, antes presentes na grade curricular dos cursos públicos, passarem a ser tratadas apenas em cursos pagos, como forma de pressionar estudantes a pagarem por determinado conteúdo. Outra é em relação às fundações intituladas de apoio — que, em suas palavras, “se apoiam na universidade para auferir lucros de alguma maneira”.

Em março do ano passado, a associação chegou a encaminhar uma representação ao Ministério Público pela ilegalidade da prática, o que resultou em ação civil pública contra a USP.  Após ter obtido decisão desfavorável em primeira instância, o mérito da questão foi levado a julgamento no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em parecer jurídico, a advogada Lara Lorena, da Adusp, baseada na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394), esclareceu que as fundações não poderiam fornecer cursos relativos à educação superior, pois esta seria “ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização” — o que não é o caso dos órgãos privados em exercício. Desse modo, caberia às instituições públicas a oferta desses cursos, não sendo permitido que eles fossem cobrados, uma vez que o artigo 206 da Constituição Federal garante a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais.

Em entrevista à reportagem, o advogado e professor de Teoria Geral do Direito Guilherme Perez corrobora a avaliação e ressalta que a Constituição não faz distinção entre as modalidades de ensino — aplicando-se, portanto, à graduação, à pós-graduação e às especializações. No seu entendimento, quando universidades públicas cobram por cursos de extensão e especialização sob intermédio de outras instituições, trata-se de descumprimento da Carta Magna (inciso IV, artigo 206).

Riscos à gratuidade

No momento, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 395/14 — que prevê a classificação de especializações em universidades públicas como atividades de ensino não regulares — aguarda aprovação na Câmara. Caso sancionada, ela alterará o artigo 206, pondo fim ao princípio que prevê a inconstitucionalidade da cobrança nos cursos de especialização oferecidos por universidades públicas, com a justificativa de que não são atividades do ensino regular. Segundo Perez, o intuito é fazer valer práticas que já ocorrem, “corroborando um entendimento já defendido por órgãos do Estado, incluindo o MEC e o Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão colegiado com a atribuição de analisar questões relativas à aplicação da legislação referente à educação superior”.

A Adusp também declarou receio com relação à Lei nº 13.243, de janeiro de 2016, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. Em sua descrição, ela pretende estabelecer “medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo”. Para o professor Ciro Correia, coordenador do departamento jurídico da associação, “ao tratar o conhecimento produzido numa instituição pública, que deve ser de domínio público, como ‘capital intelectual’”, esse tipo de legislação “favorece a perspectiva de apropriação privada, por meio das fundações privadas de apoio — seja através de contratos seja através de cursos pagos —, como já vem sendo feito”.

Extensão

Professor e chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), Dennis de Oliveira também coordena o Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (CELACC), ministrado na ECA. Questionado acerca do caráter da instituição, Dennis esclarece que se trata de um Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP), vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa, existente há vinte anos e com conselho científico próprio. A decisão do conselho pela oferta de cursos de extensão pagos partira da falta de recursos para a produção sobre temas da área, uma vez que não lhe são dados estímulos financeiros. A única alternativa — que Dennis considera de maior risco à privatização da universidade — seria a abertura para financiamento da iniciativa privada. Os cursos acontecem na ECA, ele afirma, porque a sede do núcleo fica na unidade. Não há retorno financeiro aos docentes envolvidos e a USP capta parte do orçamento.

Para o professor, a extensão complementa os cursos regulares e tem como objetivo a socialização dos conhecimentos da universidade. “O fato de eles serem pagos é porque a universidade não dá nenhum tipo de auxílio para a realização destas atividades, e existem custos a serem pagos, como o pagamento de pró-labore para conferencistas convidados, estrutura material do curso (pois não existe uma secretaria de apoio para tais cursos), produção de material didático, entre outros”, ele afirma. “Mas, infelizmente, existem muitas distorções, como projetos de cursos pagos que são propostos única e exclusivamente para ganhar dinheiro, e viram estruturas paralelas privadas dentro da universidade pública.” O professor Jean Pierre também assinala os riscos de inversão da proposta inicial dos cursos: em vez de uma universidade aberta para a comunidade, verifica-se a restrição das atividades acadêmicas a minorias já com acesso à USP, além da viciação da relação entre professor e aluno com a mediação do capital, tornando o ensino mais mecânico.

Em contraponto com os pedidos de extinção dos cursos pagos, Dennis considera mais adequada a elaboração de uma norma mais rígida para eles, incluindo termos que proíbam a remuneração dos professores e encarreguem — em vez das fundações — a universidade pela administração financeira, entre outras medidas.

Parecer

Para além de cursos como o CELACC, a Escola de Comunicação e Artes é uma das unidades onde há atuação de fundações privadas. Os cursos oferecidos variam de departamento, indo das comunicações às artes, e podem custar de R$ 1.080,00 a R$ 22.000,00 por estudante. A diretora da unidade e professora Margarida Maria Krohling Kunsch, que coordena um dos cursos disponibilizados pela fundação ARCO, não pôde atender aos questionamentos enviados, mas orientou sua assistência a fazê-lo.

Em resposta via e-mail, a Assistência Acadêmica da ECA advertiu que há uma legislação determinando a forma de aplicação do dinheiro aferido por cada curso: segundo eles, há porcentagens destinadas à Unidade e ao departamento ao qual o curso está vinculado, bem como ao Fundo Único de Promoção à Pesquisa, à Educação, à Cultura e à Extensão Universitária da USP. Eles acrescentaram que os valores repassados à Escola financiam a compra de equipamentos para salas de aula e laboratórios de uso da graduação e atividades gratuitas de cultura e extensão.

Também foi salientada a legalidade desses cursos, assegurada pela Resolução CoCEx  de número 6667, mencionada anteriormente. Até o presente momento, eles dizem, não há registro de queixas provenientes de funcionários, estudantes ou professores quanto a possíveis interferências provocadas pelo oferecimento de cursos pagos nos prédios da faculdade às aulas públicas.

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Apenas na ECA, cerca de treze cursos pagos são oferecidos. (Imagem: Reprodução)

Interrogada se, de algum modo, a oferta desses cursos por professores dos departamentos da ECA conflituam com o RDIDP (Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa), a Assistência cita o Regulamento dos Regimes de Trabalho do Pessoal Docente da USP. De acordo com o artigo 12 do documento, é estabelecido que o professor em RDIDP pode participar de cursos de extensão, desde que seu pagamento não seja proveniente do orçamento concedido pelo Governo do Estado à universidade e que a participação remunerada do profissional nesses tipos de atividades não exceda 36 horas semestrais. Além disso, o docente deve obter aprovação por parte do Conselho de Departamento e do Conselho Técnico Administrativo ou da Congregação e da Comissão Especial de Regime de Trabalho (CERT).

Para o professor Dennis, existe o risco ao RDIDP de que as dependências da universidade sejam utilizadas com projetos a pedido de empresas privadas: “A universidade vai manter um professor em regime de dedicação integral, vai manter toda a estrutura física e laboratorial que este professor vai usar para que ele atenda uma demanda privada”, pontua.

A Fundação Arco, responsável por cursos de até R$ 22.000,00 nos departamentos de Música, Relações Públicas, Publicidade e Turismo e Artes Plásticas, não respondeu às perguntas da reportagem até o momento da publicação. Em tentativa de contato com a fundação Vanzolini, atuante na Escola Politécnica (EPUSP), a assessoria retornou que não foi possível comunicar a Diretoria Executiva. A Pró-Reitoria de Cultura e Extensão e a Assessoria de Imprensa da USP chegaram a contatar a reportagem, mas também não enviaram respostas.

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