“You’re my sunshine, my only sunshine”. Esses versos doces compostos por Johnny Cash ganham ares aterrorizantes no novo longa da franquia que deseja explorar o universo da boneca demoníaca, Annabelle. Se passando antes dos acontecimentos do filme introdutório, a continuação propõe contar a origem da maldição que estamos acompanhando na franquia de sucesso, Annabelle (2014) e Invocação do Mal (The Conjuring, 2013). Em Annabelle 2: A Criação do Mal (Annabelle: Creation, 2017), o casal Mullins, após 12 anos de luto pela morte da sua filha, abre as portas de sua casa para acolher meninas órfãs, na qual as novas moradoras passam a ser atormentadas pela boneca.
O título deste texto no imperativo não é uma sugestão, é uma ordem. As autoras deste texto foram inocentes e corajosas para a sala de cinema: saímos tensas e com o coração palpitando (e sussurrando a canção que se torna horripilante). Os trailers recortam os ápices de cenas impactantes e quebram a atmosfera de tensão, que é o artifício que envolve e nos faz mergulhar na trama.
Ao longo do filme, a fotografia que inicialmente é repleta de cores quentes de tom reconfortante, torna-se gradativamente mais escura e acinzentada e, assim, acompanha perfeitamente a atmosfera do filme, que vai ficando cada vez mais obscura. O enredo também possui essa gradação e se apresenta mais denso conforme a história vai se aproximando de seu final, chegando a um ponto em que não há qualquer momento de alívio. O uso dessa progressão de enredo e fotografia juntos que ao final se tornam tão antagônicas brincam com nossas sensações, que migram do aconchego familiar ao temor, numa crescente imersiva que nos engole num momento do filme.
Desta forma, não há a “necessidade” de se recorrer ao uso excessivo de jumpscares, os sustos abruptos adorados por vários filmes de terror, dentre eles Annabelle, e que não acrescentam nada à trama. Os jumpscares utilizados em Annabelle 2: A Criação do Mal são poucos e nenhum é gratuito. Aliás, o clima sufocante que somos inseridos ocasionalmente é rompido, o que nos provoca o riso. Esses alívios cômicos foram sacadas surpreendentes do roteiristas, que nos fazem respirar para logo depois nos assustar de novo.
A Criação do Mal usa todos os artifícios comuns a filmes do gênero: crianças, mansão antiga, orfanato, freira, bonecos e família destruída. O que poderia se apresentar apenas uma grande teia de clichês jogados para o público é muito bem coordenado e brinca com o óbvio, inovando-o. Os clichês estão lá, seja nos sustos com espelhos, portas batendo ou reflexos na janela, mas então nos deparamos com um desfecho diferente. Essas inovações dão um novo ar para o longa, que consegue trazer um elemento surpresa a cada cena.
A boa construção dos personagens é outro fator de destaque do longa. O início menos intenso do filme é utilizado para a sua introdução, de maneira que conhecemos os personagens antes que o terror em si se instaure. Portanto, há identificação com eles, fazendo com que nós entendamos melhor suas atitudes e postura diante da situação. Os pais têm um arco compreensível, por mais que sejam mal explorados ao longo da trama. O fato de mais da metade do elenco ser formado por crianças também colabora para o sentimento de aflição e de temor nas cenas de perigo iminente. Você sempre torce por elas e entende suas atitudes precipitadas, afinal são crianças. A atuação das meninas, especialmente as das atrizes Thalita Bateman (A 5º Onda, 2016) e Lulu Wilson (Ouija 2, 2016), que interpretam, respectivamente, as quase protagonistas Janice e Linda, merece aplausos. Por serem muito novas, atuar em um filme de terror pode ser bastante difícil e até mesmo traumatizante, mas todas as jovens atrizes estão ótimas e conseguem passar para o público o medo sentido por suas personagens.
Aqui está o máximo que você deveria saber sobre Annabelle 2. De agora em diante, entramos na área de risco do spoiler. Se você gosta de terror bem fundado e com bons sustos, vá ao cinema sem saber nada. É um aviso.
ZONA DO SPOILER
Você está entrando oficialmente na área de risco do spoiler. Nos próximos parágrafos, o filme será comentado nas suas entranhas e pode ser tornar completamente sem graça para você, nosso caro leitor. Se você for teimoso como Janice e Linda, sua escolha é a escolha delas. Elas encontraram uma força maligna e você, spoilers. Afinal, é proibido entrar neste quarto, mas alguém sempre invade, certo?
Em primeiro lugar, é preciso comentar o modo com Annabelle 2: A Criação do Mal se encaixa com o primeiro filme: ele termina onde Annabelle começou, com o assassinato do casal Higgins por sua filha. Há, inclusive, a explicação da origem da menina e qual é a sua ligação com a boneca, que não é tão simples como parece, já que as duas se conhecem de longa data. O que não ficou muito bem explicado no filme é se a boneca nas mãos de John e Mia, o casal principal de Annabelle, é a mesma que aparece nesse longa, pois na primeira cena é mostrada a existência de uma série de bonecas “Annabelle”, que seriam vendidas para o dono de uma loja. Seria relevante também explicar o porquê da maldição agir em ciclos de 12 anos: 12 anos após a morte da menina Annabelle, 12 após possuir Janice, e o que virá nos próximos 12 anos. A produção não explora a fundo como a força maligna age e deixa o público com muitas teorias pipocando na cabeça.
Há ainda, em uma das cenas, a aparição da assustadora freira de Invocação do Mal 2 ( The Conjuring, 2016) em uma fotografia. Para quem não conhece bem a franquia isso pode parecer algo sem sentido, já que o espectador ficaria se perguntando onde isso se encaixaria no resto da trama, pois não é mencionado novamente ao longo do enredo. No entanto, o universo de David Sandberg se torna mais completo com essas amarrações e easter eggs, além de abrir caminhos a serem explorados.
O filme também se destaca por não seguir o clichê de matar (quase) todos os seus personagens aos poucos. Não faltaram oportunidades para causar mortes horrivelmente sangrentas para as meninas do orfanato ou para a Irmã Charlotte (Stephanie Sigman). Carol (Grace Fulton), por exemplo, foi a que mais esteve próxima de um triste fim, mas, no último momento, foi salva por uma de suas amigas. Assim, houve uma quebra da expectativa construída por várias outras produções de mesmo gênero.
Outro ponto interessante da narrativa é o modo não linear de se contar a origem da boneca: na primeira cena vemos o Sr.Mullins a montando juntamente à morte da menina, mas apenas no final do longa são mostrados os eventos que levaram Annabelle a ser possuída por uma figura demoníaca. O roteiro não contar a história dos Mullins numa linha do tempo direta nos envolve no grande plot twist da trama. Essa revelação, contudo, é estragada pelos trailers, que entregam todo o enredo em poucos minutos quebrando a expectativa.
FIM DA ZONA DO SPOILER
A produção do longa abre um potencial enorme no universo da boneca e com muitos pontos que valem a ida ao cinema. Annabelle 2 – A Criação do Mal chega aos cinemas no dia 17 de agosto.
(A gente sabe, falamos para não ver o trailer e ele está aqui… o aviso foi dado)
por Larissa Santos e Nathalia Giannetti
larissasantos.c@usp.br | nathaliagiannetti@usp.br