“Quero continuar vivendo após a morte”: é assim que a jovem Anne Frank define o motivo pelo qual escreve. A adolescente alemã é mundialmente conhecida pelo seu diário, escrito durante o período que passou escondida do regime nazista de Hitler com sua família judia. Morta em fevereiro de 1945, Anne se tornou um símbolo de resistência contra o fascismo, e, seu diário, um importante documento histórico responsável por deixar sempre frescos em nossa memória os perigos do totalitarismo.
“Anne Frank: A biografia ilustrada” (Companhia das Letras, 2017) conta a história dessa garota através de quadrinhos. Ilustrada por Sid Jacobson e Ernie Colón, a HQ é produzida em colaboração com a Casa de Anne Frank e busca narrar não somente o período em que o diário foi escrito, mas sim toda a vida da personagem, desde o primeiro encontro de seus pais até a trágica morte de quase toda a família. De fato, mais da metade do quadrinho se passa em um período anterior ao diário em si, contando detalhes históricos da vida da família Frank que são importantes para humanizar as personagens e nos lembrar que não estamos lendo ficção, e sim a triste e crua realidade.
O quadrinho é interessante para uma primeira imersão na história da Europa e de Anne. Os eventos históricos são perfeitamente explicados – e ilustrados – em seções denominados “Contexto”, que detalham elementos como a Segunda Guerra Mundial, as Leis de Nuremberg (legislação antissemita criada pelos nazistas) e a Conferência de Wannsee (reunião entre oficiais nazistas que estruturou o processo genocida contra os judeus), muitas vezes desconhecidos pelos leitores. Com uma linguagem um pouco mais leve e didática, apesar do tema pesado, A biografia ilustrada é bastante adequada para pré-adolescentes que passam a estudar o tema. Afinal, por mais delicado que o assunto seja, é necessário que jamais seja esquecido.
Por focar em um público mais infantil, porém, a HQ acaba deixando algumas confissões da vida de Anne de fora, como aspectos de sua sexualidade, já anteriormente censuradas da publicação de seu diário pelo pai, Otto, ou as brigas mais problemáticas que a menina mantinha com a mãe. É decepcionante que passagens como essas sejam adaptadas no quadrinho, mas isso de forma alguma desqualifica a obra. Afinal, o quadrinho é apenas um complemento da obra original, que é mais rica em detalhes e traz uma outra linguagem.
Em termos técnicos, o visual da HQ não é muito chamativo, mas isso é compreensível e compatível com o intuito da obra, que é de informar mais do que entreter. Um aspecto interessante, porém, é a utilização de diversos recursos visuais na escrita da história, misturando algumas fotos, jornais e quadrinhos preto e branco para construir a narrativa.
Qualquer tentativa de manter a história viva é válida, e com Anne Frank: A biografia ilustrada não é diferente. A obra é interessante para complementar nosso entendimento do diário e da história em si e vai agradar muito quem busca saber mais sobre Anne e sua família. Seja em livro, cinema ou até mesmo quadrinhos, é importante que sempre estejamos atendendo o pedido de Anne: que lembremos dela – e de muitos outros – mesmo depois de morta.
Por Bruno Carbinatto
brunocarbinatto@gmail.com