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Antes de refazer filmes, a Disney fazia princesas

Quem nasceu entre os anos 1990 e o início dos anos 2000 cresceu junto a algumas das mais famosas animações da Disney, e provavelmente teve como companhias e ídolos os personagens desses filmes. A presença icônica dessas histórias na infância de grande parte dos jovens de hoje deixou um marcante sentimento de nostalgia, no qual …

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Quem nasceu entre os anos 1990 e o início dos anos 2000 cresceu junto a algumas das mais famosas animações da Disney, e provavelmente teve como companhias e ídolos os personagens desses filmes. A presença icônica dessas histórias na infância de grande parte dos jovens de hoje deixou um marcante sentimento de nostalgia, no qual a produtora se apoia para garantir o sucesso dos recém-lançados live actions. As refilmagens dos clássicos da Disney podem até gerar certa polêmica entre os mais críticos, mas o fato é que lotam salas de cinema e trazem lucros imensos para o estúdio. 

Dentre a imensa quantidade de remakes lançados nos últimos anos, é possível identificar, de forma geral, dois tipos de filmes: aqueles que apresentam uma abordagem complementar em relação à animação, como Malévola (Malificent, 2014); e aqueles que apenas a recontam, com o roteiro original basicamente inalterado, como A Bela e a Fera (Beauty and the Beast, 2017). Entretanto, um dos últimos grandes sucessos de bilheteria da Disney, quando falamos de refilmagens, está mais alinhado com a segunda tendência, mas apresenta alterações um pouco mais chamativas. Aladdin (2019), que já arrecadou mais de R$ 3 bilhões para a produtora, segue, em geral, o mesmo roteiro da animação de 1992. Contudo, há uma mudança sutil no final que, embora não altere o desfecho da história, adequa-se à construção de Jasmine como uma personagem decidida e até mesmo feminista. 

Naomi Scott em música inédita do live action de Aladdin. [Imagem: Reprodução/ Disney]

A mudança foi uma estratégia inteligente por parte da produtora e não passou despercebida pelos espectadores, especialmente pelas mulheres que, há anos, vêm questionando aspectos da representatividade feminina entre as princesas clássicas da Disney. Há algum tempo, os estúdios perceberam que determinados roteiros e características não mais seriam aceitos pelo público. Portanto, passaram a modificar a forma como retratam as personagens femininas em suas produções, chegando a ironizar roteiros anteriores em cenas de WiFi Ralph: Quebrando a Internet (Ralph Breaks the Internet, 2018). Daí a necessidade de evolução das princesas ao longo do tempo e de mudanças como a do roteiro de Aladdin, que acentua a independência de Jasmine em relação a seu par romântico. 

Jasmine era uma princesa relativamente fácil de adaptar às atuais exigências, considerando que sua personalidade original já esbanjava autonomia e certo quê de rebeldia. Mas será que outras princesas trariam maiores dificuldades a possíveis roteiristas, para agradar ao público feminino atual? Pensar nessas questões levanta, mais uma vez, a discussão sobre os papéis femininos representados pelas princesas da Disney e a sua evolução ao longo do tempo.

 

Bela, recatada e do castelo

Naturalmente, as princesas mais problemáticas, em termos de representatividade, são as clássicas, as mais antigas. O primeiro filme a ser lançado foi Branca de Neve e os Sete Anões (Snow White and the Seven Dwarfs), em 1937, seguido por Cinderela (Cinderella, 1950) e A Bela Adormecida (Sleeping Beauty, 1959). As três têm uma série de características em comum, e a primeira é que todas as suas histórias são, originalmente, contos de fada escritos em séculos anteriores. Assim, não é surpresa a imensa carga de submissão e passividade presente em suas personalidades: elas refletem o papel social imposto às mulheres da época em que foram escritas.

Em todos os casos, as princesas apresentam como uma de suas qualidades mais importantes para o andamento do roteiro a sua beleza extraordinária. Afinal, essa é uma das características que desperta a inveja de outras mulheres, acontecimento precursor de todos os outros que levarão ao desenvolvimento. Vale ressaltar que as três são brancas e extremamente magras, sendo Cinderela e Aurora, loiras. Logicamente, isso ao mesmo tempo representa e dita um padrão de beleza vinculado a tais características.

Aurora em A Bela Adormecida (1959). [Imagem: Reprodução/ Disney]

A partir desses filmes, foram produzidos Malévola (2014) e Cinderela, um live action de 2015. Embora Malévola apresente um roteiro diferente do original, em Cinderela a Disney não teve pretensão de modificar e atualizar a história, apostando na tradicionalidade e na atmosfera mágica. Pode-se dizer que produzir a história de Malévola, interpretada por Angelina Jolie, foi, na verdade, a saída encontrada pela Disney para construir uma personagem feminina mais forte e complexa, que atendesse às demandas do público atual. Branca de Neve também já ganhou releituras em live action, como Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Huntsman, 2012) e Espelho, Espelho Meu (Mirror Mirror, 2012). Ambos trazem abordagens mais modernas e inovadoras, porém nenhum é produção da Disney.

 

Um mundo novo, mas não ideal

Depois das três primeiras produções, a Disney passou algumas décadas sem investir em histórias de princesas. Assim, quando a temática voltou a ser abordada, nos anos 90, as personagens já foram trabalhadas de forma mais complexa e com maior variedade. 

Essa segunda leva de filmes de princesas começou com o lançamento de A Pequena Sereia (The Little Mermaid), em 1989, seguido por A Bela e a Fera (Beauty and the Beast, 1991). Os dois filmes são, também, inspirados em histórias já existentes, sendo a de Ariel muito mais modificada do que a de Bela. Embora ainda haja vários pontos a serem criticados em relação ao papel representado por essas princesas, suas personalidades já têm avanços significativos em comparação às três anteriores. Enquanto uma das características marcantes de Ariel é o seu atrevimento, Bela é famosa por sua inteligência. Contudo, as duas ainda são brancas e incrivelmente magras, tendo sua beleza reconhecida. 

O enredo principal dos filmes também consiste numa busca pelo amor — ou seja, por um homem — ou na conquista dele. Ariel abre mão da sua voz — e, portanto, de um de seus passatempos preferidos, cantar — pela oportunidade de conhecer o príncipe Eric e o mundo humano. Bela, por sua vez, acaba refém da Fera na tentativa de salvar seu pai, o que é uma mudança importante, considerando que o lado romântico da história vem depois. Outro ponto relevante da história de Bela é que, de certa forma, ela é a salvadora da Fera, ao final, e não o contrário. Entretanto, o romance entre os dois é complicado, levando em conta que a princesa é, inicialmente, muito maltratada pela criatura e, aliás, mantida no castelo contra a sua vontade.

Emma Watson e a Fera no live action. [Imagem: Reprodução/ Disney]

Quando se fala em refilmagens, ambos os filmes entram na conta. Bela foi interpretada por Emma Watson em um live action de 2017, superprodução da Disney. A atriz, famosa pelo seu envolvimento com o movimento feminista, foi, inclusive, bastante criticada por aceitar o papel, à época. A Bela e a Fera faz companhia ao anterior Cinderela (2015), no sentido de manter o enredo original e apostar nos efeitos especiais para impressionar com a magia do filme. Mas alguns traços da personalidade da princesa foram, de fato, trabalhados sutilmente, para retratá-la de maneira mais independente. 

Já no caso de Ariel, a história ganhou uma releitura em 2018, com enredo totalmente diferente, porém o alcance dessa produção, que também não é da Disney, foi bastante baixo, devido ao seu orçamento limitado. A Pequena Sereia também será um dos próximos a ser adicionado na lista de remakes da Disney. Com as filmagens previstas para 2020, a produção do longa tem gerado polêmica após o anúncio de que Ariel seria interpretada por Halle Bailey, uma artista negra. Nesse caso, a produtora escolheu apostar em algo diferente de mudanças no roteiro para trazer representatividade às telas e agradar aos espectadores.

Depois dos dois clássicos, a Disney investiu na produção de outras três histórias: Aladdin (1992), Pocahontas (1995) e Mulan (1998). Apesar de se diferenciarem das anteriores por não serem adaptações de contos de fada, todas são inspiradas em fatos já existentes. Aladdin é inspirado em um dos contos do tradicional livro árabe As Mil e Uma Noites; Pocahontas baseia-se em anotações de um colonizador britânico e Mulan surge a partir de uma lenda chinesa. 

Um ponto positivo das três produções é que as princesas pertencem a culturas e etnias diferentes, o que pode ser considerado um grande avanço em relação a representatividade e padrões de beleza. Além disso, as personagens têm características de força e rebeldia muito mais trabalhadas, como anteriormente comentado sobre Jasmine. Pocahontas, contudo, peca por ser um registro extremamente romantizado do genocídio indígena e da colonização da América. Mulan, por outro lado, é marcante justamente por não se encaixar nos padrões femininos da sua sociedade e lutar para se mostrar competente na realização de atividades “masculinas”. Entretanto, todos os finais felizes ainda estão, infelizmente, ligados à companhia masculina e/ou ao casamento.

Mulan lutando na animação de 1998. [Imagem: Reprodução/ Disney]

Dentre esses três filmes, o único que já ganhou refilmagem em live action foi Aladdin (2019), mas Mulan está na lista dos futuros lançamentos da Disney, com estreia prevista para 2020 e várias novidades prometidas. Aparentemente, a produtora tem investido bastante dinheiro para que, dessa vez, o filme agrade o mercado chinês (a produção original foi bastante criticada no país) e destaque ainda mais o potencial da forte figura feminina de Mulan.

 

Lute como uma garota

Após a série de lançamentos dos anos 1990, a Disney passou por mais um hiato de produções com temática de princesas. Nesse meio tempo, as críticas em relação aos modelos femininos apresentados pela produtora apenas aumentaram, e foi nesse contexto que A Princesa e o Sapo (The Princess and the Frog, 2009) estreou. Tiana, a primeira princesa negra (e única, além de Moana), inaugurou um novo modelo de histórias e personalidades para as princesas do século 21. O longa é, inclusive, uma produção muito inteligente e de alta qualidade, que apenas resgata a história tradicional como ponto de partida para a construção de um enredo completamente original. A escolha de Nova Orleans para cenário do filme poderia ser despreocupada, mas o fato é que a ausência de uma princesa negra nas produções anteriores da Disney era uma falha imensa, alvo de muitas críticas. Assim, ao retratar uma cidade americana de tradicional presença negra, ao som do jazz, o estúdio busca convencer o público de que esse está sendo ouvido. 

Tiana e o príncipe em A Princesa e o Sapo (2009). [Imagem: Reprodução/ Disney]

Nos anos posteriores, surgem Enrolados (Tangled, 2010), Valente (Brave, 2012), Frozen: Uma Aventura Congelante (Frozen, 2013) e Moana: Um Mar de Aventuras (Moana, 2016). Enrolados é uma boa adaptação da história clássica de Rapunzel, com uma série de novos elementos, e Frozen traz uma história original interessante e bem humorada, com a presença de uma personagem feminina forte e complexa (a princesa Elsa). 

Valente e Moana se destacam pela ausência de um roteiro romântico, sendo seu enredo trabalhado a partir do desejo de independência das princesas, combinado com uma necessidade de proteger sua família e seu povo. Outro ponto de destaque é que as duas têm cabelos marcadamente cacheados, algo inédito na história das princesas da Disney, considerando que Tiana assume a forma de um sapo por boa parte do filme e, quando não, utiliza o cabelo preso. Além disso, Moana é uma princesa do povo maori, da Polinésia, e tem traços correspondentes a essa etnia, além de retratar sua cultura. Alguns até mesmo afirmam que a personagem tem um corpo mais real, quando comparado à magreza extrema das princesas anteriores. Contudo, não deixa de ser absolutamente dentro dos padrões estéticos, nesse sentido. O filme também trouxe muita polêmica e não foi bem aceito na região da Polinésia, sendo muito criticado por esse povo, que julgou as representações clichês e até mesmo preconceituosas.

Moana no filme de 2016. [Imagem: Reprodução/ Disney]

É evidente que essas últimas produções não caberiam na lista de releituras da Disney, ao menos por enquanto. Não faria sentido refilmar animações tão recentes, já que a mais antiga delas completa 10 anos esse ano. Suas histórias têm, portanto, abordagens bastante atuais e, na verdade, suas princesas são mais coerentes à sociedade contemporânea do que aquelas que a Disney reconstruiu em seus últimos live actions. Não sabemos ainda qual será a realidade das próximas produções em relação a isso, mas se seguirem a mesma linha das últimas, não trarão grandes novidades. Assim, as falhas na representatividade feminina dentre as princesas da Disney permanecem grandes, e os estúdios abandonaram um bom caminho de evolução e ampliação dos papéis retratados, através da construção de novas histórias e personagens. Ao invés disso, tentam consertar feitos anteriores e isentar-se de responsabilidades. E vale dizer que o fazem de forma insatisfatória. 

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