Por Diego Coppio (diegocoppio@usp.br)
A estreia da Austrália na Copa do Mundo de 2023 ganhou contornos dramáticos antes mesmo de começar: a capitã e estrela do time, Sam Kerr, foi diagnosticada com uma lesão na panturrilha, tirando-a dos dois primeiros jogos da fase de grupos.
Mesmo sem sua principal jogadora, a Austrália começou o primeiro tempo de forma bastante acelerada, sendo mais propositiva que a adversária. Ao contrário das expectativas, a Irlanda não se mostrou completamente retrancada, propondo o jogo em algumas ocasiões. Desde o começo do jogo, a Austrália subiu suas linhas, marcando em pressão alta uma Irlanda bem compacta e segura defensivamente. A partir dos 30 minutos, as irlandesas foram se retrancando sem perder a compactação defensiva, limitando a Austrália a apenas duas finalizações inofensivas na primeira etapa.
Assim como no primeiro jogo do torneio, as donas da casa abriram o placar logo no início do segundo tempo, em um pênalti polêmico sobre Hayley Raso. Catley converteu a cobrança, encerrando o jejum australiano de 16 anos sem vencer em estreias de mundiais.
Pré-jogo
Antes da lesão de Kerr, a Austrália era uma forte candidata a, no mínimo, surpresa da Copa. As anfitriãs chegaram nesse jogo com nove vitórias em dez jogos. Mas com o desfalque da atacante, o desempenho das Matildas se tornou uma incógnita.
Já as irlandesas, estreantes no torneio, confiavam em sua defesa consistente e na intensidade técnica de Denise O’Sullivan e Katie McCabe.
Em 2021, as equipes se enfrentaram em um amistoso com o placar final de 3 a 2 para a Irlanda, dando motivos para as estreantes acreditarem na vitória hoje.
Ataque contra defesa?
O treinador Tony Gustavsson escalou as Matildas em um 4-4-2 sem a bola, com Arnold no gol; Carpenter, Kennedy, Hunt e a capitã Steph Catley na defesa; o meio com Gorry, Cooney-Cross, Vine e Raso; Mary Fowler e Foord na frente. Quando atacando com a bola, a meia-direita Hayley Raso subia para o ataque, formando uma trinca com as duas atacantes.
Já a Irlanda entrou com sua linha de cinco na defesa, fundamental no trajeto durante as eliminatórias. Quando tinham a posse da bola, as laterais atuavam como alas em um 3-4-3. As estreantes foram para o jogo com Brosnan no gol; Quinn, Connolly e Fahey na defesa; Littlejohn e O’Sullivan no meio, contando com o apoio de McCabe e Payne nas alas. No ataque, a treinadora Vera Pauw escalou Sheva e Farrelly pelos lados, com Carusa no meio.
Primeiro tempo acelerado
Ao contrário do que foi visto no jogo de sua co-anfitriã, a Austrália não perdeu tempo em tomar a iniciativa dos ataques na partida. Mas a Irlanda fez valer sua solidez defensiva durante todo o primeiro tempo. A linha de cinco atrás, com Sheva e Farrelly recompondo no meio-campo manteve a marcação irlandesa compacta com as linhas próximas, limitando a Austrália a duas finalizações em todo o primeiro tempo: a primeira com Hayley Raso de cabeça para fora aos 27’, e a segunda com Gorry de fora da área aos 50’, para a defesa tranquila de Brosnan.
Já no primeiro tempo, o confronto entre McCabe e Raso deu sinais de que seria um dos duelos interessantes desta Copa. A ala irlandesa, famosa pelo vigor físico e pela firmeza com que costuma chegar nos lances, não poupou esforços para tentar anular a atacante australiana, gerando diversos memes nas redes sociais.
Segundo tempo mais ainda
Os dois times voltaram para o segundo tempo na mesma rotação do primeiro. Com cinco minutos, Cooney-Cross cruzou para Raso na área irlandesa, quando a atacante foi derrubada por Sheva. Por ser um lance interpretativo, manteve-se a decisão de campo, apesar dos protestos das irlandesas. Catley cobrou com categoria e inaugurou o placar para as Matildas.
Logo na saída de bola, as australianas roubaram a posse e Fowler levou perigo com um chute por cima do gol, mostrando que as anfitriãs não iriam diminuir o ritmo depois de abrirem o placar.
A dinâmica dos ataques australianos no começo da segunda etapa foi marcada pelo uso intenso dos lados do campo com Raso e Vine e por chutes de fora da área de Gorry. A Irlanda por sua vez teve dificuldades em criar oportunidades de gol, com pouca aproximação entre O’Sullivan e suas colegas, tendo que se apoiar em jogadas de bola parada. Aos 62’, Pauw promoveu as primeiras mudanças na equipe, substituindo Farrelly e Sheva por Lucy Quinn e Larkin.
Essa mudança alterou a dinâmica do jogo até o apito final. Embora ainda criassem algumas chances de gol, as australianas começaram a sofrer mais com os ataques irlandeses, cedendo o controle do jogo às visitantes. Aos 70’ e 73’, a Irlanda quase marcou dois gols olímpicos, em cobranças de McCabe e Connolly
Com o maior volume de ataques irlandeses, o técnico Tony Gustavsson optou pela zagueira Polkinghorne no lugar de Fowler, recuando o time para segurar o 1 a 0 no placar. Aos 90’ a Irlanda teve uma falta perigosa na entrada da área. Connolly cobrou por cima do gol e levou perigo à meta australiana. No último minuto dos acréscimos, em bobeada dupla de Catley e Kennedy, Larkin e McCabe organizaram a melhor chance da Irlanda no jogo, mas pararam na goleira Arnold, sacramentando a vitória australiana diante de um público recorde de mais de 75 mil torcedores.
Destaques da partida
A Austrália soube se portar muito bem sem sua melhor jogadora diante de uma Irlanda que resistiu defensivamente o quanto pôde. Destaques para o jogo coletivo e paciente das anfitriãs e para as atuações individuais de Hayley Raso — que travou uma batalha pessoal contra McCabe que certamente empolgou os milhares presentes no estádio — e Katrina Gorry, que não economizou nos chutes de fora da área como opção para furar a defesa adversária. O ponto negativo para as anfitriãs é a ausência de Kerr, cujo tempo de ausência ainda é indeterminado.
Do lado irlandês, mesmo com a derrota, há de se valorizar a solidez defensiva e postura ofensiva quando a equipe precisou atacar. Uma derrota em sua estreia com um pênalti interpretativo contra a favorita do grupo que jogava em casa para mais de 75 mil torcedores tem pontos positivos a serem destacados. Dentre eles, a entrega de McCabe, que não diminuiu o ritmo em nenhum momento do jogo. As bolas paradas de Connolly e as alterações de Vera Pauw deram motivos para as irlandesas permanecerem esperançosas até o apito final.
Olhando pelo outro lado, a jogadora mais técnica do elenco, O’Sullivan, teve uma atuação discreta o jogo todo. Para que as irlandesas avancem, é preciso que ela faça a diferença em campo.
O caminho para as oitavas
Desde que os grupos foram anunciados, o de Austrália, Irlanda, Nigéria e Canadá foi designado como o “grupo da morte” da edição, por se tratarem de quatro países com níveis técnicos semelhantes.
A Austrália enfrenta a Nigéria na próxima quinta-feira, dia 27 de julho, confronto em que são favoritas. Vencendo as nigerianas, as Matildas podem entrar mais tranquilas contra o Canadá, o adversário mais difícil do grupo, em tese.
Já para as irlandesas, o caminho é mais difícil. O próximo adversário é o Canadá, que figura acima da Austrália no ranking da FIFA. Será outro confronto duro para as estreantes, mas o desempenho apresentado contra as donas da casa permitiu às irlandesas sonhar com um caminho longo nesta Copa.
A estreia do Brasil na Copa
Engana-se quem pensa que o Brasil estreia na Copa do Mundo apenas dia 24 de julho contra o Panamá. Na partida entre Austrália e Irlanda, tivemos a presença de uma arbitragem 100% brasileira, com Edina Alves e as assistentes Neuza Inês Back e Leila Cruz. O VAR também era brasileiro, operado por Daiane Muniz.
Apesar da polêmica envolvendo o pênalti em Raso, a arbitragem foi exemplar, sem interferências externas desnecessárias e com a firmeza que controlar os ânimos de Katie McCabe exige.
Imagem de capa: Reprodução/Twitter @TheMatildas