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Brasil e China: passado, presente e futuro

Com a viagem de Lula à China, a relação entre os dois países foi muito comentada. Entenda sobre as origens dessas relações, ainda desconhecidas por muitos brasileiros

Com suas origens ainda no período colonial, as relações do Brasil com a China foram lentamente se consolidando ao longo dos séculos. Desde o início da imigração chinesa, há mais de 200 anos, até o patamar de maior parceira econômica do Brasil, a nação asiática se fez presente em grande parte de nossa história comercial e cultural. Com a recente viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, no dia 11 de abril de 2023, em sua quarta visita ao país, surgiram questionamentos acerca dos rumos dos vínculos entre as nações.

O início da imigração chinesa para o Brasil

A imigração chinesa no Brasil teve início durante o reinado de Dom João VI, quando um grupo de imigrantes chineses veio para a colônia a fim de plantar chá, aproximadamente nos anos de 1810, formando a primeira comunidade chinesa na América

A busca por imigrantes chineses para trabalhar no país vem de uma noção da época de substituir escravos africanos, mas essa ideia não era compartilhada por todos. Duas correntes de pensamento estavam em voga durante a década de 1860: a primeira acreditava que a vinda de chineses para o país poderia representar a transição do trabalho escravizado para o assalariado e a segunda acreditava que a vinda de imigrantes chineses para o país seria outra forma de escravidão.

Segundo a primeira linha de pensamento, o fim do trabalho escravo se daria pela utilização de uma mão de obra que possuía baixo custo de contratação e pela fama de trabalhadores fortes (pois, durante essa época, outros países buscavam no império chinês trabalhadores para seus próprios territórios, como Estados Unidos, Cuba e Peru). E a segunda linha apontava para os “riscos” que essas pessoas trariam para o país, com hábitos e costumes estranhos.

Ambas as correntes retratam o pensamento racista da época, seja tratando um povo mais laborioso e, portanto, melhor para substituir o trabalho escravocrata, seja afirmando que haveria a disseminação de tradições negativas para o povo brasileiro.

O Brasil realizou uma missão para a China em 1879, parou na Europa em busca de intérpretes para a viagem e promoveu a primeira circunavegação do país. A discussão de trazer imigrantes para o país não foi continuada, o império chinês negou o pedido por conta dos maus tratos que correntes migratórias para outros países já haviam sofrido.

No final, foram imigrantes japoneses, vistos como integrantes da nação asiática mais próxima dos costumes europeus, que chegaram ao território brasileiro e concretizaram a imigração asiática.

Publicação feita pela Revista Illustrada em 1879 satirizando os costumes dos chineses. [Imagem: Reprodução/Revista Illustrada/Biblioteca Nacional Digital Brasil]

A primeira entrada oficial de imigrantes chineses ocorreu em 1900, seguindo em direção a São Paulo, para trabalhar em lavouras de café no estado. É apenas a partir da década de 50 que o número de imigrantes no país aumentou consideravelmente e pode-se afirmar que houve uma corrente migratória. Isso ocorreu devido ao contexto interno da China, que passava por conflitos entre nacionalistas e comunistas, no contexto da Revolução Chinesa

Atualmente, a imigração chinesa apresenta outras características. Segundo  Shu Changsheng,  pesquisador das correntes migratórias entre Brasil e China, os novos imigrantes chineses mantêm forte ligação com seu país de origem e alternam sua presença nos dois países. Quando o cenário econômico é positivo no Brasil, eles permanecem, mas quando a economia é desfavorável, os mesmos retornam para a China. 

O professor também aponta para o fato da imigração chinesa para o país estar diminuindo. Isso acontece por conta da política de natalidade realizada – a “política do filho único”, que durou de 1980 a 2015 – e do cenário econômico instável do Brasil, enquanto a emigração brasileira para o país asiático aumenta, principalmente, em razão das oportunidades de emprego no país.

Relações entre os países

Em 1949, o Brasil cortou relações com a República Popular da China, instaurada por Mao Tsé-Tung no mesmo ano. O cenário geopolítico era o da Guerra Fria, com um mundo dividido entre dois blocos: capitalista e comunista, e o presidente da época, Eurico Gaspar Dutra, fechando o consulado em Xangai e abrindo uma embaixada em Taipei.

Durante a década de 60, ocorreu o começo da aproximação entre ambos os países, porém, ainda incipiente, pois havia uma atuação forte dos Estados Unidos na América Latina, enquanto o país asiático possuía uma política marcadamente isolacionista. Em agosto de 1961, ocorreu a primeira visita de um governante brasileiro ao país, feita por João Goulart, à época vice-presidente de Jânio Quadros, que expressava o desejo de aproximar-se da nação chinesa, afirmando, em nota ao Ministério das Relações Exteriores e ao Ministério da Indústria e Comércio, que deveria ser organizada uma “missão de alto nível”.

Durante a estadia de João Goulart na República Popular da China, Jânio Quadros renunciou. Aproveitando que o vice-presidente encontrava-se fora do país, foi iniciado o processo de instalação da ditadura militar no Brasil.

Anos de chumbo: as relações Brasil-China durante a ditadura

Reportagem de outubro de 1966 da Revista Realidade que propunha contar a história da China e da Revolução Comunista. [Imagem: Reprodução/Biblioteca Nacional Digital Brasil]

No dia 3 de abril de 1964, dois dias após o início da ditadura militar no país, um grupo de nove chineses instalados no Brasil por motivos diversos – entre eles dois jornalistas, três membros de uma exposição de produtos chineses e quatro participantes de uma missão comercial – foi preso sob acusações de espionagem e subversão. Eles puderam deixar o país um ano depois, em 18 de abril de 1965, após a confirmação da expulsão por Castello Branco. Entretanto, a saída foi marcada por acusações de sessões de tortura e, após 50 anos, em 2014, o governo brasileiro reconheceu o erro cometido contra o grupo.

O governo Castello Branco, o primeiro durante os anos da ditadura, cortou relações com a China, criticando-a por ter ideias comunistas, e alinhou-se aos Estados Unidos, quebrando a política externa praticada pelo país, notadamente independente. Durante o governo Médici, foi mantida a estratégia de não aproximação com o país, utilizando a ideia de segurança nacional e combate ao comunismo.

Durante a década de 70, a situação mudou: a China continental diminuiu seu apoio a movimentos revolucionários na América Latina e prometeu não-intervenção em assuntos internos de cada país, marca que perdura até os dias atuais. Também durante o governo Geisel, houve uma maior flexibilidade ideológica e cooperação com a China, a qual saiu de seu isolacionismo político, aproximou-se dos Estados Unidos e conseguiu um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o qual antes era ocupado por Taiwan.

Nos anos 80, a China passou por um processo de modernização que poderia significar uma aproximação ainda maior entre os dois países, mas isso não ocorreu de imediato. O Brasil, agora liderado por João Figueiredo, encontrava-se endividado após o governo Geisel, e a China, que era acusada de reprimir movimentos democráticos em seu país, sofria com reações internacionais a esse fato.

Redemocratização

Imagem de José Sarney e sua esposa, Marly Sarney, em visita às Muralhas da China [Imagem: Divulgação/Agência Brasil/Gervásio Baptista]

Durante o governo de José Sarney, foi assinado um acordo entre Brasil e China para a construção do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS), ferramenta que monitora o território a partir de sensoriamento remoto e que permitiu ao Brasil obter o conhecimento de seu território continental a um custo mais baixo. 

Sob a liderança de Itamar Franco, em 1993, a Ásia foi definida como uma das prioridades da diplomacia brasileira. Houve um esforço para reestruturação da ONU e do Conselho de Segurança e foi cunhada a expressão “Parceria Estratégica”, a qual denomina relações entre países que acreditam estar em sintonia com seus objetivos e dificuldades.

No discurso de posse de Fernando Henrique Cardoso, a Ásia foi definida como uma das prioridades da política externa. O presidente assinou um acordo para expandir o programa CBERS com a China, e se comprometeu a apoiar a entrada dela na Organização Mundial do Comércio, o que ocorreu em 2001. 

A viagem de Dilma Rousseff à China em 2011 foi marcada pela participação da terceira Cúpula dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), oficializando nesse evento a entrada da África do Sul no grupo. Também, durante sua estadia no país, foi anunciada pela empresa taiwanesa Foxconn o investimento de U$ 12 bilhões no Brasil durante cinco anos para a produção de telas de computadores e tablets no território, algo que não aconteceu. Atualmente, Dilma assume a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento, conhecido como Banco dos BRICS, sediado em Xangai.

Michel Temer realizou duas viagens ao país durante seu governo, a primeira em 2016, participando da Cúpula do G20, e a segunda em 2017, participando da Reunião do Conselho de Mercado e da Cúpula dos BRICS. A visita foi marcada por acordos que visavam atrair investimentos chineses ao país por meio de pacotes de privatizações e concessões.

O governo de Jair Bolsonaro possuiu uma política de aproximação aos Estados Unidos e de tentativa de mostrar-se ideologicamente contrário à China. Bolsonaro visitou o país em 2019, apesar dos seus discursos que promoviam uma tentativa de distanciamento ideológico do país asiático. Nesse mesmo ano, as exportações brasileiras para a China chegaram ao total de U$ 63 bilhões. Ao final do governo Bolsonaro, o Brasil chegou a exportar U$ 20 bilhões a mais para a nação asiática, mostrando a aproximação dos países.

Lula na China: 2004, 2008, 2009 e 2023

Presidente Lula e o Presidente da China, Hu Jintao, passam em revista as tropas durante cerimônia oficial. [Imagem: Reprodução/Biblioteca Presidência da República/Ricardo Stuckert]

Em 2004, houve a criação da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), a qual deve realizar reuniões a cada dois anos entre representantes dos dois países para promover o relacionamento bilateral, mas que teve um hiato de reuniões entre 2015 e 2021. No mesmo ano, mesmo sob fortes protestos do empresariado brasileiro, o país reconheceu a China como uma economia de mercado ao invés de economia de transição, esperando receber apoio do gigante asiático à candidatura brasileira a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, o que não foi concretizado. 

Sobre a falta desse apoio à época, Paulo Menechelli, pesquisador da diplomacia cultural da China e co fundador do think tank Observa China, afirma: “Eu acho que houve uma leitura por parte da China de que talvez não fosse o caso de apoiar a candidatura do Brasil individualmente, mas sim apoiar a reforma do processo desses olhos do sistema internacional”.

Durante o segundo governo de Lula e em sua primeira viagem nesse período, foi objetivado fechar acordos comerciais. Um ano depois, em 2009, foi comemorado o alcance da China de principal parceiro comercial do Brasil, após 80 anos dos Estados Unidos nessa posição. O país asiático tinha interesse em explorar matérias-primas e recursos energéticos necessários para expandir a economia chinesa e dar continuidade ao investimento que realizava em áreas-chave, como tecnologia e indústria.

Em sua última viagem, o atual presidente do Brasil demonstrou querer uma maior aproximação entre ambos os países. É possível destacar, na Declaração Conjunta das Repúblicas, o apoio do Brasil ao princípio de uma só China (continuando a reconhecer Taiwan como parte integrante do território chinês) e o apoio chinês ao exercício do Brasil da presidência do grupo BRICS (conjunto atualmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em 2025, assim como o apoio à presidência brasileira do Grupo dos 20 (G20) – fórum de cooperação econômica internacional -, a qual será iniciada no dia primeiro de dezembro de 2023.

O futuro

Cerimônia de boas-vindas do presidente Xi Jinping ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à primeira-dama, Janja Lula da Silva, no Grande Palácio do Povo, em Pequim. [Imagem: Reprodução/Agência Brasil/Ricardo Stuckert]

Lançado em 2013, a “Nova Rota da Seda” é um projeto que prevê investimentos, feitos pela China, em infraestrutura nos países que o aderirem, além de conectar os mesmos. No momento, são 147 participantes da ideia, sendo Argentina e Uruguai os países próximos ao Brasil que também aderiram ao projeto. 

A decisão de participar ou não do projeto ainda gera enormes questionamentos na diplomacia brasileira. O país asiático insiste na parceria do Brasil, pois seria uma maneira de demonstrar apoio à nação, que enfrenta os Estados Unidos na luta para demonstrar superioridade no cenário internacional.

No governo brasileiro, há uma cisão entre aqueles que apoiam a entrada do país no One Belt, One Road (Um Cinturão, uma Rota, em tradução livre) – outro nome para a Nova Rota da Seda -, mas a postura do Itamaraty é a de recusar a entrada para receber investimentos, pois mesmo sem participar da iniciativa, o Brasil recebe investimentos intensos da China na área de infraestrutura.

Para Gilmar Masiero, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, é positiva a participação do Brasil nesse programa. “Eu defendo que é uma parceria ‘ganha-ganha’, mas só é formalizada se o ‘ganha’ deles for maior que o nosso. Não é porque eles são chineses, mas porque é assim no mundo todo”.

As nações também buscarão realizar uma aproximação entre si por meio de intercâmbio estudantil e cultural, promovendo acordos de produção na área televisiva e cinematográfica. Paulo Menechelli, doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, explica que medidas como essa já ocorrem no Brasil, apontando a presença do Instituto Confúcio, organização que objetiva promover o estudo da língua e cultura da China no Brasil, e do crescimento do consumo de dramas chineses (C-dramas) no Brasil. 

“A diplomacia cultural tem um papel de reduzir desconfianças e construir pontes entre povos, então essa é uma dinâmica que precisa ser mais fortalecida na relação entre China e Brasil, principalmente de forma bilateral”, explica Paulo. Ele também pontua que muito se fala sobre algumas iniciativas chinesas chegando no Brasil, mas o lado brasileiro chegando na China ainda é muito incipiente. Sobre o futuro da migração chinesa para o Brasil (e também de brasileiros que seguem em direção à China), o professor Shu Changsheng afirma: “No momento não há uma previsão clara sobre as tendências futuras, mas se Lula conseguir implementar os projetos e acordos firmados na sua visita a China em 2023, provavelmente haveria mais chineses entrando no Brasil trabalhando para esses projetos”. 

O pesquisador também explica que tudo depende de como estará a situação política e econômica do Brasil. De modo geral, a população chinesa no Brasil vai diminuir, em função do envelhecimento e do retorno dos imigrantes para a China.

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