Por André Derviche e Danilo Moliterno
andrederviche@usp.br e danilomoliterno@usp.br
Derrota para o Vasco na final da Copa João Havelange de 2000. Perda do título do Campeonato Brasileiro de 2001 para o Atlético Paranaense. Revés diante do Olímpia na decisão da Copa Libertadores de 2002. Traumas, que naquele 18 de abril, subiam junto com o time do São Caetano para o gramado onde seria disputada a final do Paulistão de 2004. 15 anos após o jogo diante do Paulista de Jundiaí que resultaria no primeiro grande título do Azulão, o Arquibancada, com a colaboração de Fabrício Carvalho – atacante e peça fundamental daquele elenco – recapitulou os antecedentes e momentos importantes da campanha que permearia o time do ABC na história do futebol brasileiro.
Um trabalho surpreendente
Fundado em 1989 por um grupo de pessoas ligadas ao esporte da cidade, o Azulão é um grande exemplo de crescimento a curto prazo. Pouco mais de uma década após seu nascimento, em 2000, já disputava a final da Copa João Havelange, torneio correspondente ao Campeonato Brasileiro atual.
A decisão deste, por sinal, ficaria para a história – não devido ao jogo em si, mas sim a um tumulto ocorrido nas arquibancadas de São Januário que deixou dezenas de feridos e causou a suspensão do confronto. A partida foi remarcada e disputada no Maracanã, onde o Vasco superou o São Caetano por 3 a 1 e ficou com a taça. O título não veio, mas aquele era apenas o início da ascensão do time que se tornaria, mais tarde, sensação no país.
No ano seguinte, o clube repetiu o feito e chegou à final do Brasileirão, porém foi superado pelo Atlético Paranaense nos dois jogos da decisão. A segunda colocação rendeu uma vaga para a Copa Libertadores de 2002. No torneio continental, em outra campanha surpreendente, o time do ABC paulista superou equipes tradicionais como Universidad Católica e Peñarol e, novamente, chegou à final de uma grande competição.
Na finalíssima, após derrotar o Olímpia por 1 a 0 no jogo de ida da decisão, no confronto de volta o São Caetano chegou a abrir o placar e se aproximar do título, porém não suportou a pressão do time paraguaio e cedeu a virada. A derrota por 2 a 1 no Pacaembu levou a decisão para os pênaltis, em que o Azulão, mais uma vez, sofreu o revés e ficou com o vice-campeonato.
Já em 2003, o clube não conseguiu repetir o sucesso dos anos anteriores, e o melhor resultado na temporada foi a quarta posição no Campeonato Brasileiro. Entretanto, naquela campanha surgiram nomes como Fábio Santos, Marcelo Mattos, Mineiro, Marcinho e Warley – de suma importância para um futuro próximo, mais especificamente para o semestre seguinte, quando seria disputado o Campeonato Paulista de 2004.
A montagem de um elenco vencedor
Desde que o Azulão surgiu no cenário nacional com o primeiro vice-campeonato brasileiro, a diretoria caetanista teve de enfrentar em todo final de temporada um grande adversário: o assédio de times de maior investimento para com seus jogadores. Apesar dos esforços para manter uma base, na maioria das vezes, as principais peças de uma boa campanha não permaneciam para o ano seguinte.
Todavia, em 2004, a história não se repetiu. O São Caetano conseguiu manter a base do time que terminou a temporada anterior na quarta posição do Brasileirão, e ainda reforçou o elenco com contratações pontuais como Ânderson Lima, Euller e Fabrício Carvalho – jogadores promissores ou já de certo prestígio nacional.
O objetivo na montagem do elenco era uno: não ficar no quase e desta vez conquistar um título relevante que premiaria o trabalho realizado há anos. “A expectativa, na época, dos que faziam parte daquela equipe era muito grande. A diretoria na assinatura do meu contrato me falou que precisávamos de um título naquele ano” disse Fabrício Carvalho.
Um campeonato de dois técnicos
Pensando no cenário atual do futebol brasileiro, é difícil acreditar que um time que hoje se encontra na série D do campeonato nacional já foi comandado pelo atual treinador da seleção e por um técnico tricampeão do Brasileirão e campeão da Libertadores, ambos em um só campeonato. Foi exatamente isso que aconteceu naquele ano de 2004, quando Tite e Muricy Ramalho tiveram papéis importantes na conquista inédita do São Caetano.
Adenor Leonardo Bachi, o Tite, foi anunciado como técnico do Azulão em julho de 2003, quando abriu mão de uma proposta do São Paulo. O atual treinador da seleção brasileira, e multicampeão pelo Corinthians, chegou ao clube do ABC com o ambicioso objetivo de se classificar para a Libertadores de 2004. O técnico, que já havia ganho o Campeonato Gaúcho e a Copa do Brasil em 2001 pelo Grêmio, afirmou ter a classificação para o torneio continental como meta pessoal e que caso ela se concretizasse, permaneceria no clube. Ele atingiu o objetivo, então o próximo desafio do treinador no comando do time seria o Campeonato Paulista do ano seguinte.
Contudo, a trajetória de Tite no Azulão logo seria interrompida. Depois de seis jogos pelo estadual, o São Caetano tinha somente uma vitória, quatro empates e uma derrota para o Marília por 1 a 0 dentro de casa, o que ameaçava a classificação da equipe para a fase de mata-mata. Diante disso, a diretoria do clube decidiu demiti-lo, em fevereiro de 2004, deixando mágoas no técnico.
Para substituí-lo, o até então promissor Muricy Ramalho foi escolhido. O treinador chegava do Internacional, clube com o qual havia sido campeão estadual, mas também com passagens por São Paulo e Náutico, onde conquistou dois títulos internacionais e dois Campeonatos Pernambucanos, respectivamente. As mudanças implementadas por Muricy foram suficientes para mudar a postura do time dentro das quatros linhas. Nos últimos jogos do São Caetano na fase grupos, a equipe venceu as quatro partidas restantes, com destaque para o triunfo sobre o Palmeiras e para a goleada em cima do Paulista de Jundiaí por 5 a 1.
Apesar de a diretoria ter percebido, anos depois, que tanto Muricy quanto Tite tinham condições de ganhar aquele campeonato, a mudança de treinador possuiu um grande impacto nos jogadores. “A chegada do Muricy foi o divisor de águas para chegarmos à conquista, fez algumas alterações pontuais na equipe que surtiram efeito” comentou Fabrício, destacando também a importância do técnico na sua evolução como jogador.
O “azarão”
Classificado na quarta posição do grupo 2, nas quartas de final o São Caetano deveria enfrentar, segundo regulamento, o primeiro colocado do grupo 1, o São Paulo. Dono da melhor campanha da fase de grupos e com elenco estrelado, o tricolor paulista entrou no confronto apontado pela imprensa da época como franco favorito.
A vaga para as semifinais fora disputada em jogo único no Morumbi, a torcida são-paulina lotou o estádio naquela tarde de domingo. Mas o favoritismo e a torcida em peso não foram o bastante para segurar Fabrício Carvalho, que em duas jogadas de escanteio, aos 35 do primeiro tempo e aos 8 do segundo, marcou os gols que decretaram o 2 a 0 e a classificação do Azulão. “O jogo contra o São Paulo lembro com muito carinho, e as pessoas lembram de mim até hoje por conta daqueles gols marcantes de cabeça. Na imprensa só dava São Paulo antes do jogo, mas logo após o resultado tudo se inverteu e ganhamos notoriedade por ter desbancado um dos grandes na competição” relembra o atacante.
Na outra partida de quartas de final da chave, o Santos despachou o União Barbarense por 1 a 0. Portanto, o adversário do São Caetano nas semifinais seria o time da baixada, que, formado por revelações como Robinho, Diego e Elano – os Meninos da Vila – encantava o estado.
No primeiro confronto, disputado na Vila Belmiro, o time do ABC paulista começou avassalador e ao fim do primeiro tempo já vencia por 2 a 0, com gols de Ânderson Lima e Warley. Contudo, veio a segunda etapa, e o alvinegro praiano, comandado por Robinho, reverteu o placar. O 3 a 2 resistiu até os 41 da etapa final, quando Mineiro acertou um belo chute de fora da área, empatando a partida e reacendendo os ânimos caetanistas para a segunda partida.
Devido ao empate no jogo de ida, o confronto de volta disputado no Anacleto Campanella, possuía ares de tensão e indefinição. Assim que a bola rolou, no entanto, o equilíbrio desapareceu. O Azulão envolveu o time da baixada e aplicou um sonoro 4 a 0. Os gols de Euller, Fabrício Carvalho e Marcinho (2), definiram o embate e colocaram, novamente, o São Caetano na final de uma grande competição.
Uma final inusitada
Os anos anteriores à conquista do Paulista foram marcados pela presença do São Caetano nas decisões dos principais torneios nacionais e internacionais. Porém, em 2004, o elenco promissor e a filosofia de trabalho dava indícios de que a equipe podia conquistar coisas maiores que vice-campeonatos. Apesar dos sucessivos fracassos em momentos decisivos, o time do ABC se manteve motivado para superar os traumas passados a fim de obter um troféu inédito.
A grande decisão do Paulistão tirou os grandes do estado dos holofotes para dar lugar a uma final disputada entre São Caetano e Paulista de Jundiaí. O Azulão chegou ao confronto embalado pela boa campanha no mata-mata. Do outro lado, o Paulista de Jundiaí, comandado por Zetti, vinha de uma vitória nos pênaltis – contra o Palmeiras – na semifinal disputada no estádio Hermínio Ometto, em Araras. No entanto, a campanha do Galo Jundiaiense, se comparada a do time do ABC, era menos regular e segura devido aos sete gols sofridos nos três jogos eliminatórios que antecederam a finalíssima.
Tanto o jogo da ida quanto o de volta dessa inesperada final foram disputados no estádio do Pacaembu, na cidade de São Paulo. O São Caetano venceu o primeiro jogo por 3 a 1, com dois gols de Warley e um de Euller diante de mais de 10 mil pessoas. O segundo duelo contou com um público superior a 25 mil pessoas, dentre elas, uma maioria caetanista que esperava, naquela tarde, ver o Azulão finalmente conquistar seu primeiro grande título.
Após o apito inicial, foram necessários apenas vinte minutos para Marcinho abrir o placar e substituir o receio, existente devido aos recentes insucessos do clube, pela alegria de um iminente triunfo. Aos 43 do segundo tempo, Mineiro – de perna esquerda – marcou o segundo e deu números finais à partida. O 2 a 0 no placar do Pacaembu, ao final do jogo, decretou o início da comemoração do título.
A conquista do Campeonato Paulista de 2004 é até hoje considerada como um dos principais episódios de toda a história da Associação Desportiva São Caetano. “A conquista foi de suma importância para o clube e para todos nós que fazíamos parte daquele elenco. O time tinha grandes jogadores e, junto do treinador, fizemos história pois ganhar um título dessa expressão com uma equipe de pequeno porte é para poucos” concluiu Fabrício Carvalho, que assim como Ânderson Lima, Mineiro, Muricy e vários outros membros daquele time, entrou para a coleção de ídolos do clube.