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Caso Extra: a relação entre a morte de Pedro Gonzaga e o racismo estrutural

O texto abaixo faz parte de um novo projeto experimental da Jornalismo Júnior. Por Carolina Fioratti (carolinafioratti@usp.br) e Maria Eduarda Nogueira (mariaeduardanogueira@usp.br)   Em janeiro de 2011, um menino negro de 10 anos foi intimado à sala de proteção ao patrimônio do supermercado Extra e submetido a agressões físicas e psicológicas. Em abril de 2013, …

Caso Extra: a relação entre a morte de Pedro Gonzaga e o racismo estrutural Leia mais »

O texto abaixo faz parte de um novo projeto experimental da Jornalismo Júnior.

Por Carolina Fioratti (carolinafioratti@usp.br) e Maria Eduarda Nogueira (mariaeduardanogueira@usp.br)

 

Em janeiro de 2011, um menino negro de 10 anos foi intimado à sala de proteção ao patrimônio do supermercado Extra e submetido a agressões físicas e psicológicas.

Em abril de 2013, três jovens negros foram abordados com truculência em um supermercado da rede Zaffari, após fazerem compras e apresentarem a nota fiscal.

Em fevereiro de 2018, um jovem negro de 16 anos foi agredido por seguranças no Pão de Açúcar por consumir produtos no interior da loja.

Em fevereiro de 2019, um jovem negro foi morto por um segurança no supermercado Extra, após sofrer estrangulamento.

Esses e tantos outros casos sub noticiados pela mídia carregam um fator em comum: a cor da pele das vítimas. Tais acontecimentos revelam o alto do racismo estrutural da sociedade brasileira e mostram o despreparo dos profissionais de segurança em lidar com a juventude negra e periférica.

Pedro Gonzaga, de 19 anos, foi abordado por um segurança no Extra, localizado na Barra da Tijuca. A abordagem teve um resultado trágico. Pedro, que estava acompanhado por sua mãe, foi imobilizado até a morte. Segundo depoimento do segurança Davi Amâncio,o jovem tentou furtar sua arma, o que justificaria sua reação.

A mãe do garoto afirma que seu filho era dependente químico, sujeito a comportamentos instáveis. Diversas pessoas no local alertaram o segurança sobre o excesso de força utilizado, ao que ele respondeu: “quem sabe sou eu”.

Amâncio pagou fiança no valor de dez mil reais e responde em liberdade por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. O professor Sérgio Schecaira, da Faculdade de Direito da USP (FD-USP), explica: “A diferença é que no homicídio doloso, o culpado tem conhecimento do fato e de seu alcance, e vontade de que aquilo aconteça.”

O segurança afirma que agiu em legítima defesa, isto é, repeliu proporcionalmente a ação do jovem que supostamente tentava roubar sua arma. Mas há controvérsias. Schecaira comenta: “Não me parece que seja aquilo que aconteceu naquele caso. Não houve legítima defesa, porque a reação foi desproporcional.”

No Jornal Extra, o professor de direito penal da PUC Breno Melaragna diz que há a possibilidade do crime ter sua classificação alterada de culposo para doloso. Schecaira explica que o responsável pelo inquérito é o delegado, mas esse se relaciona com o promotor de justiça, único permitido para mudar essa capitulação legal.

Além disso, o segurança já teve antecedentes criminais. Ele foi acusado pela Lei Maria da Penha por agredir sua ex-esposa, e, por tal motivo, não poderia estar exercendo a função no momento em que o caso ocorreu. Amâncio poderia então receber pena de um a três anos, e se o dolo eventual for comprovado e oferecido como denúncia pelo Ministério Público, o número se estende para 12 a 30 anos de prisão.

(Fonte: Latuff)

O racismo de cada dia

O assassinato de Pedro Gonzaga tem um significado maior do que apenas o despreparo do segurança. Esse caso é sintomático em uma sociedade regida pelo racismo estrutural, que atinge a população negra em uma escala muito maior do que as manifestações de racismo individualizadas. A pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), Giane Silvestre, explica: “A concepção de racismo estrutural mostra como os preceitos da sociedade foram fundados e são reproduzidos em ideias e relações racistas.”

Isso quer dizer que o preconceito não se restringe apenas a cor da pele, mas também a todos os signos e marcas identitárias que a cultura afrodescendente carrega. Em pesquisa feita pelo Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, os policiais alegaram que fatores como o corte de cabelo, o modo de andar e o vestuário podem influenciar na abordagem. Novamente, percebe-se uma associação racista, sustentada por séculos de discriminação.

Dentro do movimento negro, fala-se em genocídio da juventude negra, caracterizado pela desproporção na quantidade de mortes quando comparada com a de pessoas brancas. Esses jovens possuem o maior número de casos de homicídio e também de letalidade policial, e tal fato é explicado por Giane como sendo um produto da forma de agir das instituições de segurança.

O comportamento das corporações abre pontes para o racismo institucional. Isto é: reprodução de atitudes racistas presentes na sociedade por parte das organizações que, na verdade, deveriam servir como auxílio para todos os indivíduos. O racismo institucional está fortemente presente no corpo policial e nas salas do judiciário, o que explica, além das mortes, a grande proporção de negros no sistema penitenciário.

O caso de Pedro Gonzaga é mais um entre tantos que se relacionam com essa cruel realidade. Sua história – e seu triste desfecho – confirmam aquilo que o movimento negro diz há anos: o racismo mata.

Quem será a próxima vítima?

 

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