Após arrecadação recorde em bilheterias em 2019, esse ano, com o anúncio de estreias muito esperadas pelo público, trazia grandes expectativas para a indústria cinematográfica. Entretanto, 2020 está sendo um verdadeiro balde de água fria para as previsões bilionárias do setor: projeções apontam uma redução em torno dos bilhões de dólares por conta da pandemia. O estudo publicado no Hollywood Reporter solidifica o cenário esperado por especialistas.
O adiamento de estreias, cancelamento de festivais e paralisação de filmagens tem chamado a atenção da população para o impacto econômico provocado pela pandemia do novo coronavírus .
Porém, isso não tem impactado somente os estúdios e produtoras: o setor de redes de cinema é o que mais sofre com o fechamento do comércio. O tradicional lar de exibição das películas é um segmento composto tanto por grandes empresas, quanto por pequenos negócios.
O setor já enfrentava redução da receita com a ascensão na internet dos sites distribuidores de filmes online e com os serviços de streaming. Agora, então, corre ainda mais risco diante da situação econômica global.
Nos Estados Unidos, a pandemia afetou o audiovisual de forma ostensiva. Com demissões em massa ― cerca de 120 mil funcionários foram demitidos ― e um quadro incerto de reabertura, até uma das maiores redes americana de salas de cinema corre risco de falência. A AMC Theaters obteve um prejuízo estimado em bilhões de dólares só no primeiro trimestre do ano. Em julho, eles afirmaram uma retomada total em busca de recuperação.
Outro exemplo dos efeitos dessa crise é a transnacional CineWorld, que afirmou publicamente suas dificuldades financeiras. A empresa possui sede em 11 países, entre eles Reino Unido, Canadá e República Tcheca.
Impacto Nacional
O cenário brasileiro é agravado pelo reduzido número de salas no país e sua distribuição concentrada nos grandes centros urbanos. De acordo com a Ancine, em 2019, o país dispunha de 3500 salas registradas. Esse é um número extremamente pequeno considerando a proporção do território brasileiro. Ainda, somente o estado de São Paulo possui cerca de um terço desse número, como avaliou o estudo do G1, em 2017, com base em dados da Ancine.
Em relação a isso, o curador do Cine Belas Artes de São Paulo, André Sturm, afirmou em entrevista concedida ao jornal Nexo que “se a gente perder salas, com certeza terá menos filmes estreando, menos pessoas indo ao cinema. Manter os cinemas abertos é um passo importante que beneficia todos os outros elos da cadeia”.
Com as salas fechadas desde março, várias redes levantaram possibilidade de falência e adotaram medidas emergenciais controversas. Esse foi o caso da Cinemark. A maior rede de salas do Brasil propôs um Plano de Demissão Voluntária ou um Programa de Qualificação Profissional remunerado para seus funcionários no Rio de Janeiro.
Os planos foram apresentados aos trabalhadores que tinham apenas 24 horas para tomar uma decisão formal. A maioria deles optou pelo segundo programa, já que nesse recebiam 80% do salário líquido e também participavam de cursos de qualificação online. Enquanto no primeiro só teriam garantia ao saque do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), sem direito a multa rescisória.
Algumas empresas têm tomado caminhos alternativos, o Kinoplex optou por antecipar as férias de todos os profissionais e o Belas Artes criou um crowdfunding. A vaquinha online bateu a meta original de 50 mil reais.
Pensando nesse quadro problemático da pandemia, a Ancine anunciou a injeção de até 400 milhões de reais dos recursos do Fundo Setorial Audiovisual em linhas de crédito emergenciais.
Mudanças para o pós-quarentena
É certo que a economia voltada para o entretenimento terá que modificar-se para a inserção no “novo normal” mesmo após a pandemia. As exigências médico-sanitárias determinadas pelos governos e pela OMC, tais como o uso essencial das máscaras e a distância de dois metros entre pessoas em ambientes fechados e/ou aglomerados, deverão ser seguidas por muito tempo. Logo, é de se esperar que a experiência usual de cinema que muitos estão acostumados não existirá. Nada de ir ao cinema com a galera. E lanchinhos, nem pensar.
Esses cuidados básicos podem ser vistos na maior parte dos países que estão reabrindo suas economias. Na República Tcheca, foi proibido o consumo de alimentos e bebidas dentro das salas, para garantir que os clientes não retirem a máscara em nenhum momento. E no Texas, o governador estipulou que os negócios que retornarem só poderão abrir com 25% da capacidade, mantendo-se o distanciamento.
Sobre essas medidas, a doutora Cecília Pinho disse, em entrevista à Jornalismo Júnior, que as salas de cinema brasileiras terão que passar por uma grande adaptação antes de se pensar em reabertura: “tem que montar uma estrutura própria pensando na infecção: controle do acesso com termômetros de temperatura, proibição de entrada sem máscara, limpeza constante de superfícies e distribuição das pessoas mantendo a distância de dois metros entre cada um”.
Mas para a médica, que atende ao Centro de Testagem e Atendimento para a Covid-19 da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia,o cuidado deve ser pensado para os funcionários, que exigem medidas além das usuais: “para o funcionário tudo começa no trajeto, tem que se pensar no horário das sessões para que ele não venha em horário de pico no transporte público”. Cecília acrescenta que o mais importante é o turno de trabalho: “seria interessante colocar turnos reduzidos porque aí a pessoa não precisa se alimentar no trabalho, sentar em uma mesa ”.
Ela ainda adiciona que é necessário que o funcionário tenha “acesso a máscara e um vestiário, onde ele possa lavar as mãos e trocar de roupa, “coisas assim podem diminuir a chance de transmissão”.
Ao contrário do recomendado pela doutora, em muitos lugares, as prevenções específicas foram deixadas de lado. Países como os Estados Unidos, ansiosos em voltar com os negócios e obter uma recuperação econômica rápida, atropelam as recomendações. Isso pode levar a novas ondas da doença. No país, por exemplo, o presidente Donald Trump operou uma reabertura classificada como prematura por muitos especialistas em saúde pública. O resultado se mostrou claro: o número de casos subiu para três milhões em julho.
Modo de sobrevivência
Para enfrentar os desafios impostos pela quarentena e minimizar os efeitos da crise econômica global, o setor cinematográfico dos países reabertos aposta na exibição de clássicos do cinema e na diminuição do preço dos ingressos em busca de atrair o público.
No entanto, não existe garantia de uma recuperação satisfatória do prejuízo. Isso é o que tem sido visto em outros países que já passam pelo processo. A China, epicentro da doença e primeiro país a adotar o fechamento, já reabriu.
Mas com um processo burocrático lento de aval de abertura regional para os negócios e com uma população temerosa a lugares fechados com aglomeração, a China Film Association (organização da indústria cinematográfica chinesa) prevê um declínio de 66% em relação a arrecadação do ano passado, sem contar com a perda de cerca de 28 mil salas no território.
Em São Paulo, a reabertura das salas de cinema estava prevista para o dia 27 de julho. O governo havia autorizado o restabelecimento das atividades culturais ainda na fase amarela (terceira etapa), com a condição de existir estabilidade do número de casos por quatro semanas. No entanto, o prefeito Bruno Covas vetou a ação, afirmando que os teatros e cinemas só serão reabertos na capital quando a cidade entrar na quarta fase (verde).
Foram também estipuladas pelo governo do estado regras a serem seguidas pelas empresas do setor cultural quando voltarem ao funcionamento, como: ocupação máxima de 40%, uso obrigatório de máscara, venda de ingressos apenas online, assentos marcados respeitando o distanciamento e proibição do consumo de bebidas e alimentos.
Com isso, novas e antigas modalidades de entretenimento que adequam-se melhor ao cenário pandêmico tem crescido. Os canais de streaming conseguem cada vez mais notoriedade e a ressurreição dos cinemas drive-in, populares na década de 1970, também prometem sucesso, mesmo após a pandemia.