Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Como acontece a representação do cientista na cultura pop brasileira

Por Bianca Muniz (biancamuniz@usp.br) A cultura popular pode ser definida como o produto cultural destinado às massas. Nesse sentido, temos como produtos dentro da cultura pop brasileira as telenovelas, os quadrinhos, a música, os filmes e as séries, que contribuem na formação do imaginário popular e reputação de muitas carreiras. Com a carreira científica, isso …

Como acontece a representação do cientista na cultura pop brasileira Leia mais »

Por Bianca Muniz (biancamuniz@usp.br)

A cultura popular pode ser definida como o produto cultural destinado às massas. Nesse sentido, temos como produtos dentro da cultura pop brasileira as telenovelas, os quadrinhos, a música, os filmes e as séries, que contribuem na formação do imaginário popular e reputação de muitas carreiras. Com a carreira científica, isso não é diferente: a ideia que se tem sobre o cientista é influenciada pelo que é mostrado através de diversas mídias. Mas será que o que vemos, muitas vezes para o entretenimento, nas telinhas e telonas, nas páginas de romances e quadrinhos brasileiros reflete a realidade do pesquisador e da ciência brasileira?

O que os cientistas acham de sua representação na cultura pop brasileira

O Laboratório conversou com pesquisadores a fim de entender como eles enxergam a representação de sua carreira na cultura popular brasileira. A docente do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Erika Suzuki, diz observar pouca representação do cientista, e quando ela acontece com fidelidade, é através da movimentação nas redes sociais: “O que eu vejo são as tirinhas, nas mídias sociais, que podem ser a tradução daquilo que é produzido no exterior, ou a produção dos próprios pós-graduandos mostrando como é a vida penosa da carreira científica, da falta de financiamento no Brasil, ou a correria que é a pós-graduação”.

Katia Oliveira, docente e pesquisadora do mesmo departamento, concorda que falta representação na cultura brasileira e diz que isso ocorre por não haver conhecimento básico na criação de personagens que reflitam os desafios da carreira científica. Ela acredita que isso é o reflexo de uma sociedade que não conhece quem é o pesquisador — falta de conhecimento que, segundo ela, se inicia na educação básica, com a escassez de instigação do que é o cientista para as crianças: “Por que as crianças querem ser médicas, engenheiras, advogadas? Porque são as profissões mais projetadas pela mídia e que é a grande referência que elas podem ver no dia a dia. Todo mundo entra em contato com o médico, mas com o cientista, ninguém entra. Nós temos uma profissão escondida, silenciosa, e obviamente não menos importante que as outras”.

Diante da falta de uma representação mais fiel da figura do cientista, há quem procure mudar esse quadro. É o caso do jornalista e quadrinista João Garcia. Jão (como João assina seus quadrinhos) publica a série de tirinhas “Os Cientistas” em seu blog, que já foi veiculada através do Correio Popular de Campinas e outros jornais. Jão considera seu cartum “uma espécie de visão crítica dos cientistas em quadrinhos” apresentando desde conhecimento científico, até uma correlação de egos das carreiras do cientista e do jornalista.

De gênio incompreendido a cientista maluco

Para Jão, o pesquisador nas manifestações culturais é retratado com pouca humanidade: “Muitas vezes a figura do cientista é apresentada como alguém superdotado intelectualmente, e não como alguém de carne e osso, que está desenvolvendo uma atividade como qualquer outra relacionada ao conhecimento e que, por definição, deveria estar a serviço da sociedade — sociedade que muitas vezes financia os projetos científicos”.

A roteirista e mestranda em Estudos Culturais pela Escola de Artes e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (EACH-USP), Maria Estela Andrade, concorda que nas obras de ficção a figura do pesquisador muitas vezes não corresponde à realidade, sendo retratada em um “pedestal” (seja uma personagem fictícia ou não), e acredita que essa imagem se deve aos altos custos do desenvolvimento científico e dos muitos anos de formação necessários ao pesquisador. “Os cientistas são representados como pessoas muito talentosas, que nasceram com alguma espécie de “dom”, como se a pessoa precisasse de um “algo mais” para trabalhar com ciência.”

Maria Estela também aponta que alguns detalhes da caracterização de um personagem cientista colaboram com essa visão idealizada, como o uso de palavras complicadas nas falas e a atribuição de grandes responsabilidades (como salvar ou destruir o mundo, por exemplo).

Tirinha da série “Os Cientistas”, escrita e desenhada por Jão, e presente em seu blog

Outra característica comumente atribuída ao cientista é a excentricidade, sendo a responsável pelo estereótipo de “cientista maluco”, solitário e ranzinza, que, para Jão, é o rótulo pejorativo mais utilizado pela mídia e também o mais exagerado.

Nas telas, a representação do cientista esquece de apontar a diversidade, seja entre os pesquisadores ou entre diferentes áreas de conhecimento. “É interessante reparar que na maioria das vezes são homens representados nos papéis de cientistas”, conta Maria Estela — em um país onde as mulheres produzem quase a metade do conhecimento científico. Ela ainda reforça que seria interessante ver pesquisadores das ciências humanas retratados como cientistas, já que geralmente a ciência é mais associada à saúde e tecnologia no imaginário popular.

Como é produzida a representação de personagens cientistas

Maria Estela relata que a produção de conteúdo audiovisual que aborda a ciência e o cientista depende de diversos fatores, como o seu formato, público-alvo e roteiro. “Produções menos comerciais e mais voltadas ao realismo tendem a realizar um processo de pesquisa mais profundo para a construção das personagens e tenta os aproximar da realidade; já muitas obras mais comerciais, que buscam grande público, costumam usar o estereótipo para essa construção”.

A pesquisadora exemplifica as diferentes abordagens com dois personagens recentes no audiovisual brasileiro: Zero, do filme “O Homem do Futuro” (2011) e Angélica, da minissérie “A Fórmula”, exibida pela Rede Globo em 2017. Zero, personagem interpretado pelo ator Wagner Moura, é um físico, solitário e rabugento o que está de acordo com o estereótipo do cientista. Já “A Fórmula” muda um pouco os padrões até então vistos nas produções, trazendo Angélica (interpretada por Drica Moraes): uma cientista mulher, que na série não é demonstrada como uma pesquisadora idealizada: ela apresenta dúvidas, comete erros e tem uma vida social comum.

A minissérie “A fórmula”, da Rede Globo, exibiu uma cientista mulher como protagonista – Imagem: Reprodução.

A influência da representação da ciência na sociedade

Jão acredita que as produções culturais deveriam mostrar resultados de trabalhos científicos, “mostrar que [a ciência] tem a ver com a vida das pessoas, tem a ver com o dia a dia”. Para o jornalista, ciência e tecnologia deveriam ser temas de política nacional, e essa mistificação do papel do cientista construída pela mídia acaba distanciando a sociedade desses assuntos, contribuindo para o desconhecimento da carreira científica e de suas demandas.

Entretanto, a exibição de resultados científicos nessas produções não deve ser feita de forma trivial, o que é uma preocupação dos pesquisadores. Para Erika, quando isso ocorre na mídia brasileira, é mostrado apenas aquilo que mobiliza opinião pública (como o tema de clonagem, na novela “O Clone”, em que um pesquisador realiza a primeira clonagem de um ser humano, mas adotando uma postura antiética), e isso pode dar uma ideia errada sobre o que é fazer ciência ou tornar uma descoberta científica alvo de sensacionalismo. “Isso é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que chama atenção para a ciência, às vezes é mal interpretado pela sociedade. Tem que ter um certo cuidado nesse tipo de produção.”

Em “O Clone”, novela exibida pela Rede Globo, o cientista Dr. Albieri, interpretado por Juca de Oliveira (foto), foi o primeiro pesquisador a realizar a clonagem de um ser humano – Imagem: Reprodução.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima