Jornalismo Júnior

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Desextinção animal: preservação ambiental ou interesse empresarial?

Especialistas comentam limites éticos, ecológicos e financeiros de trazer espécies extintas de volta à vida
O lobo cinzento é a espécie mais similar geneticamente ao lobo-terrível que teria passsado por desestinção
Por Gabriela César (gabriela.oliveiracesar@usp.br)

Você já pensou como seria se animais extintos voltassem a viver? Na franquia de filmes Jurassic Park (1993), cientistas clonam dinossauros e trazem à vida espécies uma vez extintas. Ainda que o enredo pareça distante da realidade atual, a desextinção de animais entrou em debate com o suposto retorno do lobo-terrível, promovido pela empresa Colossal Biosciences.

Em entrevista à Jornalismo Júnior, Flávia Marquitti, professora de evolução do Instituto da Biologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), explica que o experimento com o lobo não se tratou de uma desextinção, mas sim de uma manipulação genética da espécie do lobo-cinzento. Para que haja uma desextinção, seria necessário desenvolver uma população com mais indivíduos, capazes de se reproduzir e gerar descendentes.

Outra questão levantada com o experimento diz respeito às consequências de trazer um animal extinto de volta à vida nos dias de hoje. “Sempre que o ser humano introduziu um animal novo em um ambiente em que ele não estava, causou estrago”, relata José Yunes, professor de biologia molecular na UNICAMP.

Fóssil de dinossauro exposto em museu
As espécies de dinossauros são as mais visadas quando se pensa em desextinção animal [Imagem: Eva K/Wikimedia Commons]

Procedimento para “recriar” o lobo terrível

Publicações feitas pela Colossal na internet indicam que os  pesquisadores extraíram o material genético de um dente de 13 mil anos atrás e de um pedaço de crânio de 72 mil anos atrás, ambos de um lobo terrível encontrado nos Estados Unidos. Os cientistas sequenciaram os genes do lobo terrível para encontrar espécies vivas que possuíssem parentesco com o animal. Foi então que chegaram ao Canis lupus, mais conhecido como  lobo-cinzento.

Em seguida, coletou-se as células progenitoras endoteliais — camada fina que reveste a parede interna dos vasos sanguíneos — do lobo cinzento. A empresa afirma ter desenvolvido uma técnica própria de coleta sanguínea para causar o menor estresse possível ao animal. A tecnologia consiste em coletar o sangue da espécie uma única vez, isolar as células específicas e cloná-las.

Beth Shapiro, diretora-chefe de ciências da Colossal, relata que a parte mais difícil do experimento de desextinção é descobrir quais partes do genoma são responsáveis por determinar as características físicas e comportamentais do animal. Com o auxílio de aparelhos tecnológicos, os cientistas da empresa conseguiram identificar as diferenças entre os genomas do lobo-cinzento e do lobo-terrível e editar os genes do primeiro para aproximá-los do DNA do segundo.

Após esse processo, os especialistas transferiram o núcleo da célula com o DNA do lobo-terrível para um óvulo anucleado de uma cadela, repetindo o mesmo processo utilizado na famosa ovelha Dolly.  Esse óvulo tornou-se, então, um embrião de lobo-terrível, não mais de um cachorro doméstico.

Em outubro de 2024, nasceram dois filhotes: Romulus e Remulus, nomeados em homenagem à antiga lenda dos fundadores de Roma. “Nós combinamos desextinção com preservação de espécies, e nossa meta é fazer com que a extinção de animais seja uma coisa do passado”, afirma o cofundador da Colossal Biosciences, Ben Lamm.

Uma solução para a preservação ambiental

Uma das explicações para experimentos de desextinção seria a possível preservação de espécies. Com o aquecimento global, cada vez mais animais são colocados em risco, tornando-se mais difícil manter suas existências em um meio ambiente alterado. Para o professor de bioética do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), João Cortese, o discurso sobre desextinção pautado na conservação pode ser preocupante, pois pode haver interesses econômicos da empresa acima de preocupações ambientais.

Mas por que a desextinção não pode ser uma saída para a preservação ambiental,  já que aumentaria a biodiversidade? A ideia é que, por meio da clonagem, os indivíduos gerados teriam características idênticas, como gêmeos univitelinos. Para o equilíbrio ecológico, é necessária diversidade genética, visto que, caso uma espécie seja composta de animais geneticamente iguais, os riscos de mortalidade por doenças, por exemplo, aumentariam consideravelmente. Flávia reforça, portanto, que a desextinção não é a solução para a preservação de espécies.

José, por outro lado, acredita que mesmo que os genomas de animais clonados sejam iguais, é possível ter um benefício para a preservação de espécies. “Se você conseguir clonar uma espécie [em risco de extinção], é ótimo, porque você aumenta a espécie e, com o tempo, os indivíduos vão se cruzando e vai havendo mutações, formando uma população outra vez”, relata José. Um exemplo disso foi um experimento publicado pela Folha de São Paulo, em 2001, na qual um grupo de cientistas da Universidade de Teramo, na Itália, clonaram uma espécie européia rara de carneiro selvagem, até então ameaçada de extinção.

Entre os entrevistados, João e Flávia concordam que existem melhores investimentos anteriores à desextinção a serem feitos, como o financiamento de tecnologias para a preservação de espécies atualmente ameaçadas e práticas que reduzam a emissão de gás carbônico – ações que contribuem para a estabilidade da fauna e flora, reduzindo os danos à espécies animais. 

Flávia pondera que, apesar dos contras, a iniciativa de desextinção é  feita por uma empresa privada e com investimentos fora da esfera pública. Isso gera uma maior liberdade em suas ações, pois seu financiamento provém, inclusive, de personalidade famosas, como os vencedores do Oscar Peter Jackson e sua esposa/colaboradora Fran Walsh (O Senhor dos Anéis, O Hobbit ) e o ex-executivo da Amazon Jeff Wilke, de acordo com a Revista Forbes.

A UNESCO, por meio da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, considera o genoma humano, em sentido simbólico, um “patrimônio da humanidade”. Por isso, para João, o banco de biodiversidade gerado com experimentos de desextinção não deveria pertencer a uma empresa, já que ela atenderia a seus próprios interesses financeiros, por exemplo, como a comercialização de descobertas.

Filhotes do lobo-terrível gerado no suposto processo de desextinção
Possivelmente, filhotes do lobo-terrível gerados pela Colossal Biosciences [Imagem: Reprodução Fantástico/TV Globo creditada à Colossal Biosciences]

Bioética na desextinção

Muito se fala hoje sobre a proteção animal, com ONG ‘s de apoio à causa e o crescimento de adeptos ao veganismo. Mesmo assim, ainda é comum o uso de espécies animais para fins experimentais, como é o caso da “desextinção” do lobo-terrível. Segundo as informações divulgadas pela Colossal nas redes sociais, é possível identificar pelo menos duas espécies de animais utilizados durante o experimento: uma cadela de espécie não identificada e um lobo-cinzento. 

De acordo com relatório de 2018 da Universidade de Columbia, em Nova York, a taxa média de sucesso das clonagens em cães é de apenas 20%. Nesse sentido, por mais que tenha havido “sucesso” na experiência e a cadela tenha dado à luz a dois filhotes, não há dados de quantas tentativas foram feitas até obter o resultado esperado, nem do número de cadelas utilizadas durante o processo.

“No geral, na nossa sociedade, as pessoas vão aceitar certos usos de animais em experimentos”, destaca João. “Por exemplo, fazemos o uso de camundongos para desenvolver fármacos e os camundongos vão sofrer, mas entendemos que, para o bem estar humano, compensa o sacrifício do animal”. Existe um argumento de que o sofrimento de algumas cadelas seria pequeno diante do benefício obtido. Contudo, João ressalta a necessidade de questionar quem se beneficia com esse tipo de experimento: a humanidade ou a empresa?

Flávia esclarece que, em seu ponto de vista, ela não é contra os estudos de novidades como essa, contanto que tenha a ética exigida pelo governo onde a experiência for realizada. A professora explica que um experimento não precisa ter uma utilidade prática imediata, pois muitas vezes o aprendizado ocorre ao longo do processo científico; entretanto, a ética animal e ambiental no desenvolvimento da pesquisa e na maneira de divulgá-la não pode ser ignorada.

O ponto de vista do campo científico 

José comenta que ouviu sobre o retorno do mamute, mas acredita que é mais uma curiosidade do que a volta do animal. Não me parece que vai ‘desextinguir’ a espécie porque vai fazer alguns poucos animais e vai ter que criar toda uma população para ‘desextinguir’”, relata o professor.

Segundo Flávia, esse assunto ainda é preliminar no campo científico, porque ainda não foram compartilhados resultados concretos. Por outro lado, para a população, a popularização do tema na mídia pode causar a impressão equivocada de que os humanos seriam capazes de desfazer quaisquer danos ambientais ou resolver prejuízos causados por ação antrópica, como o caso da desextinção do lobo-terrível, por exemplo. 

Além disso, como a empresa não publicou detalhes do experimento, há desconfiança por parte da comunidade científica quanto à sua credibilidade. “Parece não ter passado por controle bioético nenhum, porque não tem publicação dos dados”, conclui Flávia.

*Imagem de capa: Anthony Sebbo/Unsplah

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