O consumo de alimentos ultraprocessados tem sido associado a diversos impactos à saúde humana, como diabetes, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, mas pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), de Harvard, nos Estados Unidos, e Deakin, na Austrália, apontam que o consumo desses produtos também traz efeitos negativos para a biodiversidade e o meio ambiente. A publicação é da revista BMJ Global Health, do último dia 28.
Em entrevista ao Laboratório, Fernanda Marrocos, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) e doutoranda do Programa de Saúde Global e Sustentabilidade da USP, conta que a ausência de discussões sobre os impactos dos ultraprocessados no meio ambiente motivou o grupo a pesquisar sobre o tema. E o aumento do consumo desses alimentos no mundo, que nos Estados Unidos já corresponde a 67% das ingestões calóricas dos jovens, torna o assunto urgente.
Basta ler o rótulo presente nas embalagens dos ultraprocessados para se deparar com uma lista de ingredientes desconhecidos pelo público geral, caracterizados por muitas etapas de produção industrial e processos químicos de fabricação. Apesar desse desconhecimento quanto ao que será ingerido e das letras pequenas dos rótulos, a maioria dos consumidores acaba adquirindo tais produtos. Isso porque os alimentos ultraprocessados são hiper palatáveis, amplamente propagandeados e comercializados, atraindo os consumidores pelo seu sabor acentuado.
Uma análise ainda em curso liderada pela pesquisadora do Nupens Giovana Andrade com mais de 7.000 alimentos ultraprocessados comercializados nas principais redes de supermercado do Brasil mostrou que os ingredientes mais comuns eram provenientes do açúcar, leite, trigo, milho e soja. “Na verdade, os alimentos ultraprocessados nada mais são que formulações prontas para consumo feitas de substâncias extraídas de um número reduzido de commodities, combinadas com aditivos que dão cor, sabor, aroma e textura,” aponta Fernanda.
“Quando olhamos as prateleiras dos supermercados, achamos que há uma grande variedade, com várias marcas e rótulos, mas ao analisarmos os ingredientes desses alimentos, nos deparamos com uma monotonia muito grande”. A pesquisadora explica que essa monotonia das substâncias usadas nos ultraprocessados gera efeitos negativos à biodiversidade, pois diminui a variedade de espécies vegetais nos ecossistemas.
Assim, além de agredirem o meio ambiente pelo gasto de água e a emissão de carbono, por exemplo, os ultraprocessados também fazem com que áreas que poderiam ser destinadas ao cultivo de diferentes espécies vegetais sejam compostas predominantemente de monoculturas dessas commodities. “Isso prejudica a saúde humana e a saúde planetária, não tem como trabalhar essas áreas separadamente”, comenta.
Os dados do Censo Agropecuário de 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram um aumento de quase 70% na área das lavouras de soja entre 2008 e 2019, enquanto a área de cultivo de feijão diminuiu em mais de 40% no mesmo período.
“Precisamos pensar que essa homogeneização da agricultura deixa de lado outras espécies vegetais que poderiam ser usadas na promoção de uma alimentação mais saudável, justa e sustentável, como diferentes tipos de frutas, legumes, verduras, cereais, entre outros”, enfatiza Fernanda.
Ela acrescenta que existem poucos estudos sobre a composição dos alimentos ultraprocessados, já que as indústrias não disponibilizam o receituário completo da formulação dos produtos.
Em seu doutorado, Fernanda está desenvolvendo uma metodologia inédita que busca investigar o impacto de diferentes padrões de aquisição domiciliar de alimentos sobre a agrobiodiversidade no Brasil. Ela aponta que resultados preliminares já mostraram uma relação entre padrões de aquisição ricos em ultraprocessados e uma agrobiodiversidade mais pobre.
A pesquisadora deseja reproduzir essa metodologia em bases de dados de outros países: “nós esperamos encontrar uma relação ainda mais evidente em países que consomem grandes quantidades de alimentos ultraprocessados e produtos de origem animal, por exemplo.”
Para Fernanda, ao desenvolver essas análises que evidenciam os impactos de nossas escolhas alimentares, será possível começar a desenhar um novo caminho que atenue os seus efeitos negativos e garanta um futuro melhor para as próximas gerações. “É preciso que o consumo de alimentos supérfluos, que não acrescentam nada à saúde e degradam o meio ambiente, no caso, os ultraprocessados, seja reduzido.”
*Imagem de capa: Gabriel Gama, com imagens de Pixabay