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Observatório | Dopings Olímpicos: atletas dos Estados Unidos são acusados de ilegalidade

Investigações sobre a delegação estadunidense revelam possível doping e escancaram dimensões políticas do esporte
Agulha e pilulas ilustram o do´ping
Por João Victor Vilasbôas (joaovilasboas.jvvp@usp.br), Júlia Sardinha (jusardinha.eca@usp.br) e Maria Luiza Negrão (marialuizacnegrao@usp.br

Dopados Unidos: o trocadilho utilizado por usuários do X (antigo Twitter), durante os Jogos Olímpicos de Paris 2024, faz referência à delegação estadunidense. Internautas adotaram o nome como uma justificativa bem-humorada para o sucesso dos atletas norte-americanos na conquista de medalhas e na quebra de recordes mundiais. Com o fim da competição, o que parecia uma sátira das redes sociais passou a se referir a investigações de casos de doping pela equipe dos Estados Unidos.

A Agência Mundial Antidoping (WADA), após o término dos Jogos de Paris, acusou os Estados Unidos de cometer fraudes ao longo dos últimos anos em competições esportivas com o uso de substâncias consideradas doping. Um dos principais apoiadores das denúncias é a delegação chinesa, segunda colocada no quadro de medalhas. As queixas vão além de uma competição ideológica entre os países: até as disputas olímpicas de 2024, os atletas da China — em destaque, os nadadores — foram submetidos a testes antidopagem com maior frequência, se comparado aos representantes de demais potências esportivas, como os EUA e o Japão. 

“O que está em jogo nos Jogos Olímpicos é uma competição entre forças antagônicas que utilizam as medalhas como um valor político”, afirma Marco Antonio Bettine, professor da USP especializado em Sociologia do Esporte. Um exemplo da disputa de forças a partir das conquistas de medalhas que ocorreu na última edição foi a denúncia do chinês Pan Zhanle — duas vezes campeão em Paris — sobre as discriminações que sofreu de outros atletas e treinadores. A situação, segundo o professor, exprime a descrença na honestidade das vitórias de esportistas da China e a exagerada valorização das conquistas de competidores de países ocidentais desenvolvidos. 

Diferente do caso russo — em que a dopagem era uma estrutura orquestrada pelo próprio governo —, não há provas reais da existência de políticas estatais em casos de doping dos atletas dos EUA. Apesar de ser a maior potência socioeconômica da atualidade, o país está submetido às punições antidopagem e seus atletas pegos são igualmente penalizados aos demais esportistas. “De modo geral, os atletas dos Estados Unidos são punidos conforme os critérios da Corte Arbitral e da WADA”, afirma Marco.

O professor acrescenta que ainda é cedo para definir as investigações de dopagens estadunidenses como um escândalo. Mas ressalta que o papel hegemônico dos Estados Unidos no mundo não impedirá que os seus atletas, caso pegos nos testes antidopagem, sejam penalizados. Ele relembra que, em Jogos Olímpicos passados, representantes dos EUA que foram pegos no doping — como o nadador Rick DeMont (Munique 1972), a velocista Marion Jones (Sydney 2000) e o ciclista Lance Armstrong (Sydney 2000) — foram efetivamente punidos.

O que é doping

O doping é caracterizado pelo consumo de substâncias — lícitas ou ilícitas — que resultam na melhora do desempenho físico do atleta. A prática é proibida em competições desportivas porque infringe o fair play — “jogo limpo”, em tradução livre para o português — proposto para as competições. “O atleta fica mais resistente, atento e forte, conseguindo uma melhora no esporte e dando desvantagem competitiva aos demais”, afirma a farmacêutica da Blau, Bruna Otani, em entrevista para a Jornalismo Júnior

Compõem a lista de substâncias proibidas do Código Mundial Antidopagem: anabolizantes, utilizados para aumentar a massa muscular; diuréticos e agentes mascarantes, que podem promover alterações no resultado de exames de urina; estimulantes, capazes de aumentar o nível de alerta dos atletas; e narcóticos, que propiciam o alívio da dor e sensação de relaxamento. Estas duas últimas são de uso proibido apenas em período de competições, enquanto as demais são proibidas sob qualquer circunstância. 

“O doping a longo prazo pode causar esterilidade, problemas cardíacos, desenvolvimento de tumores e em casos mais graves convulsões e dependência psicológica.”

 Bruna Otani

Nesta edição dos Jogos Olímpicos, o que chamou a atenção foi a diferença entre o número de testagens em atletas chineses e em competidores de outros países. Isso porque, em Tóquio, nadadores chineses foram autorizados a competir mesmo com a identificação de traços de uma substância proibida em seus testes. A Agência Antidoping da China (CHINADA) alegou que a causa foi a  ingestão acidental de carne contaminada e os atletas foram autorizados a participar dos Jogos Olímpicos disputados no Japão. Devido às reações adversas de diferentes delegações, como a dos Estados Unidos, os atletas chineses foram submetidos a um maior número de testagens.

Apesar da revolta dos EUA, a WADA relatou, em nota oficial, saber de casos em que a Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA) agiu na contramão do que pede o Código Mundial Antidoping e permitiu que atletas que foram pegos competissem. A WADA reforça que não concordou com tais atitudes, mesmo porque a USADA as fez sem notificar a organização .

“É irônico e hipócrita que a USADA reclame quando suspeita que outras Agências Antidoping não estejam seguindo as regras enquanto ela mesma não anunciou casos de doping por anos e permitiu trapaceiros a continuar competindo.”

WADA (tradução livre para o português)

Consequências aos EUA

Uma vez confirmado o doping, os atletas envolvidos são suspensos de competições esportivas por aproximadamente dois anos, entretanto, a punição imposta aos competidores pode variar a depender da gravidade do doping. Fatores como qual substância proibida foi detectada, a quantidade e a intenção do atleta ao usá-la são determinantes para uma eventual sanção. Caso o esportista pego no antidoping tenha conquistado medalhas, títulos e prêmios sob efeito de substâncias proibidas, ele poderá ter as suas conquistas anuladas, e, além disso, o atleta fica sujeito a ações educativas sobre doping.

A repercussão negativa que o uso dessas substâncias tem na mídia tende a prejudicar os atletas em outras esferas. Afora os danos à imagem, os competidores têm de lidar com a perda de patrocínio — já que as marcas tendem a não se associar a esportistas com irregularidades.

Nadadores da delegação dos Estados Unidos finalizam as competições nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 com ‘caras roxas’ e geraram especulações de doping [Imagem: Reprodução/X/@SheilaAndressaT]

Porém, quando os casos de doping são mais graves, com o envolvimento de  mais de um atleta, há consequências ainda mais severas. No caso russo, o Comitê Olímpico da Rússia foi banido dos Jogos de Inverno de PyeongChang 2018 e de Verão de Tóquio 2020, dada a quantidade de competidores de diferentes modalidades envolvidos. Os poucos atletas liberados para competir usaram bandeira neutra e não houve a execução do Hino Nacional russo em cerimônias no pódio quando ganharam medalhas de ouro. O professor Marco ressalta que caso o país punido seja o próximo a receber uma edição dos Jogos Olímpicos, o direito à cidade-sede pode ser revogado. 


“É um ‘e se’, mas se acontecer de os atletas dos Estados Unidos não puderem representar o seu país, os Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028 não aconteceriam.”

Marco Antonio Bettine

 Integração global fabricada

Para Marco, a diferença de tratamento e repercussão em escândalos de doping, como o dos EUA em Paris 2024, revela como é falso o ideal de que os Jogos Olímpicos promovem a reunião dos diferentes povos e culturas ao redor do mundo. Segundo ele, as Olimpíadas “não são globais e não procuram uma integração”, como apontam os discursos em torno do evento. 

De acordo com o professor, os países do sul global normalmente estão nos Jogos para mostrar que o evento realiza a integração almejada por Pierre de Coubertin quando escreveu a Carta Olímpica, em meados de 1890. Marco ressalta que é preciso considerar que cada país treina os atletas conforme suas possibilidades econômicas e, assim, não há interferência externa do Comitê Olímpico Internacional (COI) para igualar equipamentos e alimentação, por exemplo.

A desigualdade de tratamento entre os países desenvolvidos e os demais se reflete também na forma como a imprensa internacional trata os problemas de cada sede das Olimpíadas. Para o especialista, nos Jogos de Paris “chama a atenção a falta de notícias mais profundas sobre a questão do rio Sena, por exemplo, e a questão da comida. São notícias muito rasas as que nós tivemos acesso”. Em sua visão, por mais que no caso do Rio 2016 o Brasil tivesse outros problemas — como desvio de dinheiro, violência urbana e falta de saneamento básico —, as reportagens sobre esses temas eram bem detalhadas, o que não se viu com a cobertura na França.

*Imagem de capa: Reprodução/Freepik

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