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Elas no controle: o protagonismo das mulheres streamers nas plataformas 

O mundo virtual das lives passa pela sua maior mudança de público desde a sua criação.
Por Jônatas Conceição Fuentes (jonatas.cf@usp.br) e Nicolle Martins (nicollems@usp.br)

Ao longo de anos na internet, as live streams foram o entretenimento de milhares de espectadores. Desde o nascimento da Twitch – plataforma de transmissão ao vivo focada em games e conteúdo criativo, o ambiente virtual pouco representou a diversidade de gênero presente na população. Hoje, com a democratização do acesso às plataformas e a popularização dessa forma de entretenimento, esse cenário caminha para uma representatividade cada vez mais condizente com a realidade da sociedade. 

As opções de streaming no mercado hoje são muito diversas [Imagem: Reprodução/Reuters]

Surgimento e popularização do streaming

O conceito de streaming começou a se popularizar a partir de 2010, mas foi no meio da década de 90 que surgiram as primeiras difusões baseadas nele. Essa tecnologia consiste em uma transmissão de dados, principalmente em áudio e vídeo, via internet e sem necessidade de ocupação de memória do aparelho, ou seja, em nuvem e online. A primeira empresa a realizar uma transmissão em streaming de áudio foi a Progressive Networks, que exibiu, em 1995, jogo de beisebol entre New York Yankees e o Seattle Mariners ao vivo na internet. O feito inaugurou uma nova maneira de se consumir conteúdo e, a partir dele, as transmissões ao vivo foram se aprimorando, até alcançar o vídeo. 

Hoje, esse tipo de exibição é dividido em streaming e live streaming – ou apenas lives. O streaming são os vídeos ou áudios armazenados na plataforma que já se encontram gravados. Netflix, Prime Video, HBO Max e Globoplay são exemplos de streamings de vídeo. Spotify, Deezer e Apple Music, de áudio. O live streaming tem uma característica específica: as transmissões são feitas ao vivo. 

Com a pandemia, o cenário do streaming aumentou ainda mais. Em matéria do The Verge, dados da StreamElements e Arsenal.gg apontam um salto de 45% no consumo desse conteúdo. Já o mercado das lives chega a dobrar de tamanho ano após ano. No período em que o isolamento social privava cada vez mais as pessoas do contato humano, as lives foram uma das formas de uni-las no que seria uma simulação do  mundo real.

O nascimento da roxinha

A Twitch, carinhosamente chamada de roxinha por muitos de seus usuários, deriva da empresa Justin.tv, fundada por Justin Kan, Emmett Shear, Michael Seibel e Kyle Vogt em 2007. A ideia da plataforma era proporcionar aos usuários a possibilidade de transmitir conteúdos diversos ao vivo. Em 2011, a Justin.tv começou a dividir as temáticas da rede, e assim surgiu a TwitchTV, voltada para jogos. O nome Twitch deriva do termo twitch gameplay, um tipo de cenário de videogame que testa a rapidez do tempo de resposta de um jogador. 

A tela inicial da Twitch mostra ao usuários diversas lives que ocorrem no momento do acesso [Imagem: Reprodução/Twitch.tv]

Em somente um mês, a TwitchTV atingiu o número de oito bilhões de espectadores no mundo e, em dois anos, expandiu o número de funcionários para comportar o novo porte da plataforma. Grandes redes como o YouTube e a DailyMotion aumentaram o fluxo de streams de jogos para competir com a Twitch, mas não alcançaram seus números. No início de 2014, a Justin.Tv passou a se chamar Twitch Interactive, evidenciando o destaque do departamento sobre os outros, que já não tinham a mesma relevância.

Essa não foi a única mudança do ano, uma vez que a especulação de compra da Twitch pela Google, por meio da subsidiária YouTube, também se deu em 2014. Os jornais noticiavam a compra no suposto valor de 1 bilhão de dólares como quase finalizada quando, para a surpresa do público, foi anunciada a venda da Twitch para a Amazon no valor de 970 milhões de dólares

“Nós escolhemos a Amazon porque ela acredita em nossa comunidade e compartilha de nossos valores e visão a longo prazo […] No momento em que fomos ao ar, sabíamos que tínhamos trombado com algo especial. Mas o que se seguiu nos surpreendeu tanto quanto a qualquer outra pessoa, e o impacto que teve na comunidade e em nós é verdadeiramente profundo”.

Publicou Emmett Shear, então presidente da Twitch, no blog oficial da companhia

Em nota na época, Jeff Bezos,  fundador e presidente-executivo da Amazon, disse que “A transmissão e a visualização de jogos é um fenômeno global e a Twitch construiu uma plataforma que traz junto dezenas de milhões de pessoas que veem bilhões de minutos de games por mês […] E o incrível é que a Twitch tem apenas três anos”. 

Hoje, a Twitch se consolidou como a maior plataforma de streaming de lives do mundo, e tem concorrentes como as gigantes YouTube e Facebook Gaming, mas também de plataformas mais nichadas como a Nimo TV, que abriga lives focadas em jogos mobile, ou seja, de telefone celular. 

Elas no controle

Segundo o website StreamScheme – portal de conteúdo educativo sobre transmissões ao vivo –, em 2022, apenas 4 em cada 20 usuários (19,64%) eram mulheres. Em 2023, esse número sobe para 7 espectadoras a cada 20. Quanto às streamers, elas representam 41% de todas as transmissões na plataforma.

Geovanna Cunha é um exemplo dessa mudança de gênero no mercado do streaming. A estudante na área de tecnologia diz que gosta muito de assistir lives, uma vez que elas a inspiram a “ir de cabeça no mundo dos games”, principalmente as transmissões de gameplay – que consistem em um usuário jogando e exibindo sua tela para os espectadores. Ela ainda relata que tem bloqueios e fica “com o pé atrás” para jogos que não estão na sua zona de conforto, então saber que outras mulheres fazem parte da comunidade, deixa Geovanna mais tranquila.

A estudante conta que gostaria de ver mais mulheres no stream, mas que nos horários que tem tempo para assistir às lives a maioria de suas favoritas não está online, então ela acaba assistindo outros produtores. Geovanna é participante ativa do chat, quando pode, e narra que a experiência mais marcante que teve assistindo lives foi quando a streamer Caprimint, chilena que acumula mais de 900 mil seguidores na Twitch, interagiu com ela.

Caprimint é streamer com foco em jogos, principalmente League of Legends (LOL) [Imagem: Reprodução/Twitch.tv]

Foi a partir da crescente participação das mulheres como espectadoras que o número de streamers femininas também começou a crescer notoriamente. Essa construção de uma comunidade voltada para elas foi inicialmente uma necessidade de definir, como também de formar o pertencimento essencial para aquelas espectadoras que não tinham outra referência, que entendessem tão bem das mesmas questões culturais e sociais que apenas o meio feminino convive. 

 O maior fator que impedia a permanência das mulheres nessa comunidade vinha da própria comunidade em si. Os trolls – usuários dedicados em perturbar a tranquilidade das live streams, através de discurso de ódio, spam e outros meios – representam uma das barreiras que impede a plena existência da comunidade feminina na internet. Como no caso de Nebulosa, uma das streamers que sofreu ondas de ataques em 2021.

O machismo e a misoginia mantiveram as mulheres como uma comunidade minoritária no site. Até esse momento, a Twitch cumpria bem o seu papel em representar uma miniatura da sociedade no ambiente virtual, com ênfase nas suas mazelas. Para Juliana Ponzilacqua, streamer parceira da Twitch, essa realidade não foi diferente. “Eu percebia um chat muito problemático, que às vezes não estava falando sobre o tema da live ou que era muito mal educado e agressivo com outras pessoas. Era um grande receio para mim”.

A variedade de conteúdos marca as lives de Juliana, que tem mais de 10 mil seguidores da Twitch [Imagem: Arquivo pessoal/Juliana Ponzilacqua]

Hoje, o cenário mudou. Mulheres ao redor de todo o mundo ganham a força necessária para solidificar uma presença incômoda para aqueles que antes suprimiram ativamente a presença delas, mas também representativa para as que buscavam uma referência para compartilharem seus gostos pessoais. “Eu também já tive feedback de muitas mulheres falando que não tinham medo de conversar no meu chat. Gostam muito de assistir a outras lives, mas têm medo de falar por lá. Aqui elas não têm medo disso”, afirma a streamer

Diversificação dos temas 

Apesar de ter sido inicialmente pensada somente para jogos, a criação de novas categorias de conteúdos também foi fundamental para o início da abertura nas plataformas de live streaming. Até mesmo noites de conversa com espectadoras transmitidas na plataforma deram um novo rumo para a cena das lives

Com esse crescente interesse, as comunidades foram aumentando. As plataformas que antes focavam mais em videogames e conteúdos geek, hoje continuam sua diversificação e expandem seus horizontes para outras áreas do entretenimento. Como foi o caso de Juliana Ponzilacqua, que é linguista formada pela Faculdade de Filosofia, Linguagens e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e streamer desde 2020, que encontrou uma forma de variar sua atividade principal nas plataformas ao vivo. Ela começou na plataforma exercendo a sua profissão de formação: educadora. 

https://www.twitch.tv/ponzuzuju/video/1923103280

O diálogo com as espectadoras é um elemento frequente das lives de Juliana 

[Vídeo: Divulgação/PonzuzuJu/Twitch]

Juliana, conhecida como Ponzuzu nas redes sociais, já tinha um certo destaque por ser membra de um dos maiores podcasts de entretenimento do Brasil, o Mundo Freak Confidencial, onde fazia participações em programas sobre terror e casos insólitos. Ela conta que, quando decidiu dar aulas de alemão, o público que já a acompanhava aderiu com mais facilidade. A ideia das aulas surgiu visando dividir seu conhecimento com aqueles que tinham interesse em aprender outra língua, mas não tinham tanto dinheiro para investir. “Era uma exposição de conteúdos para ver se as pessoas se interessavam, como uma espécie de aula de reforço, uma vez que não havia a garantia de que o usuário iria aparecer continuamente na aula”. 

Mesmo assim, o peso dos jogos na comunidade é dificilmente ignorado. “Apesar de você ter muitos conteúdos diferentes, a maioria esmagadora da Twitch é de pessoas procurando jogos para assistir. A gente sabe que os motivos são variados, como a falta de condição financeira para comprar aquele jogo. Eu também resolvi jogar alguns dias da semana para ver se mais pessoas chegavam às lives”, conta a linguista. Também, o ambiente está longe de ser perfeito. “A Twitch tem melhorado bastante a sua política para proteger os streamers e os direitos de imagem, mas ainda falta muito. As leis ainda estão se formando sobre isso. Eu não me sinto 100% segura todas as vezes que eu abro live, infelizmente”, analisa Juliana. 

1 comentário em “Elas no controle: o protagonismo das mulheres streamers nas plataformas ”

  1. Muito boa essa matéria! Sensacional! Eu assisto muitos streamers da Twitch e não sabia do quão profundo era essa relação com a plataforma. Muito boa as entrevistas também! Nota 10 para os jornalistas!

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