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Energia nuclear: os perigos e vantagens da ‘energia do futuro’

Apesar das armas nucleares serem uma ameaça ao mundo, as usinas nucleares evoluíram desde o acidente de Chernobyl e são importantes para geração de energia mundial

“Nós temos um triângulo aqui: a questão ambiental, energética e de segurança”. É o que conta André Martin, professor titular de geografia na Universidade de São Paulo (USP), sobre energia nuclear. Por ser a única com potencial para suprir a demanda que recai sobre os combustíveis fósseis,  seu uso pode ser uma alternativa para a questão energética — que ruma em direção a uma possível crise de escassez de combustíveis fósseis.  Ao mesmo tempo, ainda existem polêmicas quanto aos perigos relacionados a essa fonte de energia.

A utilização de materiais radioativos nessas usinas gera controvérsias sobre o seu real impacto ambiental. Há, ainda, o medo de possíveis acidentes, e de seu uso para fins militares, como aconteceu em Chernobyl e em Hiroshima, respectivamente. Apesar disso, o Brasil tem planos para a construção da terceira usina nuclear em território nacional, acompanhando nações como a França, onde essas usinas já são responsáveis por 86% da produção energética do país.

 

Acidentes e lançamento de bombas nucleares podem acontecer hoje? 

Para o funcionamento de qualquer tipo de usina, é necessário que uma turbina gire e transforme energia mecânica — do movimento — em energia elétrica. No caso das usinas nucleares, água é esquentada, o que gera vapor e faz as turbinas se moverem. 

O uso de material radioativo ocorre para aquecer a água, visto que parte da massa dos átomos — unidade básica da matéria —, além de ser constituída por prótons e nêutrons, também possui energia. “Em todos os átomos do Universo, parte daquela massa foi convertida em energia, aquela que mantém grudadinhos todos os prótons e nêutrons no interior do núcleo”, explica Giovanni Laranjo, professor titular do Departamento de Engenharia Nuclear da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

O professor conta que, com a quebra do núcleo de um átomo muito pesado, como o urânio — principal elemento utilizado nas usinas nucleares —, parte dessa energia é liberada e chega até a água, aquecendo-a. Nas usinas, o urânio fica dentro de reatores, onde as reações que liberam radiação são controladas. 

Se mal manuseadas, essas partículas podem causar danos à humanidade, pois a radiação pode induzir à formação de tumores ou até mesmo a tornar áreas inabitáveis. Isso porque o contato com grandes quantidades de radiação provoca alteração no núcleo das células do organismos, onde fica o DNA humano. Assim, ocorre um crescimento desordenado das células, o que forma tumores e causa cânceres. Já possíveis acidentes nucleares liberam radiação no ar e no solo, o que não só contamina o meio ambiente, como também quem estiver próximo.

Em 1986, no acidente de Chernobyl, os operadores transgrediram os protocolos de segurança, o que levou a uma sobrecarga do reator e a explosões em cadeia. A usina utilizava 180 toneladas de urânio. A instabilidade desse material radioativo faz com que energia ainda esteja sendo liberada em 2022, o que torna a região inabitada. Segundo especialistas, Chernobyl não voltará a ser povoada por ao menos 3 mil anos.

 

Imagem de Chernobyl
Mais de 35 anos depois do acidente, Chernobyl continua inabitável. [Imagem: Reprodução/Unsplash]

 

Apesar do medo que a lembrança desse acidente possa causar, Giovanni comenta que as chances de um evento como esse se repetir são praticamente inexistentes. “Depois de Chernobyl, a indústria toda se adequou: muitas coisas que existiam naquela época, em concepção de reator, não existem mais”.

Hoje, os reatores têm uma contenção de concreto, que impede a saída do material contaminante, caso ocorra um acidente — em 1986, não existia essa proteção. Giovanni também cita outros aspectos que garantem a segurança das usinas: desde sistemas que dificultam o aquecimento da máquina até a possibilidade de auto desligamento do reator em caso de falha humana.

Além disso, o professor ressalta que a indústria nuclear possui uma regulação internacional, uma garantia de que não há usinas como a de Chernobyl atualmente. “No caso de um acidente, não tem como manter as coisas dentro da fronteira, elas vão sempre além disso. Então, existe uma agência que sempre fiscaliza essas questões”.

Quando se fala do uso de energia nuclear para produção de armas, a regulamentação de tratados oficiais é mais complicada. André comenta que, apesar de existirem tentativas para controlar esse uso, como o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, é difícil colocá-las em prática, pois nem todos os países aderem a esse tratado. Afinal, a posse desse tipo de armamento pelos países gera uma vantagem política no cenário mundial.

Mesmo que, na maior parte do tempo, as bombas nucleares signifiquem mais uma ameaça do que algo que será de fato irá ser utilizado, para André Martin, o risco de uma guerra nuclear ainda existe. “Se a essência da Guerra Fria foi a paridade nuclear, esse risco nunca desapareceu, de modo que é possível uma guerra nuclear [hoje]. Enquanto existir esse equilíbrio, nós corremos o risco”, afirma. 

Giovanni comenta que a possibilidade de uma dessas bombas ser usadas é muito mais perigosa do que os riscos de usinas nucleares. O professor explica que as bombas têm uma reação em cadeia descontrolada, ao contrário do que ocorre em reatores nucleares. Um exemplo do perigo do uso de armas nucleares foi o ataque dos Estados Unidos a Hiroshima e Nagasaki, no final da Segunda Guerra Mundial. Na ocasião, estima-se que entre 110 mil e 210 mil pessoas morreram durante o bombardeio ou nos meses seguintes em decorrência dos impactos da radiação. 

Atualmente, um exemplo de questão geopolítica latente nesse contexto é o conflito entre Índia e Paquistão pelo território da Caxemira. Essa região está dividida entre os dois países — a parte que fica na Índia tem população majoritariamente muçulmana e é o único estado indiano em que os hindus não são maioria. Assim, essa população preferia ser independente ou aderir ao Paquistão, fato que o Estado indiano não está disposto a aceitar. O conflito religioso, político e territorial ocorre desde a independência desses países e já viveu tréguas que não duraram por muito tempo. Ambas são potências nucleares. Uma guerra usando esse tipo de arma entre elas causaria entre 50 e 125 milhões de mortes e também levaria a alterações climáticas — o solo esfriaria e as precipitações diminuiriam, segundo pesquisa publicada na Science Advances

 

O impacto ambiental e as desvantagens da energia nuclear

Uma série de mitos gira em torno das desvantagens no uso de energia nuclear, como alegações de que ela esquentaria o mar e que qualquer nível de exposição a material radioativo seria prejudicial para os trabalhadores e para o meio ambiente ao redor. Entretanto, as desvantagens ambientais se apresentam como pequenas, se comparadas às vantagens. 

Não existe nenhum tipo de geração de energia sem impacto ambiental”, aponta o professor Giovanni. “Eólica tem, porque não fornece o tempo todo, precisa de bateria de metal pesado que, no solo, gera contaminação severa; além das hélices que acabam por matar pássaros. A usina solar utiliza uma bateria também, e a extração do silício para fazer as placas gera impacto… E isso com todos os outros tipos. Então, não existe nenhum tipo de energia que o homem conheça que não tenha algum impacto ambiental”.

 

Imagem de uma usina de energia nuclear.
A fumaça liberada pelas usinas é composta apenas por vapor d’água, configurando uma “energia limpa” [Imagem: Reprodução/Pixabay]

 

Os trabalhadores das usinas passam por uma série de protocolos de proteção para que jamais recebam uma dose de radiação maior do que o saudável. Por exemplo, eles andam com dosímetros a todo momento e são dispensados quando os equipamentos atingem uma quantidade máxima, além de utilizarem roupas específicas. 

É mais um mito, entretanto, que a ingestão de iodo por parte dessas pessoas evita que sejam contaminados. Há diversos materiais que podem ser utilizados nas usinas para geração de energia, entre eles o iodo radioativo, um dos primeiros materiais a escapar em caso de problemas no funcionamento. Esse elemento ataca diretamente as glândulas tireóides, que o absorvem. Assim, ao ingerir iodo inofensivo após a contaminação pelo radioativo, e apenas no caso deste ser o elemento em questão, as pessoas conseguem evitar que o corpo continue a absorver uma quantidade muito grande de material nocivo. 

Os rejeitos são o maior fator alarmante quanto à poluição ambiental: eles necessitam de um tratamento específico para que não contaminem outras regiões quando descartados, manejo que demanda um uso considerável de verba. Contudo, a estratégia para lidar com esse material é parte obrigatória da operação de todas as usinas. 

Inclusive, há a possibilidade do reprocessamento nuclear, ou seja, quando o urânio ou plutônio já utilizados como combustível são recuperados. Isso ajuda a diminuir os gastos e a evitar que o material radioativo seja descartado de maneira incorreta.

Portanto, com a fiscalização adequada, a poluição atômica não deve ser um problema, principalmente em relação ao maior ponto positivo da energia nuclear: ela é a única com potencial para suprir a falta de combustíveis fósseis que assombra o atual modelo de produção energética mundial, que depende de materiais cada vez mais raros, como o petróleo, por exemplo. Isso porque, com um processo de regeneração de material físsil, a energia nuclear é sustentável. 

 

O futuro é radioativo

A chamada “energia do futuro” já chama atenção de diversos investidores ao redor do mundo — um dos mais conhecidos entre eles é Bill Gates, magnata fundador da Microsoft, que anunciou, em junho de 2021, um investimento de 1 bilhão de dólares em um reator nuclear.

No Brasil, embora existam planos de investimentos nesse setor e a despeito da infraestrutura já existente no país, a dependência na energia gerada por derivados de petróleo e pela água é latente. “O Brasil é um dos poucos países que domina todo o ciclo de combustível [nuclear], da extração até o enriquecimento, a única coisa que não fazemos é reprocessamento”, elucida Giovanni. 

O professor de engenharia nuclear aponta para a possibilidade de construção de pequenas usinas como estratégia de investimento, uma vez que são mais baratas e rápidas de construir, considerando que o país apresenta apenas duas usinas em funcionamento atualmente. 

Em comparação com países como Índia e China, que, hoje, investem no setor de energia nuclear, para André, o Brasil poderia estar movendo mais dinheiro nesse sentido: “[o país] poderia usar usinas nucleares para abastecer trens rápidos, no que outros países estão investindo hoje, de modo a diminuir o nosso consumo de gasolina, álcool e querosene”. 

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