Em 1986, ocorreu na Ucrânia um dos maiores desastres nucleares do mundo. A explosão do reator nuclear de Chernobyl, seguida de um incêndio, trouxe um número incalculável de vítimas. A quantidade de mortes não foi devidamente estabelecida, em função da falta de transparência do Estado Soviético. Este considerou apenas um total de 31 mortes imediatas e nos anos seguintes devido a doenças resultado da alta exposição à radiação. Já segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), as vítimas fatais são aproximadamente 9 mil pessoas.
A minissérie da HBO intitulada com o nome do complexo de Usinas Nucleares —Chernobyl— foi lançada em maio deste ano e conta com cinco episódios de aproximadamente uma hora. O curioso é que o roteirista, Craig Mazin, é famoso por filmes de comédia como Se Beber Não Case e Todo Mundo em Pânico, mas se mostra talentoso também para dramas históricos. Em sua nova produção, traz muito estudo de história e de física —em diversos momentos, o espectador se vê tendo aulas de como funciona um reator nuclear. Com isso, em muitos trechos da obra, Craig não precisa recorrer à ficção, já que a realidade do momento histórico é trágica por si mesmo. Vale exaltar a habilidade do criador em manter a série de fácil entendimento para leigos no assunto, nos fazendo entender, de fato, o processo da explosão sem ser monótono e unicamente documental.
Chernobyl nos apresenta os antecedentes da explosão, isto é, mostra a rotina dos engenheiros responsáveis pela sala de controle da usina 4 —onde ocorreu o acidente—, inclusive com os nomes reais e, em alguns casos, até as personalidades. Como o caso do engenheiro chefe, Anatoly Dyatlov (Paul Ritter), que não aceitou a culpa pelo desastre, sendo assim retratado na produção.
Além dos antecedentes, acompanhamos o momento da explosão, que conta com uma cenografia e efeitos especiais muito bem produzidos e que bem retratam um desastre de tamanha magnitude. Unidos à sonoplastia, fazem uma cena comovente ao público.
O pós desastre se estende por mais dois anos, até a o suicídio de Valery Legasov (Jared Harris), cientista que buscava as explicações para a explosão nuclear.
A minissérie segue uma linha de culpabilização da URSS pelo estrago causado, pela negligência —ao demorar para evacuar cidades—, por um botão de emergência que não funcionava e também por esconder e encobrir para o resto do mundo o tamanho do desastre que ocorreu na Ucrânia. Tudo isso a série busca explorar e deixar bem explicado.
Durante toda a produção, o espectador sente que o Estado é responsável pelos resultados da tragédia e os “heróis” são químicos como Legasov, que confrontou o valor da mentira estatal e questionou até que ponto eram válidas as ações da URSS para manter seu poderio em plena Guerra Fria. Outra heroína notável na minissérie é Ulana Khomyuk (Emily Watson), uma personagem fictícia, que segundo os criadores é uma aglutinação de centenas de cientistas que estudaram e fizeram todos os esforços para controlar o desastre nuclear. O uso de uma mulher como alguém poderosa e com voz à época é irreal, pois a URSS não aceitava a mulher como igual e ainda mais líder, mas, em uma análise atual, Ulana K. é essencial para trazer protagonismo feminino às produções audiovisuais.
A união de diversas histórias —algumas ficcionais e outras reais— de soviéticos que acompanharam esse momento histórico nos aproxima do que foi o desastre na perspectiva as autoridades, de quem trabalhava na usina nuclear e de familiares de bombeiros que deram a vida para apagar o incêndio. Desde cenas tristes, como a execução de animais nas cidades abandonadas, até longos diálogos em reuniões de líderes de Estado –que trazem ainda mais sobriedade à produção–, o espectador fica preso ao sofá até o fim do último episódio.
Além disso, os produtores buscam ser fiéis ao ambiente, tanto com réplicas dos uniformes que eram usados à época, como da sala de controle da usina 4.
A minissérie Chernobyl, apesar de se voltar às histórias do século passado, continua muito atual e ultrapassa o contexto da União Soviética. Questiona-se o valor da verdade no mundo contemporâneo e o quanto as empresas e governos estão dispostos a pagar e se afundar para escondê-la. Depois de desastres –ou melhor, crimes– como os de Mariana e Brumadinho, estes debates são ainda mais válidos: meses depois, ainda não há esperança de respostas.