Em 2013, hipóteses de destruição dos espaços de convivência de estudantes da ECA/USP começaram a ser levantadas; situação prejudica liberdade estudantil e afeta Sindicato dos Trabalhadores da USP
Por Nina Turin (ninaturin48@gmail.com), Sara Baptista (sarabm6@gmail.com) e Thiago Quadros (thiagoquadrosm@gmail.com)
Toda faculdade tem sua Vivência, mesmo que ela não seja chamada exatamente dessa maneira. Ao contrário do que muitos podem pensar, não é apenas um lugar onde ocorrem festas. É também um espaço em que os estudantes têm a oportunidade de se envolver em projetos fora do círculo acadêmico, desenvolvendo ideias e também sua própria personalidade. Para muitos, é nesse espaço onde acontece o primeiro contato real com a política, fora dos jornais e dos tempos de eleição. É, portanto, um lugar de experiência e formação, que não à toa é chamado de Vivência.
Grande parte dessa troca de experiências está vinculada à presença de diversas entidades. No caso da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, a Vivência dos estudantes abriga o Centro Acadêmico Lupe Cotrim (CALC), a Associação Atlética Acadêmica Lupe Cotrim (ECAtlética) e o depósito da bateria da faculdade, a BaterECA. Além disso, estão abrigados no local o Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP) e um restaurante. Na ECA, o espaço estudantil também é composto pela chamada Prainha, praça que funciona como extensão do prédio da Vivência.
Em meados de 2013, hipóteses de destruição tanto da Prainha como da Vivência começaram a ser levantadas, a partir de informações informais. Segundo os boatos contados, os centros de convivência dariam lugar a uma avenida, um jardim e um estacionamento. Frente a essa ameaça, o CALC e o Sintusp enviaram um ofício pedindo uma audiência com o reitor, para obter explicações sobre o assunto, mas ainda não foram atendidos.
Histórico
A Universidade de São Paulo constantemente se encontra em obras. Atualmente, as principais modificações estruturais são a construção da Nova Reitoria e do Centro de Difusão Internacional. A primeira está localizada exatamente ao lado da prainha da ECA, e já ocupa o lugar onde se encontrava o canil, um dos espaços de vivência dos estudantes da ECA, demolido no dia 22 de dezembro de 2012 sem nenhum tipo de aviso prévio. Na época, a diretoria da unidade afirmou que não sabia dos planos da reitoria e não tinha sido notificada sobre a demolição. Menos de 2 anos antes, a Congregação da ECA havia feito um documento atestando e reconhecendo aquele espaço como propriedade dos estudantes.
O espaço que fora inicialmente uma casa de máquinas, se transformou em canil e posteriormente foi abandonado, até ser ocupado pelos estudantes em maio de 2006. O canil já havia sofrido uma tentativa de demolição em 2010. Essa ação ocorreu durante o período letivo, o que possibilitou aos alunos ali presentes defesa do espaço, impedindo a ação dos tratores.
Em outubro de 2013, uma tentativa de demolição do Núcleo e Consciência Negra – localizado exatamente ao lado do Centro de Difusão Internacional – mobilizou estudantes em defesa daquele espaço. Mais uma vez, a ação se daria sem qualquer aviso prévio.
Além desses casos, a Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis (FEA) e a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) também perderam suas vivências estudantis no ano de 2012. O chamado Espaço Verde, localizado no prédio das Ciências Sociais na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) também já sofreu ataques arbitrários, restando hoje apenas um andar dos dois que constituíam o espaço originalmente.
A prainha e a vivência
O histórico de destruição de espaços estudantis, o projeto da Nova ECA e a proximidade com as obras da nova reitoria assustam os estudantes, que temem pela destruição de uma das últimas praças de convivência da Universidade.
As informações sobre a possível demolição da prainha e da vivência chegaram inicialmente através de peões e do empreiteiro que trabalham na nova reitoria, em conversa informal com alguns membros do Sintusp e do Centro Acadêmico. Marcela Fleury, diretora do CALC, afirmou, referindo-se aos trabalhadores da obra. “Muitos deles comentam com a gente quais são os próximos passos da nova reitoria e o que eles dizem é que justamente a obra vai avançar para a Prainha e para a Vivência e que esse espaço vai ser demolido e virar parte da estrutura da Reitoria”.
Magno de Carvalho, diretor do Sintusp, menciona uma conversa que a também diretora do sindicato, Ana Elisa, teve com o engenheiro responsável pela construção da nova Reitoria. “Ele não conhecia a Ana Elisa, não sabia que ela era do Sindicato e ela perguntou: “mas então isso aqui vai ser derrubado, vai ficar bonito?” e ele respondeu: “sim, vai ficar bonito. Nós vamos derrubar isso em dezembro”.
A responsável pelo restaurante que funciona dentro da vivência, Maria Hermínia Neves dos Santos, afirma ter sido avisada por um professor de que a demolição ocorreria: “a última vez que ele [professor] esteve aqui, falou que era uma certeza que um trator ia passar por cima”, diz ela.
Ao procurar explicações para o caso, descobriu-se que o espaço ocupado pela vivência não consta na planta oficial da unidade e a diretoria da ECA alega que a área é de responsabilidade da Prefeitura do Campus. Quando questionada sobre a destruição, a Superintendência do Espaço Físico (SEF) da USP informou que não tem planos de demolição para o espaço.
Ação dos estudantes
Enquanto o Centro Acadêmico e o Sintusp dizem que a Vivência e a Prainha estão ameaçadas, a SEF afirma que não. Porém, como reflexo das experiências passadas, os estudantes da ECA decidiram se mobilizar para ocupar o espaço durante as férias. Mesmo que a demolição não seja confirmada oficialmente, a hipótese dela gera preocupação entre os alunos, o que demonstra a distância e a desconfiança entre as diferentes esferas que compõem a Universidade.
Serão promovidas atividades políticas, culturais, esportivas e recreativas ao longo do período de recesso a fim de proteger a prainha e a vivência. Em um primeiro momento, incentiva-se que as reuniões das entidades sejam realizadas nesses locais.
Entidades que possuem características apolíticas, como a ECAtlética e a BaterECA, diante da possível demolição da Vivência e da Prainha, se mostraram dispostas a se inserir na mobilização. A BaterECA, por exemplo, está organizando uma oficina na Prainha para os interessados a começar a aprender a tocar algum instrumento.
A ECAtlética também está planejando atividades e seu presidente, Gustavo Pessutti explica a posição da entidade: “boa parte da Atlética só existe por causa da Vivência. Se a primeira função da Atlética é promover, organizar e incentivar o esporte ecano, logo na sequência vem a integração e as festas entre os alunos. Sem a Vivência, isso não existe” e ainda completa: “A mobilização e as atividades da Atlética para defender a Vivência estão integradas com a mobilização dos ecanos e de todas as entidades, e acreditamos que o espaço precisa ser defendido de todas as maneiras possíveis”.
Ainda que muitas informações dadas sejam conflitantes, percebe-se a apreensão dos estudantes em relação à possibilidade de demolição. Por isso, é importante que todos participem das atividades que estão sendo propostas pelas entidades da ECA. Para mais informações sobre as atividades que acontecerão durante as férias, visite a página no facebook Sobre_Vivência Prainha Sintusp.